Não é força de expressão nem convite inútil aos leitores desta newsletter: substitua a leitura empobrecida que a tela de computador proporciona, sobretudo porque ainda não inventaram nada que se pareça com papel, seja papel jornal, seja papel revista, e, antes de prosseguir, imprima o que se segue. Imprimir é pouco: arquive. Sim, trate de fazer seu arquivo pessoal entre outras razões, principalmente, para cobrar coerência de quem lhe remete informações.
O que se segue são três artigos sobre o papel da Imprensa. O primeiro texto, deste jornalista, foi programado para a edição de outubro da revista LivreMercado. Infelizmente, na escolha de Sophia que é o significado mais próximo para definir o significado de edição, preferi segurar o material porque havia questões simplesmente inadiáveis a constar das páginas. Como havia a alternativa de utilizar-me desta newsletter, eis aqui sua reprodução. Lembro apenas que escrevi o que se segue no dia 15 de setembro. Bem antes, portanto, dos dois artigos que se seguem, da edição desta semana de Carta Capital. O primeiro é de Mino Carta, diretor de Redação daquela revista paulistana. E o seguinte do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, também para Carta Capital. Boa leitura. Depois da impressão, é claro.
Diário do Grande
PT? Que exagero!
DANIEL LIMA
Diário do Grande PT -- eis o clichê que a mídia cinderelesca paulistana empresta ao único veículo impresso de informação que circula diariamente na região. Para não fugir do escravagismo cultural gataborralheiresco, concorrentes recalcitrantes locais adotam em editoriais a provocação com a sapiência dos tolos que só não são tolos porque se prestam mesmo à hipocrisia.
Engana-se quem imagina que o Diário do Grande ABC tenha a linha editorial comprometida com o PT, como insinuou a revista Veja em setembro e foi imediatamente acompanhada pelo semanário Folha do ABC.
O Diário do Grande ABC é muito menos supostamente petista do que o Estadão é explicitamente tucano e a Folha de S. Paulo um engenhoso caso de contorcionismo de independência e pluralidade. Do Diário posso falar e escrever com relativo conhecimento. Principalmente dos nove meses em que lá estive, como diretor de Redação. Foi um período que coincidiu com as eleições municipais do ano passado. Uma batalha seguida de outra contornada pela seguinte e superada pela próxima para impedir que forças políticas à direita e à esquerda tomassem a Bastilha da Redação, como é natural do jogo democrático de influenciar o chamado quarto poder.
Foram muitas e extenuantes as escaramuças para evitar, principalmente, que a Frente Andreense fizesse do jornal uma divisão acovardada de sua pobre e desarrumada artilharia de marketing, abastecida por especialistas em Justiça Eleitoral derrotados em todas as contendas. Inclusive numa arremetida truculenta de fazer imprimir como manchete de primeira página na edição de 3 de outubro, data do primeiro turno das eleições, um direito de resposta obtido em primeira instância e fragorosamente destruído após as eleições na esfera superior.
Aquela vitória deve ser creditada única e exclusivamente a este jornalista e aos companheiros de Redação e de Produção que proporcionaram uma noite inesquecível. O Diário do Grande ABC foi salvo de uma investida totalitária porque fomos seus fiéis soldados, entregues às baratas naquele sábado. Não há preço que pague aquela jornada entre outras razões porque dignidade profissional não é algo que se mensure.
O que nos moveu o tempo todo foi o sagrado direito de informar com isenção, mesmo correndo o risco de que, ao impor resistência a arbitrariedades, fôssemos mal-interpretados por mal-informados. A Frente Andreense simplesmente abominava nossa resistência contra uma legislação do período ditatorial. Nada surpreendente, entre outras razões porque alguns de seus representantes sempre tiveram o protecionismo e o apoio de uma antiga e então já afastada banda diretiva do Diário do Grande ABC.
Teria sido o Diário do Grande ABC denunciado Diário do Grande PTB em tempos passados quando sua direção de Redação privilegiava amigos que vestiam aquela camisa partidária? É claro que não. Não havia um mensalão e muito menos um caso Celso Daniel a estimular cruzados e golpes baixos.
Protecionismo
A constatação de que o Diário do Grande ABC se equivocou no passado -- e não no presente, como se quer fazer crer -- ao proteger candidatos próximos do então diretor de Redação não comporta radicalismo. Um veículo de comunicação comprometido com a região em que atua pode sim, como fazem os grandes veículos, adotar algumas candidaturas como preferenciais. Desde que -- e esse é um ponto crucial da medida -- haja cadeia de compromissos firmados para a valorização do território em que atua.
