Imprensa

Você está preparado para ler o
Diário do Grande ABC tablóide?

DANIEL LIMA - 09/06/2005

Qual seria a reação dos leitores do único jornal diário da região, prestes a completar 50 anos de circulação, se, em vez de receberem edições no formato convencional, dessem de cara com um tablóide?


 


"Mamãe, encolheram o Diário", dirão os mais espirituosos.


 


"Mamãe, o Diário resolveu ficar do tamanho da economia do Grande ABC", afirmarão os sarcásticos.


 


"Mamãe, o Diário diminuiu de tamanho mas não reduziu o preço da assinatura", comentarão os mais críticos.


 


Em nenhum instante nos meus nove meses de diretor de Redação do Diário ao menos insinuei algo no sentido de reduzir o tamanho do exemplar. Muito menos fiz qualquer incursão sobre a conveniência de adotar o tamanho tablóide no Planejamento Estratégico Editorial com o qual balizei meu trabalho e da equipe que dirigi. Então, por que pergunto?


 


Porque cada vez mais a mídia impressa européia dobra-se às conveniências econômicas e mercadológicas dessa estratégia. O formato tablóide reduz despesas industriais e, em vários casos, estimula o avanço de vendas de exemplares e de receitas publicitárias. Aliás, nesse ponto, no ponto da publicidade, não faltam pressões de agências para redução proporcional de valores de 15 a 20 centímetros de área decepada.


 


Seria conveniente transplantar para os principais jornais brasileiros a iniciativa de grandes corporações européias? Exceto no Sul, onde o tablóide reúne massa crítica de respeito e credibilidade, nas demais regiões brasileiras há desconfiança dos leitores, incredulidade dos anunciantes e resistência dos donos de publicações. A tradição do jornal maior é vista como cidadela em hipótese alguma vulnerável. É uma Tróia que não se submete às artimanhas da engenharia de guerra de Ulisses.


 


Política demais


 


No Grande ABC seria diferente ou os tabloidezinhos geralmente semanários que transpiram proselitismo político-partidário teriam contaminado de vez a fertilidade editorial? Pode-se argumentar, em contraposição à gelatinosa história dos tablóides da região, que incompetência comercial, amadorismo redacional e oportunismo político são trio da pesada também de publicações em formato grande. Mas, mesmo nesse confronto, quem perde mais são os tablóides, geneticamente discriminados. Um tablóide produzido com arte e competência num ambiente restritivo demorará para ser reconhecido como tal.


 


A revista LivreMercado, durante sete anos tablóide, é uma história de jornalismo regional intensamente vivida. A publicação foi concebida, em março de 1990, com a válvula de segurança de impressão em papel offset, em vez de papel-jornal. Com isso, atomizou não no formato, mas na ossatura material, o lugar-comum dos tablóides tradicionais. Além do que, buscou o veio da informação econômica, principalmente de pequenas empresas tão relegadas pelas demais mídias num momento em que o Grande ABC vivia a febre de louvação do sindicalismo. Aos poucos LivreMercado enveredou por outras áreas e enfiou na pauta regional temários diversos, entre os quais responsabilidade social.


 


Ainda sobre LivreMercado, lembro-me que criei o slogan "Leitura o mês inteiro", com finalidade dupla: aperfeiçoar os conceitos da linha editorial, cuja cláusula pétrea de durabilidade da informação não poderia ser rompida nem mesmo por descuido; e massificar no Departamento Comercial a mensagem de que a publicação, embora em formato tablóide, embora mensal, não poderia ser confundida com as demais, cujos insumos de informação geralmente não resistiam ao dia seguinte. Aliás, como não resistem.


 


É muito provável que a direção do Diário do Grande ABC abomine a simples enunciação da possibilidade de o jornal enxugar centimetragem em largura e comprimento. O choque da mudança provavelmente balançaria o leitorado. Mas convém não engavetar a idéia que vem lá de fora, muito menos atirá-la ao lixo da impossibilidade prática. Na Suíça, segundo relata o Valor Econômico na edição de anteontem, o jornal mais popular do país, "Blick", decidiu não correr riscos além da conta: durante um mês colocou aos leitores a mesma edição nos dois formatos. O resultado da operação foi a preferência pela menor e, com isso, a maior foi desativada.


