Imprensa

Diário acerta na manchetíssima,
mas despreza DataDiário de novo

DANIEL LIMA - 27/10/2014

O Diário do Grande ABC e o DataDiário (ou DGABC Pesquisas), instituto de pesquisa atribuído ao corolário de empresas daquela publicação, definitivamente não se bicam. Fingem que se amam, mas correm em raias diferentes, quando não antagônicas como um casal em conflito. Essa é uma constatação já exposta por este ombudsman não autorizado dos veículos de comunicação da região. Martelá-la não significa necessariamente dispensar novidades aos leitores. A edição de ontem é prova disso.


 


Repetindo a barbeiragem da edição do domingo do primeiro turno, o jornal não fez qualquer referência à pesquisa do DataDiário no pífio noticiário sobre a finalíssima entre Aécio Neves e Dilma Rousseff. Felizmente desta vez a disputa presidencial ocupou a manchete das manchetes da primeira página. No domingo do primeiro turno o Dia Mundial da Habitação foi mais importante. Ontem foi o Dia de São Expedito. Provavelmente um santo de segunda linha que não mereceria ser alçado à manchetíssima. Como não o foi. Fosse São Jorge eu ficaria muito sentido.


 


A distância que separa o Diário do Grande ABC de 2004, período de disputas eleitorais municipais quentíssimas, do Diário do Grande ABC deste 2014, de embates eleitorais muito mais importantes, é quilométrica. Faço a comparação porque era diretor de Redação do jornal naquele ano. Agora o jornal perdeu o rumo na cobertura pré, durante e pós-urnas. Esfacelou-se, por assim dizer. A edição de ontem não surpreendeu sobre a plataforma de três “pês”: pobre, provinciana e precária.


 


Conselho de colaboradores


 


Um assunto que exigiria a composição de força-tarefa da Redação, com ampla abordagem regional e riqueza de informações e mesmo de análises que extrapolassem o jogo puramente eleitoral, foi descartado. E olhem que dá para fazer tudo isso contando com colaboradores que nada cobram à emissão de opiniões.


 


Há pelo menos meia dúzia na praça que o faria. Quando deixei o Diário do Grande ABC em abril de 2005, após nove meses de intenso trabalho com uma equipe agregada à filosofia de regionalidade em primeiro, em segundo e também em terceiro lugar, o estoque de colaboradores contava com 101 articulistas em potencial, integrantes do Conselho Editorial que criei para a publicação. Eram representantes de diversas instâncias da sociedade regional, ainda não morta. Eles foram entronizados no Diário do Grande ABC numa noite de Teatro Municipal de Santo André lotado.


 


Não demorou dois meses após minha saída para que todos fossem banidos do organograma. Ao Diário do Grande ABC não interessavam e não interessam olhares mais abrangentes e contraditórios sobre o andar da carruagem na economia, no social e na política. Há composições estranhas que privilegiam e sacrificam abordagens, o que torna o jornal refém das forças de pressão. Tudo que abominei no Planejamento Estratégico que deixei para o jornal.


 


Um filho bastardo


 


Mesmo na estreiteza do que imprime diariamente para um público que certamente não lhe dá mais o necessário peso de importância, porque é impossível levar em conta um produto que sucessivamente ignora os conceitos mais comezinhos de jornalismo com comprometimento social ditado por quem é do ramo, não por marqueteiros, mesmo nessa estreiteza a abordagem meio sociológica e meio política de uma edição domingueira de uma eleição com as características dessa encerrada ontem era o mínimo a esperar.


 


Qual nada. O jornal nem deu bola inclusive ao DataDiário, solenemente ignorado nos números que perscrutou durante a semana e publicou na edição de sexta-feira. Como o escorregão se repetiu, já que no primeiro turno o DataDiário também não constou da pauta da redação, não existe outra explicação senão esta: o instituto de pesquisas que o Diário criou é um filho bastardo utilizado apenas circunstancialmente por razões que a própria razão desconheceria.


 


Não pensem os leitores que estou aqui a dar bordoadas editoriais no Diário do Grande ABC porque não tenho compromisso algum com o próprio jornal. Um terço de minha carreira profissional foi ali construído. Trata-se de tempo extenso demais para jogar fora. E jogar fora significa ver o jornal sofrer constante perda de qualidade. Quanto menos o Diário do Grande ABC for admirado, sobretudo pela classe profissional da qual faço parte e também por consumidores de informações mais exigentes, mais os jornalistas que ali atuaram se sentirão apequenados porque terão percebido que todos os esforços se diluíram ao longo do tempo.


 


Por isso, a responsabilidade de cobrar do veículo de comunicação mais tradicional da região (sem que isso represente o melhor nos últimos 20 anos, é bom que se diga), avanços permanentes do que imprime é obrigação de quem quer viver novos tempos do jornalismo local.


 


Cobertura frágil


 


A cobertura da eleição presidencial exposta na edição deste domingo -- e que na realidade deu sequência a uma trajetória muito aquém da tradição do jornal -- é uma espécie de sinal de que supostamente o Diário do Grande ABC teria embicado para baixo num voo de decadência editorial iniciado muito antes de este jornalista iniciar uma reação espasmódica entre julho de 2004 e abril de 2005. O que veio depois acentuou as dificuldades do jornal encaixar golpes que sensibilizem o leitorado.


 


O Diário do Grande ABC destes tempos é um jornal empalidecido quando confrontado com o dos anos 1990 – mesmo se considerando que nos anos 1990 o jornal cometeu barbaridades editoriais, entre as quais negar sistematicamente a quebra do poder industrial da Província, entre outras questões graves sob a batuta de maestros do triunfalismo levados pela onda de slogans vazios como “Meu Grande ABC”.


 


A pobreza franciscana da edição de ontem em termos informativos como mais uma prova de que há fissuras estruturais que minam a qualidade do jornal deveria ser motivo de ação urgente para estancar o processo de empobrecimento do produto e, na sequência, articular um plano de recuperação contínua.


 


Podem pegar emprestado o planejamento de cinco anos que lá apresentei e deixei entre os legados de minha breve segunda passagem (na primeira foram 15 anos) por aquele jornal. Até porque, aquele plano está disponível nos acervos desta revista digital.


 


A raquitinização editorial do Diário do Grande ABC é uma perda regional compensada apenas em parte pelas demais opções informativas na Província do Grande ABC. Alternativas que, somadas, oferecem estoque bem mais volumoso, equilibrado e interessante de informação – embora não faltem restrições que não cabem neste texto.


 


Não se pode dar, com toda a generosidade do mundo, mais que nota dois entre zero e dez à manchetíssima do Diário do Grande ABC de ontem. O banimento do DataDiário ajudou a rebaixar a nota essencialmente vinculada a esqualidez de informações e análises.  


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