Imprensa

Emendeira é como goleiro: se errar
aos 89 minutos vai levar chumbo

DANIEL LIMA - 30/05/2006

Tenho trato com a emendeira textual: sempre que o computador não identificar determinada palavra, que acione o alarme, porque alguma coisa deverá ser corrigida. Pois não é que na edição de ontem grafei incorretamente o verbete "mafiocracia", optando pelo "mafiocrasia", e o programa do computador, burro como ele só, mais do que eu, não soou o alarme? A explicação é que se trata de neologismo e, portanto, está fora da zona de abrangência do léxico juramentado do Aurélio eletrônico. Ótimo. E como ficamos eu e os leitores nessa?


 


Percebi o erro quando recebi a cópia impressa da edição de ontem. Bati os olhos no título e senti que algo estava fora do lugar. Diferentemente portanto da sensação que tive quando enviei o material, também impresso. Aquele "s" aparecia em visível posição de impedimento. Mafiocrasia? Não, mafiocracia -- uma derivação maquiavélica de democracia. Na mafiocracia quem comanda as ações são aqueles que, na democracia, geralmente estão excluídos do processo. Ou pelo menos sob controle do processo.


 


É por essas e outras que, como jornalista, sempre me coloquei contrário a desclassificar o potencial de quem eventualmente escorrega na maionese de um verbete aqui, outro ali, uma concordância aqui, outra ali. Desde que, evidentemente, a reincidência não seja insistentemente aqui ou ali. Há jornalista em posição de chefia que leva a ferro e fogo a correção do idioma e, estupidamente, joga muita gente de qualidade no olho da rua, sem lhe explicar o segredo do acerto. Esquece que se deve desconfiar e muito de quem escreve absolutamente correto. Onde geralmente há acerto irrepreensível falta criatividade.


 


Creio que meu cérebro capta diariamente, entre leitura impressa, leitura virtual e texto produzido, mais de 400 mil caracteres. Algo como um livro de 250 páginas. Uma maratona de exercícios de conhecimento que ajuda a manter a mente atenta. De vez em quando, entretanto, essa engrenagem mistura alhos com bugalhos na definição do léxico. Escrevo sem corretor ortográfico, mas, a emendeira textual, por segurança, utiliza-o. Ela só não contava com o uso de uma terminologia que nem minha é, para dizer a verdade, porque a retirei não sei quando, não sei de quem, de um artigo qualquer sobre o lado obscuro da sociedade. No caso do Grande ABC, e do Brasil, o obscuro é a democracia, confundida com o ato quase compulsório de votar quando se sabe que a essência do melhor entre os piores dos regimes é outra coisa.


 


Apenas para explicar: emendeira é uma profissional de extrema meticulosidade, paciência e responsabilidade que, entre outras atividades, tem a função de receber os textos impressos e transformar eventuais correções manuais em digitações irreparavelmente perfeitas. A emendeira é espécie de goleiro que pega todas as bolas durante 89 minutos, mas se falhar no minuto final, leva chumbo.


 


Um exemplo do que faz a emendeira: se escrever "chmubo" em vez de "chumbo", e feita a correção manualmente, ela entra em campo e conserta. Se eventualmente o equívoco não for corrigido manualmente, quando ela passa o corretor ortográfico, a bobagem aparece. E ela, a emendeira, corrige mesmo.


 


Para completar esse assunto que bem poderia ser destrinchado pelo professor Pasquale Cipro Neto, me chega a informação de que a emendeira textual tentou de todas as maneiras cercar o frango da "mafiocrasia". Vasculhou aqui e ali, remexeu acolá e acabou levando um drible da vaca da Internet onde, num texto em espanhol, identificou o verbete de acordo com a grafia deste jornalista, ou seja, "mafiocrasia" mesmo. Perfeito, perfeitíssimo, se o texto, igualmente, tivesse sido produzido na língua de Cervantes.


 


Talvez ela tenha entendido certo porque tenho raízes espanholas, de meu velho e finado avô, seu Miguel Moreno Morales, mascate que mal conheci, morto de câncer quando eu ainda completaria quatro anos de idade. Em tempo: não sei se a grafia do professor de língua portuguesa mais conhecido do País é o que utilizei acima. Caberá à emendeira resolver o problema. Ela sofre!  


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