Foi num 21 de julho de 2004 que assumi a Redação do Diário do Grande ABC. Portanto, completaram-se ontem 10 anos. Parece que foi ainda agora. Não esqueço a data porque me meti naquela enrascada exatamente três dias após perder meu pai, o cara mais fantástico que conheci. Não fosse aquela travessura do destino que me golpeou duramente, porque a ficha da mortalidade caiu, teria assumido em 19 de julho, uma segunda-feira.
Fui demitido exatamente nove meses depois, em 21 de abril de 2005. Acabara ali um pesadelo. Dizem que não se deve chorar o leite derramado nem cuspir no prato em que se comeu. Sair do Diário do Grande ABC, provou o tempo, foi um bálsamo à minha qualidade de vida. O jornalismo diário, em qualquer diário, é um pacto com o inferno ao qual só se submetem malucos de pedra que acreditam que mudarão o mundo.
Já escrevi demais sobre aquele período no jornal e quem tiver a curiosidade de acompanhar alguns lances desse jogo pode recorrer ao arquivo desta revista digital. Só volto ao assunto porque 10 anos de chegada e 10 anos de saída não se desprezam. Há sempre um balanço a fazer. Faço-o em poucas linhas neste espaço longe de embaraços. Lamentavelmente, o Diário que imaginei transformar em cinco programados anos com uma equipe de redação ainda talentosa virou bolha de sabão. Outros cinco anos se passaram e nada de a publicação dar sinais de recuperação.
Dúvida ou dúvida?
A dúvida que me assalta após tanto tempo é se o Diário do Grande ABC vive apesar ou por causa do empresário Ronan Maria Pinto. Sou tentado a dizer que vive por causa do empresário de transporte coletivo que um dia caiu na besteira de virar presidente do Santo André, disfarçado de Saged, e levou o clube à Sexta Divisão do futebol brasileiro. No fundo, acho que com Ronan Maria Pinto o Diário do Grande ABC resiste bravamente às durezas do prélio de um mundo de comunicação que se altera profundamente para os jornais impressos. A condenar ainda mais a trajetória da publicação, eis que circula numa área geográfica em persistente processo de definhamento econômico.
A resiliência do Diário do Grande ABC, à parte alguns métodos que não aprovo, é admirável. A tradição sustenta a publicação numa prolongadíssima trajetória de insipidez jornalística. Não fossem as glórias que vem do passado, talvez o Diário do Grande ABC não existisse no presente ante a avalanche de mudanças sociais, econômicas e culturais que há pelo menos duas décadas atingem frontalmente a Província do Grande ABC.
Não creio sinceramente que, como produto, produto mesmo, o Diário do Grande ABC eventualmente adquirido por outro grupo empresarial, altere a rota de enfraquecimento sistêmico que o acomete. Quando assumi o controle acionário da publicação, há uma década, Ronan Maria Pinto encontrou um jornal e uma empresa em pandarecos. Vivia o Diário do Grande ABC os estertores de um período de investimentos maciços na redação comandada por Fausto Polesi e Alexandre Polesi. Em seguida, eles foram apeados do grupo de acionistas.
Último suspiro
Durante aqueles pares de anos voltados à valorização da redação, o Diário do Grande ABC, à parte o excesso de triunfalismo obcecado, flertou para valer com novos tempos. Quando cheguei em julho de 2004 o jornal refletia a crise diretiva. O desmonte da redação já se prenunciava. E foi justamente contra a sentença final de aniquilamento da qualidade informativa que me insurgi. Sai em tempo de manter o juízo no lugar e a alma em paz. A condição de leitor me dá todos os privilégios possíveis como crítico que entende do riscado. Depois de tanto me dedicar ao riscado não teria sentido deixar de entender como se faz pelo menos o arroz-feijão com filé do bom jornalismo.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)