Imprensa

Coitados dos historiadores que
pretenderem entender resultado

DANIEL LIMA - 28/10/2014

Não tem conversa mole para boi dormir: se o Diário do Grande ABC e o Diário Regional de ontem estivessem mais preocupados com a região e pretendessem dialogar diretamente com seus leitores, já cansados de saber quem ganhou a eleição presidencial no Pais, a manchetíssima só teria um caminho a seguir: “Dilma ganha no Brasil mas perde feio na região”.


 


Pois os dois jornais que circulam na Província do Grande ABC caíram na rede da mesmice geográfica e centraram fogo exclusivamente na vitória da candidata petista no País. Mais abaixo, em manchetinha que não é manchetíssima, porque manchetíssima é a manchete de todas as manchetes de primeira página, regionalizaram o título. Quem não dá importância preferencial ao espaço social em que atua não poderá reclamar de infidelidade informativa?


 


Desculpem pelo que alguns podem até chamar de cabotinismo, mas é escandalosamente automático: numa cobertura da importância de uma disputa presidencial, não tem escapatória a lógica de que tão importante quanto regionalizar sem desnacionalizar a manchetíssima seria produzir uma reportagem sucinta mas instigante sobre a quebra contínua do poderio de votos do Partido dos Trabalhadores na região. Exatamente o que fizemos já na noite de domingo, em meu escritório domiciliar, e editamos na manhã de ontem.


 


Burraldo entre em cena


 


Por conta desse tipo de barrigada, que no jargão jornalístico significa não ver o óbvio ou ver o que não existe, me sinto tão estupefato quanto aquele professor dos tempos do programa Balança Mas Não Cai que chamava a atenção permanente do aluno Burraldo, assíduo fazedor de trapalhadas verbais. Muito mais o Diário do Grande ABC do que eventualmente o Diário Regional, o tratamento às manchetíssimas é uma sequência interminável de inconformidades jornalísticas.


 


Qualquer argumento sobre a suposta correção de alçar à manchetíssima a unicidade território-eleitoral da eleição presidencial cai por terra ante a obviedade de circulação dos dois jornais locais. Diferentemente dos grandes jornais do País, casos de Folha de S. Paulo, Estadão e O Globo, o Diário do Grande ABC e o Diário Regional são vocacionados e se limitam a uma geografia estrita, regional, e, pasmem os leitores ante a evidente burrice de esquecerem a região na manchetíssima: estamos tratando da pátria amada e odiada do PT, que aqui germinou e floresceu.


 


Será que os editores dos dois jornais foram para o fechamento da primeira página de segunda-feira sem ter a dimensão de que a disputa presidencial a envolver o PT deixa de ser assunto exclusivamente nacional e ganha conotação sociológica específica sobre o passado, o presente e o futuro da Província do Grande ABC?


 


Socorram os estudiosos!


 


Ao equívoco monumental de retirar a Província do Grande ABC de uma manchetíssima conjugada com o País na definição do pleito presidencial sucedeu em cada jornal um texto burocraticamente político-eleitoral. Quando estudiosos num futuro qualquer decidirem recorrer aos dois jornais para levantar informações sobre aquele momento histórico para a Província do Grande ABC, vão ter de vasculhar penosamente outras edições, até que encontrem alguma coisa que justifique a debacle petista. Será mais fácil, muito mais fácil e garantido, acessar esta revista digital.


 


Ou seja: o cartão vermelho editorial que estou a utilizar para dizer que tanto o Diário do Grande ABC quanto o Diário Regional caminharam rigorosamente unidos rumo à insensibilidade é o preço que os responsáveis pelas escolhas teriam de pagar se o jornalismo fosse algo mais interativo e os leitores pudessem ter o direito de igualmente sinalizarem insatisfação com o que lhes foi apresentado como trabalho elucidativo de uma disputa nacional com amplo significado regional.


 


Talvez estejam a faltar tanto ao Diário do Grande ABC como ao Diário Regional algumas aulas sobre a relevância da manchetíssima de cada edição, de modo que as definições não se deem ao sabor do improviso.


 


Costumo dizer que o jornalismo diário impresso emburrece os profissionais de redação. A conclusão não é de nenhum alienígena, mas de quem frequentou o cotidiano de fechamento editorial durante décadas. O piloto automático é um inferno. A contaminação do ambiente pelo noticiário nacional em casos assemelhados é uma loucura que exige vacinas de autocrítica.


 


Sentimento de regionalidade


 


O sentimento de regionalidade que pode fazer toda a diferença no futuro da Província do Grande ABC, porque introduz na consciência de cada leitor a mensagem subliminar e restauradora de que vivemos num mesmo território e portanto precisamos zelar por ele, se inocula em doses diárias. Os jornais, portanto, têm uma enorme responsabilidade nesse processo de catequese.


 


Quando editei e preparei a manchetíssima deste CapitalSocial ontem tinha absoluta consciência de que a disputa presidencial em âmbito nacional já não reunia tanta importância como chamamento à leitura. Não ignorei os resultados no Brasil, mas como eram mais que conhecidos e dissecados, a vertente dos números regionais, com agregado de valores político-eleitorais e econômicos, dominou a cena. O Diário do Grande ABC e o Diário Regional radicalizariam se seguissem esse roteiro, mas daí a subestimarem graficamente e também editorialmente a importância da região vai muita diferença.


 


Menos mal para o Diário Regional que a cobertura interna ofereceu espaços relativamente generosos, embora ainda incompletos, ao esquadrinhamento do voto presidencial na Província do Grande ABC. Já o Diário do Grande ABC se entregou ao repeteco em escala infinitamente inferior ao que os dois jornais da Capital apresentaram.


 


Se o Diário do Grande ABC é incapaz de numa situação especial contar com uma visão muito específica de uma cobertura de peso, não resta saída senão imaginar sempre o pior no dia a dia sem grandes tensões. Já o Diário Regional se mostrou mais inquieto com a ocupação de espaços editoriais da cobertura da eleição presidencial. Por isso de zero a dez recebe nota três, contra um do Diário do Grande ABC. Ou os leitores acham que tudo isso que escrevi não faz parte do peso de ser ombudsman não autorizado? 


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