Algumas poucas e breves considerações sobre concorrência no campo jornalístico, especificamente na região, onde se propala a chegada de novo veículo impresso para disputar o mercado com o Diário do Grande ABC:
Quem tem o domínio há muitos anos e, por motivos os mais diversos, se acomodou com isso, certo de que nada se altera, nada se muda, nada se transforma, esteja preparado porque tudo se altera, tudo se muda, tudo se transforma.
Quem tem o domínio de muitos anos e acredita que tudo se altera, tudo se muda e tudo se transforma, esteja convicto de que o fluir dos acontecimentos vai depender tanto de quem está há mais tempo como também de quem está chegando. O futuro é que vai dizer se o concorrente ajudou a trazer enriquecimento editorial e comercial ao mercado ou contribuiu para tornar o quadro ainda mais nebuloso, reticente, impiedosamente relapso com os grandes temários locais.
É inevitável num primeiro instante uma remexida salarial no mercado de trabalho quando se substitui o monopólio informativo diário por um combate pelos supostamente bons profissionais da praça. Os planos de rentabilidade de quem está estabelecido há mais tempo provavelmente serão subvertidos porque, de alguma forma, se a concorrência for de fato forte, haverá sobrecarga de custos principalmente na área de recursos humanos. Ninguém ganha mais com a concorrência do que os consumidores de informação, mas também a mão-de-obra envolvida tende a ser mais valorizada num primeiro estágio da contenda, embora deva se preparar também para o ônus do desgaste de um cotidiano amalucado em que se disputará palmo a palmo as informações supostamente mais importantes da geografia regional. O território paulistano é exemplo disso. Tanto que a massa dos jornalistas trabalha cada vez mais e ganha cada vez menos, entre outras razões porque se atiram na arena da produção recém-formados geralmente pouco preparados e se despreza o valor da informação qualificada como diferencial de produto.
É muito provável que na hierarquia de valores que passarão a permear a disputa pelo mercado diário de informação impressa os recursos humanos sejam muito mais requisitados à preparação técnica para estabelecer referenciais que diferenciem um produto de outro. Especialmente os recursos humanos de redação, porque ninguém compra jornal por causa dos donos do jornal, embora essa verdade seja um chute na canela dos donos de jornais que se arvoram detentores de conhecimentos a ponto de manietarem jornalistas carreiristas. Os principais ativos para o conjunto de leitores, gostem ou não os donos de jornais, são os jornalistas. O monopólio de informação impressa diária num determinado território tende a desvirtuar essa lógica de consumo de informação. A concorrência tende a exacerbar a competição e a tornar irreversível a valorização dos profissionais de redação também no aspecto institucional. Os leitores da Folha de S. Paulo querem saber quem é o diretor financeiro, ou está mesmo de olho nos colunistas, nos repórteres, nos articulistas? É isso que os donos de jornais e seus apaniguados de outras áreas não suportam. E fazem de tudo para ocupar espaços que lhes são mais que problemáticos, porque absolutamente inapropriados.
Quem chega num espaço já tradicionalmente sob o monopólio do jornalismo diário provavelmente encontrará muitas barreiras para superar as dificuldades. Principalmente num mercado comprovadamente constrangido pelo esvaziamento econômico. Planos megalomaníacos podem dar com os burros nágua se a rentabilidade do investimento for de fato um dos pontos nevrálgicos da operação. O Grande ABC não parece território apropriado para incursões exageradamente otimistas no jornalismo diário comprometido de fato com o futuro negocial, embora também esteja longe de ser um cemitério.
Quem está no mercado há mais tempo e faz da tradição da logomarca principal arma de combate provavelmente descobrirá que fissuras de fidelidade dos leitores acabarão aparecendo e podem comprometer a estabilidade do produto se medidas preventivas e curativas não forem tomadas. Subestimar o adversário, principalmente quando não se conhece o adversário, é a pior das atitudes. A historiografia empresarial está repleta de cases de sucesso de novatos.
Quem está chegando ao mercado e acredita piamente que o adversário a ser vencido estaria esclerosado em suas diversas divisões provavelmente vai se dar conta logo logo de que existe uma força estranha que se chama inércia, capaz de garantir energia por tempo indeterminado, mesmo que com evidentes sinais de fadiga de material. A inércia está para o empreendedorismo sustentado principalmente pela tradição como a experiência para um artilheiro em final de carreira mas suficientemente astuto para balançar as redes.
Para quem está em outra raia do jornalismo regional, à frente de uma publicação já consolidada que, mais que notícia, prevalecentemente faz reflexão, essa disputa se apresenta como espetáculo interessante e eventualmente desafiador. Convém, por isso mesmo, esperar pelo apito inicial e pela movimentação dos dois contendores. Que sejam felizes e, principalmente, que não esqueçam o segredo da dieta que poderá dar longevidade à disputa: regionalidade da informação. Já se foi o tempo burro em que se produzia a manchete do dia com base na manchete do Jornal Nacional. Regionalidade com olhos postos na metropolização alimentada pela nacionalização contaminada pela globalização, eis o refrão fácil de decorar mas difícil de executar quando não se tem o principal: gente competente para a gestão dos acontecimentos pretéritos, atuais e -- mesmo que soe abusivamente pretensioso -- futuros. Prospectar o futuro não é brincar de Deus -- é exercer na plenitude a prerrogativa do todo-poderoso de compromisso com as próximas gerações.
Total de 1884 matérias | Página 1
13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)