O então prefeito João Avamileno deixou para o agora prefeito e então vereador de Santo André, Aidan Ravin, um grande presente de grego, embora a intenção não tenha sido esta — muito pelo contrário. O que Avamileno pretendia era ficar para a história de Santo André como o administrador que equacionou um problema que remete o centro comercial ao terceiro-mundismo.
Trata-se da transferência dos comerciantes informais das ruas centrais, confinando-os no Boulevard Itambé. Operação genial unanimemente aprovada.
Mas o tempo provou e comprovou que, como garantia Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra.
Provavelmente esqueceram de ouvir especialistas em comércio de rua, ou não deram devido valor ao elo mais fraco da corrente, os próprios ambulantes. Ou os comerciantes informais envolvidos se deslumbraram com a possibilidade de ocupar espaço organizado.
Inaugurado em agosto do ano passado, o Bouvelard Itambé lançou os comerciantes informais à míngua. Aquele shopping popular está colado à Estação Ferroviária Celso Daniel, espremido entre o Terminal Rodoviário e o Shopping ABC Plaza. A obra consumiu R$ 2 milhões e prometia tornar cada condômino um felizardo e tanto.
Os informais garantem que não têm como resistir ao deserto de consumidores naquele buraco quente. A Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André) fez de tudo para convencer a administração petista que o confinamento era um bem geral. Por isso, nem quer ouvir falar em voltar ao passado, pressionada pelos associados formais que pagam impostos e muito mais.
O prefeito Aidan Ravin, a quem os informais atribuem promessa de que poderiam ficar tranquilos porque, se eleito, os reconduziria às calçadas centrais, não sabe o que fazer depois de surpreendido pela própria eleição.
O presidente da Acisa, Zoilo de Souza Assis, dirigente ponderado, possivelmente precisa ser cutucado. As medidas sugeridas pelo presidente da entidade tocam em questões de maturação econômica dos empreendimentos populares e na preparação de cursos gratuitos de gestão sob medida. Ou seja: estende o tapete da colaboração com resultados projetados para o futuro enquanto o mataburro de emergências acossa o dia-a-dia.
O que fazer?
A proliferação do mercado informal no Grande ABC e no País como um todo é um dos focos mais visíveis de exclusão social. No caso específico da região, pesam fatores rigorosamente locais também, destacados ao longo dos últimos 20 anos por este jornalista: invasão sem regras compensatórias dos grandes conglomerados comerciais, desemprego elevadíssimo no setor industrial, quebra do ciclo de mobilidade social ditada pelo enfraquecimento da economia, desprezo absoluto de instâncias locais, estaduais e federais por um Planejamento Estratégico Econômico que amenizasse as agressões de uma abertura de portos ensandecida e de uma guerra fiscal fratricida, entre tantos outros fatores.
Visto apenas sob a perspectiva técnica de agrupamento dos empreendedores em espaço condominial a teoria petista corroborada pela Acisa para a construção do Boulevard Itambé apresentava todos os indicativos de que a região central de Santo André conseguiria encobrir os ares bangladeshianos de ofertas de produtos de origem nem sempre identificada mas dispostos com um mínimo de arte para seduzir consumidores populares.
O problema, lembrando uma frase antológica atribuída a Garrincha, na Copa do Mundo de 58, é que faltou combinar com os russos — no caso os consumidores. Ou simplesmente subestimaram um dos pontos vitais para a conquista e manutenção da freguesia de rua: a compra por impulso, compulsória nas calçadas apressadas mas culturalmente vocacionadas à sedução, não migrou para espaço quase segregado, fora dá área de influência da rotina diária de trabalho e passeio.
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12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES