Imprensa

Como escapar do jornalismo
emburrecedor e embrutecedor

DANIEL LIMA - 04/09/2006

Na apresentação do livro "Na Cova dos Leões", coletânea de artigos que escrevi na coluna "Contexto", entre junho de 2004 e abril de 2005, afirmo que o jornalismo diário das redações de produtos impressos, eletrônicos e virtuais emburrece e embrutece. Em realidade, o "emburrece" é de minha patente. O "embrutece", notavelmente adequado, é do amigo e jornalista Mauricio Milani.


 


O livro "Meias Verdades", que lancei em 2003, exatamente no dia 1º de abril, é breve mostra do quanto se produz mal e porcamente nas redações assediadas pelo tempo. Salvo os colunistas, geralmente a salvo do massacre do fechamento imposto por modernos sistemas de industrialização que, em vez de facilitar, só complicaram a vida de quem corre contra o tempo, os demais protagonistas ou figurantes de informações diárias vivem escandalosamente mal na relação, ensanduichados por vários interesses, inclusive do leitorado mais engajado.


 


"Na Cova dos Leões" apresenta textos por mim escritos exatamente num período em que retornei depois de 17 anos ao jornalismo diário, experiência que, sinceramente, espero que Deus me conceda a alegria de não mais precisar repetir. É humanamente impossível resistir por muito tempo a tantos leões que atacam sistematicamente a integridade e a seriedade da informação, sobre a qual se lançam com garras e apetite que não respeitam limites éticos e morais.


 


Só a malfadada Frente Andreense do Atraso nos espicaçou naquele período eleitoral com marotos 32 pedidos de "direito de resposta". Perdeu todos. Sem contar que impediu a todo custo a publicação das pesquisas sempre sérias da Brasmarket.  


 


Uma nova cultura


 


Mas não é sobre isso que pretendo escrever. O que quero transmitir mesmo é a cultura que adquiri em 16 anos de revista LivreMercado, descontaminado dos maus eflúvios do jornalismo impresso diário de quase duas décadas anteriores.


 


Fazer revista me ensinou a pensar jornalismo de forma diferente. Os jornais têm ótimas pautas no acelerado ritmo em que são produzidos, mas pecam pela escassez de esclarecimentos, pelo raquitismo de detalhamento, pela fragilidade de argumentação. Mal se dão conta os jornalistas que ralam e rolam no jornalismo diário que eles são peões descartáveis da engrenagem econômica e social. Muitas e muitas vezes o que está por trás da notícia que imaginam virginal em interesses se converte em passaporte de bordéis de manipulações.


 


Faço jornalismo regional com os olhos, a mente e o coração na macroeconomia, na macrocultura, na macrossociedade. Isso tudo requer esforço redobrado. Diferentemente portanto de quem pratica jornalismo diário nos veículos ditos de grande porte e que simplesmente desconhecem quesitos comezinhos de onde vivem.


 


Questões metropolitanas, por exemplo, são ignoradas pela mídia porque também o são pelos supostos formadores de opinião, manjadíssimos na arte de dominar a pauta jornalística. Por isso que, quando emerge uma crise do tamanho de um PCC, a mídia fica boquiaberta, como se descobrisse um grande lance. O que se passa na comunidade que não frequenta as páginas de jornais, centro difusor de notícias virtuais e eletrônicas, é o mais amplo mundo de desconhecimento dos jornalistas. Poderia dar dezenas e dezenas de exemplos além do PCC. 


 


Bunda na cadeira


 


O jornalismo diário feito com a bunda na cadeira de redações climatizadas é o pior exemplo de interlocução com a sociedade. Ou melhor: é um dos piores exemplos, porque pior do que o comodismo de jornalistas enclausurados é o pretenso faro fino de jornalistas que frequentam corredores do poder e, cúmulo da incompetência, não enxergam sequer a verdade de que o mensalão está longe de ser criação desnudada por Roberto Jefferson e prática erroneamente inédita do Partido dos Trabalhadores. A origem dessa rotina parlamentar transformada em escândalo provavelmente se rivalize com as travessuras de Maria Madalena. E a participação do PT é remota também.


 


Junte-se a isso a formação educacional básica deficiente que se perpetua nos bancos universitários, industrializadores de analfabetos funcionais, e tem-se de sobra insumos de meias verdades. Ou melhor: junte-se a isso o individualismo profissional na luta por ocupar espaços a todo custo, com rivalidades escamoteadas ou acumpliciadas, e temos o que temos na praça.


 


Sempre que algum caso que exige reflexão e conhecimento sistêmico salta às manchetes é mais que certo que haverá derrapagens informativas. É impressionante o despreparo da maioria dos repórteres. Eles transmitem a impressão, quase certeza, de que simplesmente não lêem. Vivem de pautas sofridamente repassadas por chefias igualmente superficiais. É claro que não estou generalizando, mas a maioria exibe essa tipologia porque, entre outros motivos, boa parte do empresariado da mídia não tem na qualificação profissional dos colaboradores indicador de eficiência corporativa. 


 


Junte-se a isso a associação do boom participativo e seletivo de leitores nem sempre preparados e geralmente reprodutores de interesses localizados com a demagogia de chefias de redação que se vangloriam de abrir espaços para quem quer que seja e, finalmente, temos um quadro completo: os jornais abrem mão de pautas construtivistas porque não têm acervo de conhecimentos para repactuar o lugar-comum em que estão envolvidos, enquanto leitores vorazes em estrelismo, entrincheiram-se em defesa de pontos geralmente eivados de interesses individuais, quando não político-partidários. Substitui-se a competência pela falsidade democrática.


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