 


Fila que cresce


 


Ainda segundo aquele relato, quem está se preparando para a substituição do maior pelo menor é o "La Stampa", a quarta maior circulação da Itália e propriedade do Grupo Fiat. "Tablóide e cor parecem ser imperativos agora", disse o editor da seção internacional ao jornalista Assis Moreira, do Valor Econômico. São 20 milhões de euros para a troca de todas as impressoras. A previsão é que em janeiro de 2007 o jornal italiano estará nas ruas, com proposta de aumentar entre 15% e 20% a tiragem atual de 400 mil exemplares.


 


Até mesmo o jornalão "Corriere della Sera" dobra-se a projeto semelhante. Nada surpreendente, conta o jornalista do Valor Econômico, porque o que chama de onda que chega à Itália fez seu caminho na Grã-Bretanha, Suíça, Bulgária, Malásia, França, entre outros. Pesquisas constataram que a busca de formato menor e mais conveniente para ser folheada aumenta na medida em que a circulação cai, principalmente nos países industrializados, onde mais leitores procuram a internet e outras fontes de notícias.


 


Apesar disso, faltam dados que possam ser utilizados como abre-alas do conceito de que reduzir o formato aumenta o faturamento de empresas jornalísticas. Até mesmo a batalha contra o preconceito de que formato menor é sinônimo de sensacionalismo, de fofocas, de baixa credibilidade, cristalizado especialmente na Europa Ocidental, não está superada como muitos imaginam. Trata-se de luta árdua iniciada exatamente quando tablóides mais tradicionais enveredaram por caminhos tortuosos de transformar informação em espetacularização.


 


Tiragem maior


 


Se falta segurança para sustentar a redutibilidade dimensional dos jornais britânicos, também não escasseiam argumentos em sentido oposto. "The Independent", ainda segundo o relato do Valor Econômico, é prova disso: ao introduzir o formato menor em 2003 para reagir à degringolada da circulação, que chegou a 200 mil exemplares, comparado a 400 mil exemplares nos anos 1990, o jornal registrou aumento de 20%. O "The Times", concorrente de elite, decidiu correr atrás.


 


Tenho resistência instintiva a tablóides porque meu cotidiano é quase que integralmente feito de jornais grandes. Manuseio-os religiosamente e elevo a cada dia em pelo menos 40 páginas um arquivo de estimadas 100 mil reportagens distribuídas por 2,5 mil pastas tematizadas. Além disso, convenhamos, os tablóides que estão no mercado regional não têm o apuro editorial que prezo.


 


Para piorar a situação, competem em imagem institucional com publicações promocionais de redes de supermercados. Tornam-se, por isso, ainda mais reféns de uma cultura de terceira classe. Em um ou outro caso, raros por sinal, surgem resquícios de linha editorial mais apropriada por distanciar-se do amontoado de notas oficiais de prefeituras dos demais, num festival de releases.


 


O mais provável é que, mais dias, menos dias, a Imprensa nacional venha a seguir os passos de publicações européias. O gataborralheirismo tupiniquim se solidifica sempre com uma década de atraso em tudo que se refere ao chamado Primeiro Mundo, sejam quais forem as áreas. Menos, evidentemente, em algumas manifestações artísticas consagradamente de raízes nacionais. Como o futebol e a música, por exemplo. Lá na frente, a direção do Diário do Grande ABC que hoje provavelmente excomungaria a idéia de encurtar as páginas, poderá ceder às pressões de uma nova realidade que, certamente, atingirá primeiramente Estadão, Folha e O Globo.


 


Espero que nesse dia, o encolhimento do formato dos jornais brasileiros seja proporcionalmente correspondido por melhoria editorial. Para isso, basta entender (e gradualmente isso já se manifesta) que tecnologia da informação, telecomunicações, informatização e tantas outras expressões que experts vendem como poções mágicas, não conseguem substituir a essência do jornalismo, que é a competência individual associada à integração coletiva. E no caso específico dos jornais, que tratem de ser menos relatoriais e mais reflexivos, porque competir com a mídia eletrônica é pura perda de tempo e de dinheiro que não se resolve com tabloidinização do formato. 


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