Economia

Boicote automotivo (1)

DANIEL LIMA - 07/06/2009

A instalação tardia e por isso mesmo emergencial do Grupo Automotivo do Clube dos Prefeitos do Grande ABC nesta sexta-feira de manhã no Teatro Cacilda Becker, em São Bernardo, desnudou duas realidades que não podem ser desprezadas. Primeiro, o prefeito e ex-sindicalista Luiz Marinho vai levar adiante e de forma prioritária o projeto de revitalização do setor automobilístico, carro-chefe da economia regional. Segundo, os adversários políticos do que representa Luiz Marinho no espectro municipal, regional e estadual, não vão medir esforços para boicotar a empreitada. A disputa entre tucanos e petistas está tão instalada no Grande ABC quanto o próprio Grupo Automotivo.

Boicote pode parecer avaliação catastrofista demais, principalmente neste País do politicamente correto, comportamento que, ao contrário do que apregoam cultores da hipocrisia, é a fonte principal de prejuízos imensuráveis e irreparáveis. Os acontecimentos desta sexta-feira não podem ser tratados de outra forma vernacular e etimológica.

Ou alguém contestaria a conclusão que houve mesmo boicote na ausência quase completa de representantes tucanos e assemelhados no evento que contou com a presença do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, e do chefe do Clube das Montadoras, Jackson Schneider?

Entre tucanos e assemelhados, apenas o prefeito petebista de São Caetano, José Auricchio, compareceu ao evento. Apesar de pressionado a engrossar a operação esvaziamento, Auricchio não caiu no extremo de, como presidente do Clube dos Prefeitos, manter vazia a cadeira de autoridade máxima do organismo.  Mas saiu do Cacilda Becker logo depois de ocupar o microfone em breve pronunciamento e de cuidar da formalidade da criação do grupo temático. Auricchio não ficou nem para ouvir, entre outros, o presidente do Clube das Montadoras, Jackson Schneider, responsável pelo posicionamento mais instigante e reflexivo do encontro.

O Teatro Cacilda Becker estava superlotado, principalmente de metalúrgicos de São Bernardo. Eles tiveram comportamento exemplar. Podem até ter privilegiado em decibéis acima dos demais os discursos mais afinados com a ideologia trabalhista. Mas não negaram aplausos a representantes mais conservadores.


Alckmin ausente

Os metalúrgicos deram aos ausentes lição de responsabilidade social. Inclua-se entre os faltosos a principal autoridade tucana prevista para participar do encontro, depois de confirmada presença por assessores: o ex-governador Geraldo Alckmin, secretário de Desenvolvimento Econômico de José Serra. Alckmin tem viajado intensamente pelo Interior do Estado em campanha ao governo estadual.

Possivelmente o Grande ABC não esteja entre as prioridades de produtividade de votos de Geraldo Alckmin. Nem como governador do Estado e à frente da teórica Câmara Regional, assassinada há muito tempo, Geraldo Alckmin se preocupou com as agruras econômicas locais, com fortes reflexos sociais nos anos 1990. O tucano nem representante enviou.

Os organizadores do evento trataram a indelicadeza do ex-governador com discrição. Houvesse espírito armado de contestação político-partidária, a informação repassada com cuidado ao público pelo prefeito Luiz Marinho, dando conta da ausência de Alckmin, teria provocado reações ruidosas. Não se ouviu nada além do silêncio — provavelmente a forma mais bem acabada de reprovação.

Talvez seja o jornalista em atividade que mais acompanha a movimentação das pedras da institucionalidade regional nos últimos 20 anos, quando de fato brotou o desejo e a inspiração de aproximação entre os prefeitos, Celso Daniel à frente. Por isso, tenho mais facilidades e mais sensibilidade para observar determinadas subjetividades.

O tratamento das demais mídias da região na cobertura da instalação do Grupo Automotivo seguirá que caminho, pergunta este jornalista enquanto dedilha estas frases no começo da tarde desta sexta-feira, para subsequente postagem neste endereço eletrônico? Tomara que o senso crítico não tenha sido superado pelo ritualismo ortodoxo da informação convencional.

A ausência em massa dos prefeitos tucanos e assemelhados, o descaso dos deputados estaduais e federais locais (exceto Vanderlei Siraque, nas primeiras filas), o alheamento dos legisladores municipais, o afastamento de lideranças econômicas e sociais, entre outros pontos, estimulam a seguinte projeção: os gestores e os executores do Grupo Automotivo não têm de perder tempo com encenações de integracionismo. Devem sim priorizar, com as armas que têm, com os voluntários e profissionais que têm, todas as iniciativas para dar encaminhamento a novos tempos. Cidadania no Grande ABC é artigo em liquidação.


Baixa institucionalidade

Atribuir exclusivamente a revanchismos partidários e eleitorais a ausência do aglomerado que comporia as instâncias de regionalidade do Grande ABC seria uma forma de desconsiderar o outro lado dessa moeda de rupturas e mesquinharias. Também pesa na equação de desmancha-prazeres do Grupo Automotivo o componente de baixa institucionalidade de organizações que compõem ou poderiam compor essas instâncias públicas. A ausência da maioria dessas entidades no evento do Grupo Automotivo é a consumação do estado vegetativo em que se encontra o espírito de regionalidade.

É mais que possível, é certo, que o executor do discurso mais entusiástico do lançamento do Grupo Automotivo não tenha percepção alguma do jogo político-eleitoral que permeia as instâncias municipais no Grande ABC, opondo petistas e tucanos. Nem tem obrigação de perder tempo com questões menores.

Por isso, o que disse Jackson Schneider como último convidado da mesa a ocupar o microfone foi extraordinariamente perfeito, depois de garantir que colocará à disposição todo o aparato de executivos e técnicos das montadoras da região para participar dos trabalhos.

Jackson Schneider advertiu sobre a importância de se respeitarem as diferenças de interesses entre trabalhadores e empregadores, de capital e trabalho. Seria tolice desvincular a frase do histórico de hostilidades e negociações trabalhistas mais civilizadas no Grande ABC, centro de operação do novo sindicalismo, no final dos anos 1970, num movimento que redundou, entre outras consequências, na eleição de Lula da Silva à presidência da República.

“Não pensamos iguais, mas podemos aproximar a compreensão das diferenças” — disse o também presidente da Mercedes-Benz do Brasil, numa abordagem que poderia ser transmitida em forma de pito às autoridades políticas e às representações da sociedade civil ausentes.

Volto a escrever segunda-feira sobre o encontro do Grupo Automotivo.



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