Imprensa

Diário dá manchete de pesquisa
mas despreza principal resultado

DANIEL LIMA - 15/09/2014

O Diário do Grande ABC de ontem, domingo, publicou manchetíssima burocrática de primeira página sobre o resultado da pesquisa que o DGABC Pesquisas realizou nos sete municípios da região. Poderia ter sido mais contundente. E também mais prospectivo. Para não dizer mais interessante. Deveria ter substituído “Marina vence Dilma nas 7 cidades; no ABC, Alckmin leva no 1º turno”, por algo mais ou menos assim: “Região é muito mais oposicionista ao PT que o Brasil, revela pesquisa”. Resumo da história: o Diário do Grande ABC agiu de acordo com o “comosomos” da região – com absoluto provincianismo.


 


Para produzir um texto que justificasse a manchetíssima com valor agregado o jornal deveria abrir alas a duas mais recentes pesquisas de abrangência nacional divulgadas durante a semana pela mídia: a do Datafolha e a do Ibope, encomendada pela Confederação Nacional da Indústria. As três sondagens foram realizadas em datas próximas, daí a validade da proposta de sistematização interpretativa dos resultados. A Província do Grande ABC, por mais Província que seja, não está descolada do País. Faz parte do País. Comparar a tendência de voto presidencial, que é um voto mais substancioso, ajuda a entender o que somos e pensamos na Província.


 


O Diário do Grande ABC ficou com receio da comparação por conta do que o futuro próximo haverá de confirmar ou desmentir os números que anunciou, ou preferiu mesmo dar de avestruz ao ignorar que a sociedade consumidora de informação já não tem pátria de fidelidade a um determinado veículo? O mundo mudou, as tecnologias de comunicação facilitam a aproximação entre leitores de papel e digitais e as mais diferentes fontes de informação. Daí as avaliações eleitorais não deverem mais configurar guetos territoriais. Acrescentar num texto denso os resultados do Ibope e do Datafolha seria ótimo para o instituto de pesquisas do Diário do Grande ABC, sobre o qual abundam dúvidas.


 


Oposicionismo relevante


 


Por que a manchetíssima que retrataria uma Província do Grande ABC mais ostensivamente contrária ao governo federal da petista Dilma Rousseff deveria se sobrepor a uma manchetíssima que destaca a vitória de Marina nas sete cidades? Ora, bolas, porque aqui é o berço petista, daqui saiu um presidente da República que ganhou duas eleições seguidas, depois de perder três sequencialmente, daqui se expandiu para o País um modelo de sindicalismo que se exacerbou num canto e se aquietou em outros.


 


Por que a população da Província do Grande ABC está-se voltando contra o PT, depois de três vitórias seguidas da disputa presidencial quando se contabilizam todos os votos do eleitorado regional? São tantas as emoções e as respostas que, fosse o Diário do Grande ABC um centro difusor e catalizador de debates, não simples distribuidor de informação rasante, teríamos pauta para a semana inteira. Mais que pautas, matérias substanciosas por tempo indeterminado. Desde que contássemos com boas cabeças para decifrar os pontos sugeridos, é claro.


 


Não tenho confiança no DGABC Pesquisas. As razões são fartamente consolidadas. Acho o trabalho no mínimo uma grande incógnita, ao sonegar mais uma vez não só o titular da tal empresa que existiria para medir a opinião pública da Província do Grande ABC, bem como e principalmente a metodologia utilizada.


 


O passado de equívocos não dá ao DGABC Pesquisas o respaldo de credibilidade de que dispõem outras instituições do gênero. Então, por qual razão me meto a escrever sobre as pesquisas do Diário do Grande ABC? Porque sou teimoso. Permito-me licença poética de credulidade para poder desenvolver alguns raciocínios que se tornarão massa assentada ou dissolvida quando as urnas se abrirem em cinco de outubro.


 


Vantagem exagerada?


 


Considerando-se a pesquisa do Diário do Grande ABC, que omite a margem de erro para mais ou para menos, Marina Silva terminaria o primeiro turno das eleições presidenciais à frente de Dilma Rousseff, exclusivamente na Província do Grande ABC, com vantagem de 10,3 pontos percentuais. Já para o Ibope, em parceria com a Confederação Nacional da Indústria, a diferença em nível nacional seria de oito pontos favoráveis a Dilma Rousseff. Para o Datafolha, são três pontos percentuais favoráveis a Dilma Rousseff -- também no Brasil como um todo.


 


Diante destes números, a conclusão de que a Província é muito mais oposicionista ao PT é alarmante. O mesmo PT que se tornou algo como sinônimo de ABC para o público externo. Com consequentes vantagens e desvantagens de imagem.


 


A recusa da maioria do eleitorado da Província do Grande ABC em vestir a camisa petista de Dilma Rousseff nas eleições presidências fica mais evidente nas pesquisas do Diário quando se vai ao segundo turno, no confronto com a ambientalista Marina Silva. Na Província do Grande ABC a diferença alarga-se a 19,4 pontos percentuais (49,9% a 30,5%), enquanto, em nível Brasil, o Ibope detectou que Marina e Dilma estão tecnicamente empatadas (43% a 42%), e o Datafolha identifica vantagem de Marina de quatro pontos (47% a 43%), mas também dentro da margem de erro, de dois pontos percentuais para cima e para baixo.


 


Não será neste texto que vou desfilar o rosário de explicações que poderiam justificar os números apresentados pelo DGABC Pesquisas. Sinceramente, estou desconfiado de que a diferença não é tão expressiva assim, embora a fadiga de material do PT na região, por conta de gestores municipais reprodutores de mesmices e de um sindicalismo de privilégios, seja elemento que ajuda a esquentar a fornalha na qual o prestígio de Lula da Silva e seus correligionários não seria mais o mesmo.


 


Cadê a divisão?


 


Uma Província do Grande ABC mais oposicionista ao PT do que nos oferecem os números da média nacional não é uma notícia qualquer, algo que os marqueteiros dos candidatos à Presidência da República deveriam desprezar. A Província dividida praticamente ao meio entre azulados e vermelhos, ou entre tucanos e petistas nas últimas eleições presidenciais, daria vez a uma Província inclinadíssima às forças de oposição ao petismo e ao cutismo, irmãos siameses que pararam no tempo e foram atropelados pelas demandas sociais? Vamos aguardar quando as urnas se abrirem, mas o instituto do Diário do Grande ABC não pode estar tão equivocado assim. Sob pena de completa desmoralização.


 


O comportamento do eleitorado da Província do Grande ABC detectado pelo Diário do Grande ABC tem parentesco mais próximo com o do eleitorado paulista que tanto o Datafolha quanto o Ibope fermentaram. Os resultados do Ibope no primeiro turno no Estado de São Paulo colocam Marina Silva na liderança com 38% dos votos (contra 36,8% da Província), enquanto o Datafolha registra 26%. Dilma Rousseff ocupa a segunda colocação no Ibope com 25% e com 26% no Datafolha. Aécio Neves tem 15% pelo Ibope e 16% pelo Datafolha. Pelo DGABC, Dilma obteve 26,5% e Aécio Neves 14,3% na região.


 


Na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes, os números são ainda mais comprometedores ao PT do candidato Alexandre Padilha, incensado pelo ex-presidente Lula da Silva como detentor do perfil ideal para seduzir o eleitorado tradicionalmente opositor ao PT sindical. Os 11% destinados a Padilha na Província do Grande ABC são um pouco menos sofríveis que os 8% obtidos no Ibope e os 9% do Datafolha no Estado de São Paulo. Talvez a margem de erro coloque tudo no mesmo saco.


 


Um terço maior


 


Já a votação de primeiro turno do governador Geraldo Alckmin na Província do Grande ABC, segundo o DGABC Pesquisas, é numericamente inferior à observada pelo Ibope e pelo Datafolha no Estado de São Paulo: 39,2% do Diário contra 48% do Ibope e 49% do Datafolha. O ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Paulo Skaf, ficaria em segundo lugar no primeiro turno com 18,3% dos votos nas contas do Diário do Grande ABC, 18% no Ibope e 22% no Datafolha. Em nenhuma das situações a disputa iria para o segundo turno. Se fosse, um segundo turno entre Geraldo Alckmin e o peemedebista Paulo Skaf terminaria nas contas do Diário com vitória do tucano por 47,8% a 27,5%. Já o Ibope apontou vitória de Geraldo Alckmin por 53% a 26%, enquanto o Datafolha sufragou 58% a 30%. 


 


Restou ao final da análise dos números apresentados na edição de ontem do Diário do Grande ABC uma pergunta que comporta várias interpretações: por que o contingente de eleitores que votarão em branco, nulo ou ainda não se decidiu é um terço maior na região do que na média brasileira? Afinal, foram 19,3% dos eleitores ouvidos pelos pesquisadores do DGABC que não se decidiram por nenhum dos candidatos à Presidência da República, ante 13% do Ibope e 13% da Folha.


 


Não se acredita que seja um comportamento específico do eleitorado regional, embora os números sugiram diferenciação. Nas últimas eleições municipais um terço dos eleitores locais deixou de contabilizar votos para um dos candidatos, enquanto a média em regiões metropolitanas não se distanciou desse patamar a ponto de sugerir rebeldia localizada. O que existe de fato e incontestável é uma reprovação implícita à classe política. Não fosse obrigatório, o derramamento seria muito maior.


 


De zero a 10 a nota para a manchetíssima de ontem do Diário do Grande ABC não passa de quatro. Pelo esforço de reportagem. Será que alguém se esqueceu de que este texto faz parte da série do ombudsman não autorizado dos jornais da região?


 


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