O problema do Diário do Grande ABC do passado de direção de Redação centro-conservadora é que geralmente escolhia concorrentes sem lustro técnico-intelectual para atuar em esfera pública. E que, também, não requeria como reciprocidade uma agenda consistentemente temperada de inquietação com o esvaziamento econômico e inconformismo com a depauperação social. Eram acertos entre amigos, não mais que isso.
O Fórum da Cidadania foi um acordão para fazer brotar algumas candidaturas de renovação, mas se comprovou tão envelhecido quanto os dirigentes que pretendiam apear do poder. Enquanto a região era levada pelos bons ventos de industrialização voluntária, nenhum problema. Quando veio a abertura econômica e o desaparelhamento de larga parcela do parque produtivo, o máximo que se fez foi dourar a pílula.
A tentativa de glorificar o passado editorial do Diário do Grande ABC como supra-sumo de independência e transparência e, portanto, em falso contraponto a suposto entreguismo esquerdista destes dias, como sugeriu a revista Veja, é um gesto provavelmente de desinformação histórica. Como a maioria da mídia, o Diário do Grande ABC também sofre os efeitos de pressões que longe estão de cores partidárias únicas. Tudo depende das circunstâncias, porque candidatos a qualquer cargo público e gestores municipais sempre vão procurar influenciar a mídia.
O desmonte da teoria de avermelhamento editorial do Diário do Grande ABC é obra tão simples como enfileirar caixas de fósforos sobre uma mesa irrepreensivelmente plana e, coladas umas a outras, atear fogo na primeira para observar todas ardendo em chamas. Por isso, pretender transformá-la numa equação algébrica sofisticada para dar resposta aparentemente de sapiência intelectual é brincar de roleta russa analítica.
Lobbismos
Quem se dispuser a reconstruir a trajetória político-editorial do Diário do Grande ABC verá algo semelhante ao que ocorreu na maioria dos veículos impressos regionais e mesmo da grande Imprensa: as nuances são múltiplas e em muitos casos fugiram do script imaginado pelos profissionais envolvidos em encabrestar resultados das urnas. Quanto as fontes de informação e lobbistas de plantão tomam o controle estratégico de uma redação, não há quem segure. Principalmente se houver executivos internos abrindo alas.
Acreditar que a Imprensa está a salvo das fontes de informação é sugerir que se possa encontrar virgem em bordel. Ainda recentemente o jornalista Piers Morgan, ex-editor-chefe do "The Daily Mirror", um dos maiores tablóides inglês, escreveu um livro sobre os bastidores das ligações de jornalistas e suas fontes. "The Insider: The Private Diaries of a Scandalours Decade", ou algo como "O informante: Diários Secretos de uma Década Escandalosa", escancara o jogo entre o jornal e políticos, celebridades instantâneas, jogadores de futebol e a família real. Revela detalhes de negociações para que o jornal conte ou esconda aspectos de alguma história que não interessem a determinadas fontes. E expõe também o jogo de chantagens entre repórteres e suas fontes sobre como editar um "furo" por dia, como relatou em sinopse a jornalista Célia de Gouvêa Franco, para o jornal paulistano Valor Econômico.
Pode-se falar de tudo do Diário do Grande ABC. E, nesse ponto, estou muito à vontade, porque tenho relação dualística com o veículo, já que ao mesmo tempo em que o avalio como indispensável para a mobilização da sociedade regional, considero-o tremendamente deficitário em qualidade editorial e, principalmente, em organização de pauta regionalizada que fuja do espectro de bairrismo.
Em outros tempos, de investimentos maiores e de dívidas camufladas, os textos eram relativamente superiores mas muito longe do exigido por quem tem ambições intelectuais. Seus formuladores teóricos preferiam desferir golpes rocambolescos contra eventuais agressões ao vernáculo a orientar os profissionais a entender de Economia para, pelo menos, evitar vexames como o da negação teimosa e interesseira da desindustrialização que se abateu sobre a região.
Pode-se falar de tudo sobre o Diário do Grande ABC, como escrevi -- menos que seja petista, petebista, tucano, peemedebista ou qualquer outra coisa. Falta ao Diário do Grande ABC sinergia estratégica para definir bases ideológicas, sociais e empresariais que corresponderiam aos compromissos com a região.
