Imprensa

Pobres jornais brasileiros
que topam tudo por dinheiro

DANIEL LIMA - 03/03/2006

Provavelmente seja insuspeito para escrever sobre jornais brasileiros. Devoro alguns dos principais diariamente. Coleciono-os. Vários serviram de plataforma à produção do livro "Meias Verdades", compêndio sobre barbeiragens que veículos de comunicação impressos criaram ou reproduziram de fontes de informação. O jornalismo brasileiro está em franco processo de desqualificação como ferramenta de conhecimento. Mal e porcamente vive de informações. Mesmo assim, em larga escala, interesseiro, manipulado, maniqueísta. Não é por outra razão que depois de desabar em médias de tiragem nos últimos anos, vem-se recuperando com números pífios. O jornal de maior tiragem do País mal passa de 300 mil exemplares. É a confirmação do fracasso num mercado de 180 milhões de habitantes, dos quais uma classe média de 70 milhões de heróis da resistência.


 


É um paradoxo condenar a qualidade dos jornais brasileiros e debruçar-me sobre exemplares cotidianamente. A explicação é que não posso abdicar de estar minimamente informado. Como os jornais que recebo diariamente em casa são velhos conhecidos em virtudes e defeitos, em suposta independência editorial e em flagrantes compromissos com grupos políticos e econômicos, formo opinião exatamente após balanço crítico do que consumi. Aliás, durante a própria leitura separo alhos de bugalhos.


 


Há evidentes esforços aqui e ali à melhoria do conteúdo, de repaginação gráfica, de tentativas estudadamente claras de seduzir os leitores, mas os jornais perdem a competição para as mídias eletrônicas também porque falta disposição ao enriquecimento cultural à média dos brasileiros, iletrada em larga escala, preguiçosa intelectualmente em proporção avassaladora e enfeitiçada pelas facilidades com que principalmente as emissoras de televisão a alimenta de notícias. Com todo o respeito que me merecem as demais formas de comunicação, nada supera a leitura impressa.


 


Onde mora o pecado


 


É nesse ponto que os jornais pecam porque em vez de buscarem modelo de competição entre aqueles que apreciam o conhecimento impresso, fomentador de reflexões, estimulador de idéias, detonador de mobilização, preferiram preguiçosamente copiar a mídia eletrônica. Vivem de notinhas informativas e de notícias assépticas que, principalmente a Internet, já tratou de disseminar. São repetecos impressos da estrutura editorial gratuita a um clicar do mouse.


 


Nem se pode argumentar que Internet é uma coisa e jornais outra, porque se destinam basicamente à classe média que tem acesso tanto a um quanto a outro. Estão disputando conceitualmente o mesmo público. Nessa sobreposição, alguém vai sobrar. E é claro que serão os jornais escassos na interpretação com capacitação.


 


Vou ser pragmático e dar exemplo didático sobre a disputa insana de jornais e seus próprios sites, quando não sites independentes. Ainda outro dia a Internet e as emissoras de rádio e televisão deram destaque à nova pesquisa CNT/Sensus à presidência da República. Explorou-se tudo durante o dia e a noite anteriores à distribuição dos jornais.


 


O que se poderia esperar de jornalismo impresso rigorosamente antenado com a importância de diferenciar-se como ferramenta de consulta obrigatória? Que oferecesse no dia seguinte noticiário interpretado, suitando os dados que a mídia eletrônica exaustivamente divulgou no dia anterior. Quem recorrer aos arquivos vai observar que os jornais, burocraticamente dirigidos por gente que não tira a bunda da redação, simplesmente juntaram-se ao congestionado campo de informações superficiais já fartamente metabolizadas pela mídia eletrônica de massa e pelos sites gratuitos. A maioria dos jornais recorreu à manchete principal de primeira página sem acrescentar nada ao que as alternativas eletrônicas de comunicação jorraram aos leitores, ouvintes e telespectadores.


 


É claro que para mudar a trajetória de evidente debacle mercadológica ingenuamente disfarçada por pesquisas de opinião que, como os biquínis, escondem o principal, isto é, o percentual de brasileiros que não lêem jornais, os dirigentes das publicações precisam primeiro entender de jornalismo, segundo entender de jornalismo e terceiro entender de jornalismo.


 


A maioria entende de jornalismo de forma diferente do necessário e exerce pressões para impor aos jornalistas de fato, muitos dos quais carreiristas por natureza, conceitos em desacordo com princípios de informação. Mal imaginam os donos de jornais que o acumulado de intervenções reflete nos números de tiragem, porque o extrato dessa situação é o controle editorial não pelos jornalistas ou pelos acionistas, mas pelas fontes externas que adoram brincar de gato e rato com a indústria da mídia impressa, a maioria sob rigores de desajustes orçamentários.


 


Jornalistas, a base


 


Uma completa radiografia dos problemas que afligem a mídia impressa exigiria tempo, disposição e remuneração adequada. Os 90 mil caracteres que enfeixaram o Planejamento Estratégico Editorial que apliquei durante apenas nove meses no Diário do Grande ABC, de um prazo mínimo inicial de 60 meses, é uma vereda para compreender a situação da maioria dos jornais brasileiros. O que posso garantir é que sem jornalista competente, bem informado, bem treinado, dedicado, não se faz bom produto.


 


Qualquer iniciativa de marketing só vai escamotear os problemas. Reformas gráficas mesmo que competentemente geridas como a que o Estadão promoveu recentemente podem alimentar a ilusão de que se encontrou a estrada de Damasco, mas quando o efeito da mudança se desfaz, quando o impacto da novidade se dissolve a cada edição até virar rotina, o leitor descobrirá que foi ludibriado.


 


Não é o caso do Estadão que, mesmo com vieses doutrinários, sabujices analíticas e distorções informativas, apresentou sensível evolução editorial em combinação com inovações gráficas. Nem assim, entretanto, conseguiu substantivo avanço na tiragem média registrada no ano passado.


 


Fazer jornalismo impresso de primeira qualidade não é garantia de que haverá recompensa dos consumidores de informação, porque o País de maioria macunaímica ajuda a desestimular melhorias contínuas. Entretanto, fazer jornalismo impresso de primeira qualidade é condição inalienável de cumprimento da função social que a atividade representa. Goste ou não parte do empresariado do setor que topa tudo por dinheiro. 


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