Insisto em alertar os entusiastas de plantão, muitos dos quais com expectativas mais que justas em acreditar em novos tempos do Grande ABC tão bombardeado nos anos 1990: o trecho sul do Rodoanel, que vai servir aos municípios do Grande ABC, não é lá uma Brastemp.
Traduzindo: o Rodoanel, que deverá ser inaugurado no primeiro trimestre de 2010, transporta carga preocupante de nova onda de desindustrialização.
Primeiro, porque contará com apenas três acessos, um na Capitão João, em Mauá, outro na Via Anchieta e o terceiro na Imigrantes, em São Bernardo.
Segundo, porque as obras do Rodoanel coincidem com a valorização do metro quadrado nas regiões metropolitanas, por conta do boom imobiliário regado a crédito farto e financiamento a perder de vista. Há uma caça a terrenos desocupados, subocupados e também ocupados por parte de construtoras ávidas por estoque.
A questão de acessibilidade é crucial para o casamento entre as vantagens viárias que o trecho sul do Rodoanel apresentará e a repotencialização do Grande ABC como endereço econômico. A corrida ao pote de áreas próximas dos trevos de acesso do Rodoanel virou um inferno.
De fato, quem por ali se estabelecer conseguirá dar um nó górdio na massacrante estrutura logística interna da região.
A estrutura logística interna da região é formada pelo conjunto de ruas e avenidas que deságuam nos macroeixos viários (Avenida dos Estados, Anchieta e Imigrantes).
São vasos comunicantes, como qualquer sistema viário.
É aí que mora o perigo porque a realidade espacial de mobilidade de veículos desses subeixos é antieconômica por conta de completo descaso dos governos locais ao longo de décadas, situação agravada com o boom automotivo.
Contamos com um organismo cujas artérias estão praticamente entupidas e, como se isso não fosse relevante, estão nos acenando com a consagração de uma maratona chamada Rodoanel sem se darem conta de que para chegar lá é preciso muita preparação e recuperação.
Com conhecimento de causa de engenheiro que por muitos anos atuou no setor público, Edgard Brandão Filho, atual assessor especial da presidência da Infraero, revelou os detalhes desse gargalo logístico na entrevista de páginas amarelas de LivreMercado de fevereiro.
O descuido generalizado foi uma construção duradoura e que passou praticamente em branco pelo senso crítico geral.
Por isso, seria demais acreditar que quando o Rodoanel chegar, e está chegando depois de atraso irritante no cronograma em praticamente uma década, os caminhos que levarão a apenas três pontos de intersecção sejam algo como abre-te-sésamo para a felicidade geral dos empreendedores da região.
Sem exagerar na dose de desconfiança, ou melhor, de incredulidade sobre a conciliação entre uma obra iminente e um aparato logístico local desatualizado, diria que sofremos um impacto muito forte quando se observarem os efeitos benéficos e maléficos no Grande ABC como um todo.
Se for observado apenas o potencial de parte das áreas de Santo André, Mauá, Ribeirão Pires e Diadema que têm tudo para se locupletar com a chegada do trecho sul do Rodoanel, o Grande ABC será a oitava maravilha do mundo logístico. As empresas ficarão tanto na cara do gol do Porto de Santos como no quintal do extremo oposto da Grande São Paulo, onde aparecem os principais eixos rodoviários que se comunicam com o Brasil afora. Estaria, portanto, na condição de mandante de um jogo decisivo em que o árbitro pertence à própria torcida organizada.
O problema, entretanto, é o restante do Grande ABC.
Restante não é o termo adequado, porque é a maior parte do território do Grande ABC que terá de se virar com os nós logísticos internos, que vão separar os macroeixos das pistas do Rodoanel.
Vivemos há muito tempo uma trombose diária porque dependemos da complexidade, da morosidade e da estupidez do sistema viário da Capital para chegar a outros destinos do Estado. Vamos cortar caminho pelo Rodoanel, mas até chegar ao Rodoanel os caminhos locais deverão ser sofrivelmente os mesmos.
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12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES