O Diário Regional voltou a superar largamente o Diário do Grande ABC no que chamaria de campeonato de manchetíssimas (manchete das manchetes de primeira página). O Diário Regional optou na edição de hoje pelo desemprego na Província do Grande ABC. O Diário do Grande ABC caiu do andaime da subestimação do leitorado ao tentar desmascarar o chamado fogueteiro da Vila Pires. As duas manchetíssimas são tarefas para este ombudsman não autorizado dos jornais da região. À manchetíssima de hoje do Diário Regional dou nota seis. À do Diário do Grande ABC, pela temeridade informativa, nota zero.
O problema do Diário do Grande ABC é que a manchetíssima “Sem medo da lei, fogueteiro da Vila Pires ainda negocia rojões” não condiz com a reportagem da página interna e criminaliza um comerciante além da conta do provável. O Departamento Jurídico do Diário do Grande ABC poderia ter sido acionado antes da publicação da matéria. Se o foi e não tomou a providência de questionar o texto, sinalizou que não entende bulhufas de comunicação. E muito menos de prudência jurídica.
Até prova em contrário, ou seja, de que o comerciante vende mesmo fogos de artifício no contexto sugerido, o Diário do Grande ABC sofrerá danos de credibilidade. Mais que isso: mesmo que supostamente venda fogos de artifício, o comerciante não estaria infringindo a legislação que o levou à condenação quando do acidente que causou mortes e feridos há cinco anos. Venda anunciada na internet não significa necessariamente entrega física do produto no local nebulosamente apontado pela reportagem. A própria reportagem do Diário do Grande ABC afirma que no estabelecimento do comerciante já condenado pela Justiça só existem produtos de limpeza, embora funcione sem autorização da Prefeitura.
Objetivo mercadológico
Não parece restar dúvida de que o objetivo da manchetíssima do Diário do Grande ABC foi mercadológico no sentido popular e abusivo do termo. A espetacularização do assunto é irrebatível. A manchetíssima e o texto de primeira página não seguem na mesma direção da reportagem da página interna. Na primeira página o Diário do Grande ABC afirma o seguinte:
O anúncio no Facebook é claro: “Venda de fogos direto da fábrica”. O dono da página na rede social da internet é Sandro Luiz Castellani, condenado a seis anos de prisão pela explosão em loja de artifícios do gênero que causou duas mortes na Vila Pires, em Santo André, em setembro de 2009. Há até vídeo de propaganda sobre um dos produtos oferecidos. Além disso, o empresário tem atualmente comércio de materiais de limpeza sem alvará de funcionamento, segundo a Prefeitura, que o notificou ontem. A loja de rojões que proporcionou a tragédia há cinco anos também não tinha o documento.
Agora, vamos aos principais trechos da matéria da página interna, sob a manchete “Castellani mantém loja sem alvará em Santo André”:
Condenado a seis anos (....) o empresário Sandro Luiz Castellani mantém comércio sem alvará na cidade. A revendedora de rojões acidentada em 2009 também não possuía autorização para funcionar. A Prefeitura notificou ontem o proprietário para que regularize a situação. Há indícios em redes sociais, inclusive, de que ele ainda comercializa explosivos. Castellani possui na garagem de sua casa, na Rua Camões, Vila Silvestre, loja de produtos de limpeza. A equipe do Diário foi até o local na terça-feira e verificou que o empresário estava lá com a mulher Conceição Aparecida Fernandes, também condenada por explosão culposa resultante em morte e transporte de explosivo sem licença. Ambos aguardam julgamento final em liberdade e não quiseram comentar o assunto. Apesar da tragédia, no Facebook Castellani se identifica como vendedor de fogos e anuncia que trabalha com a venda dos materiais “direto da fábrica”. O perfil foi atualizado pela última vez no dia 9, com vídeo de propaganda sobre um dos produtos oferecidos. (...). Por telefone, sem saber que estava falando com a imprensa, Conceição afirmou que o casal não comercializa mais explosivos. A Prefeitura informou que fez vistoria no local na tarde de ontem e não constatou a venda de fogos.
Pauta furada
Obrigatoriamente, o Diário do Grande ABC terá de continuar investindo no caso. Parece transparecer que a pauta concebida na Redação não se consumou na prática, mas daí à desistência de levar o assunto à manchetíssima vai distância quilométrica. Houve evidente forçada de barra. A possibilidade de que o casal continuava a vender explosivos num estabelecimento mais uma vez fora da lei não poderia passar em branco pela chefia de reportagem. Muito pelo contrário. Entretanto, constatada situação diversa da sugerida, a imperiosidade de baixar a bola da grandeza da matéria deveria prevalecer. Não há leitor que não tenha sido ludibriado pela manchetíssima do Diário do Grande ABC de hoje. “Sem medo da lei, fogueteiro da Vila Pires ainda negocia rojões” sugere, quando não induz, à repetição do excesso anterior, da mesma forma da situação anterior, de tragédia. O que não é o caso. Muito longe disso. Na reportagem do próprio jornal.
Pelo noticiário exposto nos dois jornais, a manchetíssima óbvia desta quinta-feira é mesmo o desemprego regional. Por isso o Diário Regional acertou na mosca com responsabilidade social, embora com poucos apetrechos informativos.
O Diário do Grande ABC publicou uma chamada de primeira página discreta sobre o desemprego na região. Os dois jornais praticamente se repetem no noticiário que saiu do forno mais que convencional da Pesquisa de Emprego e Desemprego da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) que realiza o levantamento em parceria com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), tendo o Clube dos Prefeitos como cliente. Todo mês se repete o ritual numérico seguido de escassas análises econômicas.
A manchetíssima do desemprego se sustenta porque a taxa na região aumentou pelo segundo mês seguido. A elevação de 0,7 ponto percentual levou a taxa a 11,3%%, a maior desde agosto do ano passado. Um dos pontos inquietantes do resultado, destacado pelo Diário Regional embora com menos ênfase do que se poderia explorar, é que, diferentemente do ano passado, quando agosto marcou ponto de inflexão na quebra do desemprego de 2013, agosto deste ano não provocou reação positiva. Essa diferença sinaliza o que poderia ser mais explorado na matéria: há uma tendência de que a caminhada do emprego até o final do ano, quando normalmente se aceleram os negócios por conta das festas de dezembro, será menos gratificante do que no passado. Dá-se o nome de crise a esse tropeço econômico.
Tanto o Diário do Grande ABC quanto o Diário Regional ficaram a dever aos leitores explicações sobre a metodologia utilizada pelas instituições responsáveis pela pesquisa. Se os registros do Ministério do Trabalho e Emprego se baseiam no mercado de carteiras assinadas, o Dieese e a Fundação Seade abrangem todo tipo de ocupação e desocupação. Daí a distância entre os apontamentos dos institutos. A pesquisa Dieese-Seade contabiliza em agosto a contratação de quatro mil trabalhadores do setor industrial na Província do Grande ABC, resultado que colide frontalmente com as seguidas baixas do Caged, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregos do Ministério do Trabalho.
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