Imprensa

Aumentam as forças de
pressão sobre a mídia

DANIEL LIMA - 29/09/2003

Algumas autoridades públicas menos democráticas, alguns legisladores menos preparados, algumas lideranças empresariais mais atávicas, alguns sindicalistas mais retrógrados, alguns acadêmicos empedernidamente burocráticos -- eis uma fauna especial, especialíssima, que não suporta jornalismo independente.


 


Todos eles mereceriam mais que jornalistas independentes. Mereceriam alguns predadores da informação que queimam reputações ao sabor de interesses de grupos de pressão. Sim, porque se reagem com arrogância contra quem ousa apontar-lhes as falhas, fundamentando-as, que dizer então se se defrontassem com os imprecisos, com os deliberadamente oponentes?


 


O fato é que há um grupo de protagonistas da cena econômica, política e social do Grande ABC que nutre especial aversão à informação qualificada. Para eles, quem ousa cavoucar insumos para consolidar interpretações deve ser banido do relacionamento. Contestar, mesmo que educadamente, ganha contornos de indelicadeza, quando não de ofensa.


 


Há uma ou outra autoridade pública regional que se deleita com repórteres inexperientes. Debocham de profissionais que se apresentam sem agregado de informações preliminares capaz de sustentar diálogos. Entretanto, quando se vêem frente a frente com jornalistas mais meticulosos, detalhistas, reagem grosseiramente. Acham-se acima do bem e do mal. Acostumados à bajulação dos que vivem ao redor do poder, deixam escapar a intolerância ao contraditório.


 


Caixas vazias


 


O relacionamento entre essa turma de prepotentes e a mídia regional esgarça-se em proporções semelhantes à percepção de que os primeiros se sentem intocáveis e os segundos vítimas de evidente debilidade econômico-financeira das empresas de comunicação, epidemia que atinge o setor em todo o País. Generalizam-se problemas de determinadas corporações. Mais que isso: ampliam-se os números de supostas dificuldades de caixa. Procura-se sequestrar a linha editorial sem cerimônia. Às vezes até com abusos. Há os mais sutis, condicionadores discretos de recursos publicitários. Outros são mais explícitos.


 


Se é verdade que poucos estão preparados para os erros da mídia, também poucos suportam os acertos. Unanimidade mesmo só é possível quando se constrói intimidade a ponto de as redações se transformarem em sucursais dos poderosos. O jogo de pressões é intenso em condições normais entre agentes públicos, privados e sociais e os profissionais de comunicação. Quando há desequilíbrio de forças, a primeira, a segunda e a terceira vítimas são o equilíbrio informativo.


 


Não bastasse essa medição de forças tão antiga quanto a própria mídia, ainda há as infantarias que se articulam como linhas auxiliares, principalmente dos agentes políticos. São correligionários disfarçados de cidadãos que se mobilizam em minoria sempre barulhenta e se manifestam pretensamente em nome de uma maioria que, todos sabem, pouco reage pelos legítimos anseios coletivos.


 


São esses soldados de agremiações político-partidárias travestidos de leitores, ouvintes e telespectadores independentes que acabam por seduzir os incautos. Sim, os incautos, já que informação qualificada exige pesquisa, recomenda atenção, induz à coragem de desbaratar armadilhas semânticas.


 


Manobras diversionistas


 


Particularmente no Grande ABC, tem sido desgastante a manobra deliberadamente mistificadora de alguns protagonistas do jogo de informações. O campo da institucionalidade é o mais seriamente atingido pelos ataques. Tenta-se propagar, ainda, uma concepção extraordinariamente fértil quando o que se tem, desde a criação do Consórcio de Prefeitos, há 12 anos, nada além de coito interrompido. Vira e mexe aparece algum gaiato oficial, acadêmico e mesmo empresarial que, logomarca reluzente, antepõe-se pateticamente à realidade. Atiram-se esses paspalhões nos braços da manipulação verbal. Alguns são especialistas e outros amadores no jogo de cena.


 


Só não é perda de tempo ouvi-los se às declarações enviesadas não se opuserem dados insofismáveis. Entregar-lhes de mão beijada a ancoragem do noticiário que chegará ao leitor, ao ouvinte ou ao telespectador, é muito mais que preguiça e incompetência de quem jurou fazer da informação bem de consumo saudável. Trata-se de irresponsabilidade. Pobre do jornalismo incapaz de questionar. Infeliz do jornalismo instrumentalizado por declarações mentirosas ou interesseiras.


 


Por isso que, ao mesmo tempo em que a massificação dos meios de comunicação nos obriga a formulações mais consistentes, porque há cada vez mais olhos e ouvidos atentos, também há o reverso dessa moeda: densificam-se, sobretudo com a Internet, as forças de pressão antes esparsas, distantes. Com isso, desemboca caudal instigante e preocupante, porque carrega uma força quase indomável de vícios e virtudes.


 


Ou seja: está mais e mais complicada a vida dos profissionais de comunicação. Há espertalhões sempre a postos para apanhar um mouse e destilar frustrações, recalques, interesses específicos, da mesma forma que não faltam também representantes da comunidade reconhecidamente regionalistas, íntegros, inquietos com o quadro econômico e social.


 


O jornalismo vive, portanto, momentos extremamente difíceis e desafiadores. Resistir às convencionais forças de pressão que só esquadrinham o futuro se seus objetivos forem prevalecentes já não é a única batalha. Agora, também, entram na disputa figurantes de matizes nem sempre distinguíveis, de propostas nem sempre transparentes. Eles embrutecem ainda mais o jogo de conveniências.


 


Enfrentar os primeiros é uma árdua tarefa. Com os segundos, é preciso ser muito resistente. E contar com a  porção da comunidade que nem se alia aos primeiros nem se perfila aos segundos. Felizmente, parece que a turma do bem é maior. Parece não: é maior. A diferença é que a turma do mal faz muita algazarra, enquanto a turma do bem ajeitar-se discretamente. Talvez seja necessário mudar de comportamento, porque a turma do mal é de lascar.


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