Oportunistas
Durante os nove meses em que comandei a direção de Redação do Diário do Grande ABC mantive a publicação a salvo de ataques oportunistas de opositores tão detratores como despreparados para conduzir os destinos de determinados municípios da região. Da mesma forma, procurei transmitir aos editores e repórteres a importância de se precaverem de lobbistas profissionais que representam o outro modo de fazer política partidária nesse País -- da aproximação suave, generosa, interesseira.
Esse é o ponto e o contraponto do cotidiano de uma publicação que tem o compromisso de estar todas as manhãs nas bancas de jornais e na soleira da porta dos assinantes. Não há quem não deseje, portanto, pegar carona.
Diferentemente de LivreMercado, que reúne gama de propostas para o Grande ABC e sobre os quais condiciona sim a cobertura de fatos que envolvam agentes políticos, sociais e econômicos, a maioria dos veículos impressos diários -- e não apenas o Diário -- se deixa levar pelo improviso de pautas ao sabor de circunstâncias, quando não por interesses pessoais de seus dirigentes.
Não é pecado algum -- insistimos na explicação -- veículo de comunicação vestir as cores de determinado partido político, como fez, por exemplo, a revista Carta Capital, de Mino Carta, que apoiou Lula da Silva nas últimas eleições presidenciais. Muito pelo contrário: é preferível jogar o jogo às claras, sem subterfúgios, do que esconder-se sob o manto de suposta imparcialidade que, convenhamos, esgarça-se diante de avaliações de leitores minimamente atentos.
O erro do Diário do Grande ABC ao se ver atingido pela nota de Veja -- uma publicação vinculada a uma editora que faz ostensivos reparos ao governo Lula da Silva -- foi simplesmente omitir-se em suas páginas, como se aquela publicação não contasse com alguns milhares de leitores na região. Aliás, a arrogância de considerar-se mídia única do Grande ABC e, portanto, inexpugnável, como ficou extratificado em recente campanha publicitária veiculada nas próprias páginas do jornal, atropela o senso de razoabilidade interpretativa do jornal da Rua Catequese. No campo econômico, por exemplo, o Diário não consegue historicamente sequer ser aprendiz de LivreMercado.
Quando não se oferece resposta substanciosa a especulações, passa-se a impressão de que os leitores são um bando de desatentos que, de forma alguma, redefinirão pessoalmente a imagem do veículo. Além disso, também a corporação da Redação, colocada sob suspeição pela nota da revista, simplesmente se calou, porque a nota de resposta na própria Veja foi tão escassa quanto dispersa. Até prova em contrário, a realidade da Redação do Diário do Grande ABC que deixei há cinco meses não sofreu, pelo menos sob o ponto de vista de pluralidade partidária, qualquer arranhão. Quanto à cobertura jornalística em si, a história é outra.
Faltou resposta
O Diário do Grande ABC poderia ter respondido à nota de Veja com os resultados obtidos na última pesquisa com leitores em geral e assinantes em particular. No mesmo domingo em que a Veja enviesava a linha editorial do Diário do Grande ABC, a Folha de S. Paulo sentenciava na coluna do ombudsman Marcelo Beraba que a maioria de seus leitores avaliava a cobertura do caso mensalão uma perseguição editorial ao PT, tanto pelo tom como pelo espaço de distribuição das informações e análises.
Se uma pesquisa sobre a linha editorial de Veja for igualmente exposta, provavelmente os dados serão extraordinariamente antipetistas. Nem por uma coisa nem por outra, tanto a Folha quanto a Veja devem necessariamente mudar de rumo, porque o significado abrangente dos fatos para a linha editorial deve ser coerentemente sustentado. Afinal, nada é pior do que a sensação de perda do prumo.
O Diário do Grande ABC, ao contrário do que insinuou a Veja e afirmou seus ramais gataborralheirescos, não é petista. Nem tucano. Nem qualquer outro partido. É um jornal tão incrivelmente mercurial no varejo político quanto escasso no atacado dos pressupostos de construção de uma regionalidade ainda bastante reticente.
Esse diagnóstico, ao contrário do que alguns tentarão negar, não é recente. Nem mesmo quando desafiava o acúmulo de dívidas com fluviais contratações de recursos humanos e, para substituir a falta de embocadura estratégico-editorial, enfiou goela adentro dos leitores um projeto de triunfalismo exacerbado. Aliás, nada diferente da mídia impressa nacional, igualmente em dificuldades financeiras e econômicas e facilitária de pautas cor-de-rosa num País em evidente estado de penúria, como provam os indicadores socioeconômicos históricos.
