Imprensa

Diários da Província ignoram IBGE
na mensuração da crise automotiva

DANIEL LIMA - 05/08/2014

O Diário do Grande ABC e o Diário Regional, principais veículos de periodicidade diária da Província do Grande ABC (não há redundância nessa observação, porque há jornais que se propagam diários mas não são), cometeram na edição de sábado uma das maiores atrocidades com seus leitores, também consumidores, também contribuintes, também trabalhadores, também aposentados.


 


Simplesmente, as duas publicações ignoraram a manchetíssima (manchete das manchetes de primeira página) mais importante, óbvia, indispensável e sensibilizadora do dia. Nem manchetinha de primeira página deram. Nem materiazinha de página interna deu o Diário Regional. Manchetínha discretazinha de página interna, quase escapando pelas bordas, o Diário deu. A Folha de S. Paulo deu a notícia em manchetíssima. O Estadão em manchete discreta no alto da primeira página.


 


Este é o quinto capítulo da série em que me travisto de ombudsman não autorizado dos jornais virtuais e impressos da região. Jamais imaginei que publicaria um texto sobre manchetíssima que não virou manchetíssima, porque minha missão é analisar manchetíssima publicada. O Diário do Grande ABC e o Diário Regional conseguiram a proeza.


 


Afinal, sobre o que estou a escrever? A manchetíssima da Folha de S. Paulo responde: “Carros puxam pior queda da indústria em 5 anos”, com direito ao que chamo de linha fina, de texto complementar: “Produção industrial cai 6,9% em junho; montadoras já afastam trabalhadores”. Reproduzo o texto da manchetíssima da Folha, no alto da primeira página, para não precisar me estender demais sobre a barrigada do Diário do Grande ABC e do Diário Regional:


 


 A produção da indústria brasileira caiu 6,9% em junho na comparação com o mesmo mês do ano passado, segundo o IBGE. Foi a quarta queda consecutiva e o pior desempenho do setor deste setembro de 2009. Em relação a maio, o recuo da indústria foi de 1,4%. O maior impacto negativo veio da retração da indústria automotiva. A fabricação de veículos despencou 35% em relação a junho do ano passado. Dos 2,6% de queda acumulada da indústria neste ano, 1,9 ponto percentual vem do enfraquecimento da produção de carros. A demanda em queda e os estoques em alta já levam as montadoras a afastarem funcionários das linhas de produção. A Fiat e a Ford vão conceder férias coletivas aos trabalhadores. A GM avisou sindicatos que haverá suspensão temporária de contrato de trabalho.


 


Reportagens extensas


 


O Estadão preferiu focar na manchetíssima de primeira página a guerra no Oriente Médio: “Hamas captura israelense e trégua dura só 90 minutos” ganhou a disputa pelo principal posicionamento na vitrine de primeira página da publicação. A manchete dedicada à crise na indústria ocupa o terceiro lugar na diagramação: “Copa reduz dias úteis e agrava crise da indústria” trata igualmente com ares de inquietação sobre o andar da carruagem da indústria de transformação, principalmente nas montadoras de veículos. Internamente, Folha e Estadão publicaram reportagens extensas, inclusive com direito a análises personalizadas, um dos recursos mais valiosos dos jornais modernos porque, assim, fogem do quadradismo da informação relatorial.


 


Como se explica tamanha desatenção, para não dizer tamanha barbeiragem, dos dois diários da região? Fosse num passado bem distante, em que as plataformas de comunicação mantinham quase que um isolamento a complicar o acompanhamento dos fatos mais importantes do dia, até se admitiria algo semelhante. Mas agora que o mundo ficou tão pequeno, que os sites de grandes publicações impressas antecipam durante todo o dia manchetes e manchetíssimas que os jornais darão no dia seguinte nem sempre com agregado de valor informativo, trata-se de algo muito mais grave.


 


Até parece que a indústria automotiva e as autopeças da Província do Grande ABC não representam mais de 50% das ramificações produtivas locais, com influência decisiva no suprimento financeiro das prefeituras e no espalhamento de riquezas em forma de empregos, renda, negócios e tudo o mais para o conjunto da sociedade. Goste-se ou não, a indústria automotiva é o coração, as pernas, os braços e a alma da Província do Grande ABC. Há efeitos deletérios por conta disso, resumidos no que chamo de Doença Holandesa, mas é melhor tê-los do que vê-los nos abandonar sem contrapartidas de outras atividades. Dependemos da indústria automotiva como os centroavantes de gols.


 


O equivalente ao fato de a manchetíssima do Diário do Grande ABC e a manchetíssima do Diário Regional não terem sido o balanço do IBGE sobre o comportamento industrial de um País que provavelmente não crescerá nem 1% nesta temporada seria a opção dos principais jornais de Israel pelo amistoso programado para os Estados Unidos entre o Manchester United e o Real Madri aos novos lances de dramaticidade na faixa de Gaza.


 


Faixa de Gaza


 


Guardadas as devidas proporções e desdobramentos, a indústria automotiva é nossa faixa de Gaza. As armas da competitividade industrial ditam o ritmo de nosso futuro. Estamos perdendo essa guerra de guerrilhas há muito tempo. E agora, com o quadro macroeconômico nacional em descompasso, sofremos consequências mais profundas do que outras geografias.


 


Infelizmente, dadas as condições cada vez mais adversas ao suprimento das máquinas de comunicação da região pela iniciativa privada, com encolhimento brutal de receitas publicitárias, os jornais dependem cada vez mais de relações com forças políticas, inclusive como apoiadoras de aproximações com parceiros comerciais.


 


Um balanço independente para identificar as fontes de receitas das publicações locais demonstraria cabalmente que o Poder Público e seus entornos sustentam as publicações em escala acima do conveniente à independência crítica da indústria da informação. 


 


O noticiário dos jornais da região, em grande parte, exala provincianismo típico das amarrações extracampo. Liberdade de imprensa não passa de expressão padrão especializada na arte de esconder o principal. O domínio exercido pelo noticiário político é exasperante. A economia que se exploda. Ainda mais quando a questão é abrasiva como a indústria automotiva, a mexer com mandachuvas sindicais.


 


Uma pergunta necessária e indispensável: como os leitores das publicações da região reagem na prática ante inacreditável omissão? Nem vou me dar ao trabalho de destacar a manchetíssima escolhida para a edição de sábado do Diário do Grande ABC e do Diário Regional porque nada de extraordinário as mobilizou. Foram noticias comuns, dessas que os leitores mal prestam atenção.


 


Somente uma hecatombe, algo como o Aeroportozão de Marinho, feito realidade, protagonizar a queda de uma embarcação com 300 passageiros em plena Represa Billings, imediações que pretende ocupar, poderia justificar a substituição da manchetíssima mais óbvia, mais obrigatória, mais sensata e mais previsível de sábado: a Província do Grande ABC, responsável por mais de 20% da produção automotiva do País, está no olho do furacão da desaceleração de uma atividade econômica que sustenta sua estabilidade social.


 


Se querem esconder a crise regional, que não se limita ao setor industrial porque o mercado imobiliário já desandou faz muito tempo, a receita não é essa. Há uma complexidade de tecnologias a disseminar informações em tempo real. Os jornais perderam uma grande oportunidade de oferecerem manchetíssima de qualidade superior à média das manchetíssimas de outras edições, porque a caçapa do IBGE estava mais que cantada. 


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