Espero completar com este artigo a análise do evento da manhã de sexta-feira no Teatro Cacilda Becker, em São Bernardo, quando da composição do Grupo Automotivo do Clube dos Prefeitos. Longe de mim comparar aquela manhã a um airbus metido desastradamente entre cumulus nimbus, mas é uma barbaridade ter de escrever que o encontro tem relação com o Clube dos Prefeitos, também conhecido por Consórcio Intermunicipal do Grande ABC.
Num evento de tanta importância para a agenda regional, compareceram apenas três titulares de Executivos do Grande ABC, no caso Luiz Marinho, que tomou posse como coordenador do grupo, um breve José Auricchio Júnior, de São Caetano e presidente do organismo, e Mário Reali, de Diadema. Oswaldo Dias, Clóvis Volpi, Aidan Ravin e Kiko Teixeira sumiram dos radares.
Daí ter concluído sem receito de estar informando incorretamente aos leitores, que houve boicote dos tucanos e assemelhados. A ausência do petista Oswaldo Dias, que enviou o secretário de Desenvolvimento Econômico, não rompe o lacre dessa realidade. Ele estaria mesmo impossibilitado de comparecer, embora não faltem idiossincrasias que coloquem em xeque as relações que mantêm com Luiz Marinho.
Se em circunstâncias normais de pressão e temperatura a instalação de grupo de estudos da principal atividade econômica do Grande ABC já seria acontecimento a ser prestigiado em massa por lideranças políticas, econômicas e sociais, imagine nestes tempos de crise internacional e de ameaça ao equilíbrio econômico do Grande ABC e, adicionalmente, a um dos municípios, no caso São Caetano que tanto se orgulha de indicadores econômicos e sociais de Primeiro Mundo.
Ou alguém em sã consciência acha mesmo que a crise na matriz da General Motors, estatizada pelo governo Obama, não vai espalhar complicações para estes trópicos?
Por mais que a imprensa contemporize a situação, só o fato de a unidade de São Caetano ser a menos moderna da marca no País, com praticamente metade da produtividade da fábrica de sistemistas em Gravataí, no Rio Grande do Sul, já diz muita coisa. Ou não diz?
Tapando com peneira
Tentar tapar o sol da contaminação da GM brasileira com a peneira da circunstância mais recente de resultados financeiros interessantes depois de longas temporadas de suporte norte-americano é tratar o distinto público com desdém. No mínimo, no mínimo, a General Motors brasileira exigirá muitos recursos que minguarão da matriz em maus lençóis e provavelmente cada vez mais voltada para os interesses de mercado e emprego dos americanos.
Mas isso é outra história. O que lamentamos é que vamos de mal a pior em regionalidade. A ausência dos tucanos e assemelhados na posse de Luiz Marinho, por conta dos interesses político-eleitorais que colocam o governo do Estado e a presidência da República na reta de chegada da temporada de votos no ano que vem, é evidente. Tão evidente quanto insofismável. Há um deliberado propósito de extensão da disputa entre tucanos e petistas para todos os endereços onde há manancial de votos. O Grande ABC conta com 1,8 milhão de eleitores.
A surpresa é que as escaramuças municipais que saltam diariamente às páginas de jornais virtuais e impressos foram subjacentemente regionalizadas num evento público que reuniria a fina flor da decantada governabilidade. Está mais que claro que a expressão Grande ABC chafurda num provincianismo cuja melhor e mais apropriada leitura é a seguinte: Santo André, São Caetano, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra tingem-se de azul enquanto São Bernardo, Diadema e Mauá de vermelho.
Também foi lamentável o tom quase que festivo do cerimonial naquele encontro de sexta-feira, além da ausência do secretário de Desenvolvimento Econômico do Estado, Geraldo Alckmin, e da quase totalidade de deputados estaduais (só o petista Vanderlei Siraque compareceu), deputados federais, vereadores e secretários municipais, além de representações econômicas e sociais que formariam a já sepultada Câmara Regional.
A apresentação de um videoclipe que mostra a pujança econômica do Grande ABC, sem ao menos resvalar na periferização da pobreza e na quebra do ciclo de mobilidade social, é uma estupidez de marketing porque, em resumo, nega a própria necessidade de formação do Grupo Automotivo.
Quando ouvi uma das vozes em off no vídeo clipe utilizar a expressão “Capital Social” para qualificar as relações no Grande ABC, quase caí da cadeira. Capital Social é algo que só existe no Instituto Nacional de Propriedade Industrial e diz respeito à marca que detenho há mais de 10 anos na expectativa de lançar um produto editorial (o farei neste espaço virtual) como espécie de desafio à sociedade regional para acordar da letargia profunda em que se encontra.
Numeralhas do ministro
O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, ex-executivo da Volkswagen do Brasil, desfilou uma numeralha de dados da indústria automobilística que os jornais estão cansados de imprimir. Nada contra, porém, porque era mesmo preciso informar uma parte do público presente.
O problema é que a valoração do setor foi colocada nas alturas, sem contrapartidas quanto aos obstáculos que estão aí, vivos, vivíssimos, a nos tirar o sono. Até mesmo a brutal queda das exportações, sobretudo de ônibus e caminhões, foi tratada com certa condescendência — ou pelo menos sem o grau de inquietação que a situação recomenda.
Duro mesmo foi ouvir o ministro Miguel Jorge sugerir que a Chery, uma das principais montadoras chinesas, poderia vir para o Grande ABC. Os chineses podem até ter os olhos menos abertos que os ocidentais, mas dão um baile em competitividade. Eles não viriam para um Grande ABC onde os custos diversos — que exigem produtos de maior valor agregado enquanto o mundo inteiro disputa carros populares — são espantalhos a novos players.
Foi assim nos anos 1990, quando montadoras de todos os cantos e muito menos doutrinadas a cortar custos como os chineses vieram para o Brasil azeitadas também pela guerra fiscal. China e Grande ABC não dão rima. Exceto se o Grande ABC resolver desativar todas as conquistas sindicais para se juntar aos concorrentes instalados em outras porções do Brasil. Uma sugestão como essa para os sindicalistas do Grande ABC equivale a levar à Fiesp a idéia de socializar o parque industrial paulista.
O prefeito Luiz Marinho também exagerou na dose de otimismo ao se referir à situação da unidade da General Motors em São Caetano. Foi o único dos breves oradores que se lembrou da fábrica local. Antes não o tivesse feito, porque tratou os investimentos anunciados na mídia pelo presidente da companhia como prova de invulnerabilidade e competência da planta. Infelizmente, o tempo vai provar que o jogo automotivo internacional pode ser comparado às consequências de atirar no mesmo buraco três tigres famintos.
Qual seria a lição mais importante retirada daquele encontro? É que a liderança maior das empresas automobilísticas, o presidente do Clube das Montadoras, Jackson Schneider, presidente da Mercedes-Benz, e os representantes do Grupo Automotivo sob a coordenação de Luiz Marinho, vão ter mesmo possibilidades imensas de levar a cabo uma série de resoluções. Tomara que possam tornar o Grande ABC menos vulnerável ao quadro internacional e menos dependente da boa-vontade do governo federal no rebaixamento ou corte de alíquotas de impostos, que, como se sabe, tem efeitos precários.
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