Este é o segundo capítulo do ombudsman não autorizado dos jornais da Província do Grande ABC, projeto que se sustenta sobre um tripé que associa independência, experiência e rabugice. Não necessariamente nesta ordem. A manchetíssima (manchete das manchetes) de primeira página do Diário do Grande ABC de domingo foi de lascar. Um abismo de imperfeições. Uma montanha de dúvidas.
Diz a manchetíssima: “MP investiga repasse menor do Ministério da Saúde a prefeituras”. O buraco maior da reportagem é que o jornal não se preocupa em dar respostas à ação do MP, embora contasse com entrevistados dispostos a isso. Li e reli o texto e cheguei à seguinte conclusão: se o objetivo era confundir, esmerou-se.
Na página interna o título “MPF investiga estagnação de gasto da União no SUS” mantém o questionamento que, caso se cumprisse a função de esclarecer, o jornal teria esclarecido. Vamos aos principais trechos da matéria:
O MPF (Ministério Público Federal) e Ministério Público de Contas, vinculado ao TCE (Tribunal de Contas do Estado)
Complicações estruturais
Quais são os problemas estruturais da manchetíssima do Diário do Grande ABC, edição de domingo?
Fica a sensação de que o ministro da Saúde Arthur Chioro se utiliza de um argumento fatal, que tanto o Ministério Público Federal quanto o Ministério Público de Contas do Tribunal de Contas da União, desconsideram: o critério utilizado pelo governo federal está constitucionalmente preservado e, portanto, a salvo de eventuais penalidades. O ministro recorre a número de investimentos que não foram contestados.
A reportagem poderia ter explorado a informação sobre a constitucionalidade dos repasses. Provavelmente não o fez porque a manchetíssima estaria descartada. Ou seja: o ministro está certo. O enfoque teria de ser necessariamente outro. E aí não se sabe se haveria interesse da publicação. Há situações em que a pauta jornalística se consuma como forçada de barra. Parece ser o caso.
Mas há outros pontos a observar. Por exemplo: os valores mencionados sobre os repasses da União na montagem orçamentária do SUS. Se a União obedece a Constituição, conforme garante o ministro Arthur Chioro, a queda decorreria dos mecanismos legais que movem a engrenagem de financiamento do programa. Se há descasamento dos respectivos repasses quando confrontados com os valores absolutos e rigorosamente definidos de aplicação orçamentária anual obrigatória de 15% das prefeituras, são outros quinhentos.
Para entender a situação seria indispensável que a reportagem mencionasse os valores monetários no período de descasamento dos repasses federais aos municípios e os respectivos orçamentos das prefeituras. A participação percentual dos repasses de recursos financeiros federais aos municípios do País não dá guarida a outras argumentações. Teriam sido os repasses monetários acima dos valores definidos pela Constituição, como sugere o ministro Arthur Chioro?
Proposta autocondenatória
A proposta de equalizar o quadro, reservando-se de repasse federal um percentual fixo sobre o comportamento da arrecadação, eliminando-se dispositivo que inclui nos cálculos a arrecadação do ano anterior e o PIB, pode até ser a confluência do bom senso e da lógica de administração pública. Pode ser, mas nada garante que seja. E se o for, está mais que caracterizada a improcedência da matéria, inadvertidamente elevada à condição de manchetíssima num tom de delinquência do governo federal na distribuição constitucional de recursos aos municípios brasileiros.
Por isso, quando o ministro Arthur Chioro disse o que disse sobre a constitucionalidade dos repasses, faltou ouvi-lo mais atentamente. A resposta estaria ali, nua e crua. E, quem sabe, a manchetíssima poderia ter uma abordagem completamente diferente, se o propósito fosse apenas explicar. O MP está perdendo tempo em acionar o Ministério da Saúde e os administradores municipais seriam desmascarados na Província do Grande ABC caso números absolutos deflacionados mostrassem que, apesar da chiadeira nacional, os prefeitos contariam com muito mais dinheiro para essa área social do que no início dos anos 2000.
Também mereceria explicação o fato de São Caetano ser o único entre os municípios citados na matéria que teve aumento de participação no repasse federal. O que faz São Caetano tão diferente e, portanto, a anular o conceito-chave que move o Ministério Público?
Há, portanto, algo de muito estranho na manchetíssima do Diário do Grande ABC de domingo. Há contornos de uma tremenda barrigada conceitual. De zero a
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