Tenho me manifestado nas mensagens segregadas dos integrantes do Defenda Grande ABC contrariamente ao uso da diplomacia como o mais adequado caminho para escarafunchar o destino do dinheiro público na região. O Defenda é um movimento que está surgindo para monitorar principalmente as administrações públicas municipais. Se achar que pode se aproximar de contrários sem cair na esparrela da contaminação, vai dar com os burros nágua.
A experiência no acompanhamento dos interesses entrecruzados na região quando a gestão pública está em jogo me autoriza a ser cético ao uso da política de punhos de rendas. Acredita em Papai Noel quem espera que as investidas do Defenda Grande ABC vão ser recepcionadas com amor e carinho pelos redutos a serem vasculhados. A gentileza vai perder o viço. Prevalecerá a faca entre os dentes daqueles que se consideram inquestionáveis.
Vou dar um exemplo prático e insofismável sobre o destino que teria o Defenda Grande ABC caso resolva se encantar com os gestores públicos a ponto de acreditar que uma ação prospectiva se daria fora da raia de cobranças enérgicas e esclarecedoras.
A OAB de Santo André, presidida por Fábio Picarelli, botou as manguinhas de independência de fora e criou uma comissão que pretendia vasculhar operações da Secretaria de Obras comandada por Paulinho Serra. Esse ex-vereador tucano de Santo André é um dos queridinhos de determinados componentes do Festeja Grande ABC, movimento informal grudado na gestão do prefeito Carlos Grana.
Ação desmoralizadora
O resultado final é que a comissão foi desativada e desmoralizada, e o presidente Fábio Picarelli está de braços dados sem soldados com o grupo formal e informal que comanda o Paço Municipal.
Não se pode afirmar com a certeza dos inocentes e dos ingênuos que Fábio Picarelli tenha sido colhido de surpresa ao sofrer a resistência do stabilishement do Paço Municipal. Seus adversários políticos, porque ele os tem aos montes entre os advogados de Santo André, garantem que tudo foi de caso pensado. Fábio Picarelli teria jogado a isca de dificuldades, usando terceiros para dar a cara, e depois recolheu as facilidades.
E não teria agido isoladamente. Contou com combinação de nacos de apoiadores de ocasião do prefeito Carlos Grana. A força-tarefa que age no entorno do Paço Municipal teria feito de Fábio Picarelli espécie de ponta de lança a conquistar novos nacos de poder na gestão pública. Tudo devidamente compartilhado.
Servidor do prefeito
Coincidência ou não, acordou-se a nomeação de um dirigente da OAB de Santo André, muito próximo de Fábio Picarelli, para ocupar o cargo de ouvidor da Prefeitura. Um servidor que não honra a expectativa que gera porque atua em absoluta consonância com os ditames do prefeito de plantão. Algo como entregar a um galo cego, surdo e mudo a missão de despertar a bicharada.
Qualquer iniciativa que o Defenda Grande ABC venha a formular para tomar o pulso do dinheiro público nas prefeituras da região será tratada como intromissão descabida. Os dirigentes do Defenda Grande ABC não podem perder de vista que a cultura regional não é diferente da cultura nacional. Quem está nos podres poderes públicos sente-se a tão poderoso que qualquer medida estranha aos costumes dos mandachuvas será tratada como desafio à medição de força.
Lambeção diplomática
A premissa de atuação do Defenda Grande ABC, portanto, é de que a etapa de lambeção diplomática é pura perda de tempo. Se eficiente se tornar, ou seja, se a iniciativa encontrar os podres poderes públicos receptivos, a explicação será simples e cristalina: o movimento já teria sido cooptado pelas forças políticas e econômicas da Província e se prestaria desprezivelmente a avalizar falcatruas de ordem moral e ética. Estou absolutamente certo ou redondamente enganado?
A resposta é simples e basta fazer uma experiência. Que a primeira ação do Defenda Grande ABC seja pedagogicamente direcionada a tentativas de destruir todos os pontos de interrogação sobre o volume, as condições e a aplicação dos recursos financeiros originários das chamadas outorgas onerosas, essa mamata que, tratada como benesse do setor imobiliário, provoca uma série de estragos à mobilidade urbana e enriquece ilicitamente muitos empresários desalmados.
Um questionário bem amplo, denso, portentosamente independente, que procure trazer à luz da informação séria tudo que se referir às outorgas onerosas na Província do Grande ABC deixaria os podres poderes públicos em maus lençóis.
Promiscuidade e abuso
A falta de transparência não é apenas uma prática comum entre os detentores dos podres poderes públicos. No caso do mercado imobiliário de aumentar o volume de metros quadrados construídos em troca de ninharias o que temos na praça é uma associação de promiscuidade e abuso.
Na Capital tão próxima, é escandalosa a diferença entre o que a Prefeitura arrecadou dos mercadores imobiliários a título de contrapartida para construção de edifícios além das especificidades legais iniciais e o que as construtoras e incorporadoras recolheram adicionalmente. Já tratamos desse assunto neste espaço.
A caixa-preta do mercado imobiliário na região (as outorgas são apenas uma parte de um enredo horripilante) é algo sobre o qual nenhum administrador público e nenhum secretário da área se sentirão confortáveis em entregar a terceiros que não façam parte do jogo jogado conforme as regras que eles determinam. Eles, os administradores públicos, vão entender que, quem quer que seja o interessado, não passará de um agente inimigo. Nestas alturas dos acontecimentos, a diplomacia irá rapidamente para o ralo. Não prosperará, portanto.
O outro lado da moeda, de achar que à inutilidade da diplomacia romântica se contraporiam com alta rentabilidade institucional iniciativas que forçassem a barra da civilidade e do bom senso, não passaria de equívoco com o mesmo grau de fragilidade resolutiva.
O melhor para o Defenda Grande ABC é não se deixar imobilizar pela bifurcação radical de que o mundo da administração pública é uma maravilha de democracia ou um convite inexorável à guerra cruenta.
Se o Defenda Grande ABC não encaixar os golpes com precisão de quem não tem o rabo preso com ninguém, acabará nocauteado antes mesmo de entrar para valer no ringue de uma competição que é absurdamente legítima – ou seja, cobrar transparência dos podres poderes públicos, contando de antemão com o suporte principalmente do Ministério Público, a quem caberá a missão de requisitar oficialmente as respostas que não serão jamais entregues a agentes da sociedade.
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