Resumo da ópera: querem personalizar ao Diário do Grande ABC um partidarismo que, de fato, está comprovadamente mais colado a outros veículos de comunicação. Diria que é impossível, dadas as características político-regional, uma publicação regional bandear-se de corpo e alma em direção a qualquer agremiação partidária. Por isso que o pressuposto é de definição de uma pauta de potencialização e fortalecimento da regionalidade em vários vetores. Exatamente o que tem feito LivreMercado há 15 anos na área econômica, carro-chefe do desenvolvimento sustentado.
E seria este o jornalismo?
MINO CARTA
Volta e meia, há quem recorde que CartaCapital apoiou a candidatura de Lula à Presidência da República em 2002, qual tivesse sido traição à prática do jornalismo, quando não pecado a ser punido com o inferno. Os torquemadas de plantão esquecem que a mídia nativa, praticamente em peso, apoiou Collor em 1989 e Fernando Henrique em 1994 e 98. E José Serra, enquanto o confronto de três anos atrás pareceu equilibrado.
A diferença talvez esteja na escolha, insólita, de um candidato da oposição, e tanto mais de origem pobre, nada além de metalúrgico. E quem sabe também resida em diversas expectativas em relação ao futuro do País, de um lado os partidários ferozes do status quo, do bem-bom para poucos, e, do outro, a Armata Brancaleone dos sonhadores da igualdade.
Nada de espantos. A mídia verde-amarela serve ao poder desde sempre porque é rosto do próprio. A constante, enfadonha defesa da liberdade de imprensa é tão hipócrita quanto a não menos tediosa profissão de fé na isenção e no pluralismo pontualmente pronunciada em candentes editoriais. Grandes órgãos de imprensa da Europa e da América do Norte, independentes no sentido de não partidários, definem sua preferência na hora dos embates eleitorais, e nem por isso negam sua vocação. Partidária em várias ocasiões, provou ser, e prova hoje, a mídia brasileira. Ela é do partido do poder, da minoria afluente e influente.
Se cabe surpresa, diz respeito aos profissionais. Ou não cabe, desde que os jornalistas chamam seus patrões de colegas? Não me canso de repetir: o Brasil é o único lugar que conheço onde empresários midiáticos têm a mesma filiação sindical dos seus empregados. Os quais, no entanto, jamais poderiam aspirar à carteirinha das associações da indústria e do comércio. Às vezes me assalta uma pergunta carregada de dúvidas: como pode um profissional honrado assumir certas posições do patrão que se valem da omissão e, até, da mentira? Eis aí a verdadeira traição à prática do jornalismo, cometida impavidamente nestes dias de crise.
Fico pasmo ao verificar que tantos companheiros de outras jornadas esquecem os ideais e os compromissos do passado e aderem à manipulação da opinião pública, e não hesitam em desconhecer, ou cancelar, a simples verdade factual. Posturas políticas e ideológicas podem ser criticadas, mas cada um tem direito às suas. Falo aqui é de quem manda às favas a responsabilidade da profissão. Colho um exemplo, pequeno talvez, mas nítido, e representativo, na edição de sexta, 23 de setembro, de O Estado de S. Paulo. Página A8, título no alto da página: "CPI dos Correios desqualifica dossiê contra tucanos."
A questão toca esta redação, pois o assunto foi capa da edição passada. CartaCapital teve o cuidado, ao publicar documentos que provariam tramóia dos tempos da Presidência de FHC, de não acusar ninguém. Certo é, contudo, que o dossiê não chegou à CPI. A qual, portanto, não teria condições de desqualificá-lo. É possível que o Estadão se antecipe em defesa do seu partido preferido, perfeito herdeiro do udenismo paulista velho de guerra, de quem foi porta-voz em épocas idas. Mas que dizer do autor do título, e daquele que o aprovou, colegas autênticos, creio eu?
P.S.: E que dizer dos colegas que, nas mais distintas publicações, candidatam Daniel Dantas à beatificação? E que dizer de quem apresenta Naji Nahas como empresário-modelo?
Mídia e democracia
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
Em 1947, a Comissão sobre a Liberdade de Imprensa, nomeada pelo Congresso dos Estados Unidos, advertia em seu relatório final: existe uma razão inversamente proporcional entre a vasta influência da imprensa na atualidade e o tamanho do grupo que pode utilizá-la para expressar suas opiniões. Enquanto a importância da imprensa para o povo aumentou enormemente com o seu desenvolvimento como meio de comunicação de massa, "diminuiu em grande escala a proporção de pessoas que podem expressar suas opiniões e idéias através da imprensa".
O relatório procurou apontar "o que a sociedade tem de exigir e sua imprensa". Definiu duas regras essenciais para o legítimo exercício da liberdade de informação e de opinião: 1. "Todos os pontos de vista importantes e todos os interesses da sociedade devem estar representados nos organismos de comunicação de massa". 2. "É necessário que a imprensa dê uma idéia dos grupos que constituem a sociedade. Dizer a verdade a respeito de qualquer grupo social -- sem excluir suas debilidades e vícios -- inclui também reconhecer os seus valores, suas aspirações, seu caráter humano".
As recomendações exaradas no relatório da Comissão sobre a Liberdade de Imprensa refletem o espírito do tempo nos Estados Unidos e na Europa Ocidental: a aposta no aperfeiçoamento dos processos de controle democrático do Estado e do poder privado. O trauma das duas guerras mundiais e da Grande Depressão saturou o ambiente intelectual dos 40 anos do século XX da rejeição ao mercado descontrolado e ao totalitarismo.
O sociólogo Karl Mannhein, um pensador representativo de sua época, escreveu, em 1950, no livro Liberdade, Poder e Planejamento Democrático: "Não devemos restringir o nosso conceito de poder ao poder político. Trataremos do poder econômico e administrativo, assim como do poder de persuasão que se manifesta através da religião, da educação e dos meios de comunicação de massa, tais como a imprensa, o cinema e a radiodifusão". Para Mannhein, deve-se temer menos os governos, que podemos controlar e substituir, e muito mais os poderes privados que exercem sua influência no "interior" das sociedades capitalistas.
Na aurora do século XXI, as forças democráticas sobreviventes, os que ainda conseguem respirar no "admirável mundo novo" construído pelo capitalismo da era Bush, mal conseguem defender o que restou dos direitos sociais e econômicos obtidos pelos subalternos no imediato pós-guerra. O leitor atilado há de se julgar se a liberdade de opinião e de informação vem se ampliando e favorecendo o esclarecimento dos cidadãos ou se transformando em seu contrário, num exercício do poder monopolista que viola os direitos reconhecidos como essenciais no relatório da Comissão sobre a Liberdade de Imprensa.
O filósofo Paulo Virilio chegou a uma conclusão drástica: a mídia contemporânea é o único poder que tem a prerrogativa de editar suas próprias leis, ao mesmo tempo que sustenta a pretensão de não se submeter a nenhuma outra. A justificativa para tal procedimento trafega entre o cinismo e a treva: uma vez afetada a liberdade de imprensa, todas as liberdades estarão em perigo.
Cinismo, diz ele, porque essa reivindicação agressiva trata de negar o óbvio: os meios de divulgação e de formação de opinião vêm se concentrando, de forma brutal, no mundo inteiro, nas mãos de grandes empresas capitalistas. O objetivo natural e legítimo do ganho monetário está, mais do que em qualquer outra atividade, acumpliciado de forma inexorável ao desejo de ampliar a influência e o poder sobre a sociedade, a administração pública e a política.
É neste sentido muito especial que deve ser reinterpretada a pretensão à superioridade da liberdade de opinião e de informação. Ela exprime hoje a generalização do controle social e político exercido pelos grandes produtores de informação e de opinião sobre os direitos dos cidadãos. Exercem os seus privilégios com eficiência crescente, numa sociedade encantada pela "inversão" de significados e pelo ilusionismo da liberdade de escolha do indivíduo-consumidor. A censura da opinião e até do silêncio alheios e a intimidação sistemática devem "aparecer" aos olhos do público consumidor como legítimo exercício dos direitos de opinar, de informar e de defender a comunidade.
Mas não é sábio exagerar no pessimismo: nos próximos anos, a luta política é que vai decidir se as tecnologias de comunicação da terceira Revolução Industrial vão nos conduzir ao totalitarismo consentido, à moda de George Orwell, ou ao aperfeiçoamento democrático, à ágora informatizada, processos decisórios de democracia direta capazes de corrigir as distorções dos regimes representativos de hoje, infestados pelo poder da grana e pelos vícios do privatismo.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)