Imprensa

Diário Regional acerta em cheio
com manchetíssima automotiva

DANIEL LIMA - 13/01/2015

Ainda não é uma conclusão final, definitiva, mas pelo andar da carruagem de sensibilidade editorial o jornal impresso Diário Regional está mais preparado para acompanhar a crise automotiva na Província do Grande ABC do que o Diário do Grande ABC.


 


Na edição de sexta-feira, por exemplo, enquanto o Diário do Grande ABC se perdia na obviedade de um texto relatorial e no título sem brilho da manchetíssima sobre a ida de Nilson Bonome para a Administração Paulo Pinheiro, (“Bonome assume articulação política do governo Pinheiro em São Caetano”), o Diário Regional rasgava a manchetíssima com o único assunto que jamais poderia estar fora dessa posição -- no caso a crise automobilística que atinge frontalmente a economia regional.


 


O título da manchetíssima do Diário Regional (“Produção de veículos cai 15,3% em 2014 e montadoras fecham 12,5 mil vagas”) foi um encaixe perfeito como desdobramento do balanço anunciado no dia anterior pela Anfavea, o Clube das Montadoras. Os grandes jornais brasileiros levaram o assunto à primeira página em forma de manchetes e manchetinhas. O Diário do Grande ABC preferiu uma manchete logo abaixo da manchetíssima, em flagrante conflito com o peso relativo adotado para o caso do reforço da administração Pinheiro.


 


Nessa nova intervenção como ombudsman não autorizado dos jornais da região não tenho como deixar de registrar não só o acerto do Diário Regional como também a impressão de que a publicação vai continuar a valorizar o interesse econômico regional, que se espraia ao campo social, colando nos acontecimentos sobre demissões nas montadoras.


 


Sem comparação


 


Talvez a direção editorial do Diário do Grande ABC tenha  percepção diferente sobre a relevância de manchetíssimas. Suspeito que talvez exista um código interno a opor resistência à repetição temática durante algumas edições. A elevação da transferência do interventor Nilson Bonome, do PMDB, ao governo de Paulo Pinheiro, mesmo que contivesse todas as informações que publiquei na edição de ontem, não justificaria a manchetíssima do Diário do Grande ABC numa edição de balanço anual do setor automotivo recheadíssimo de fatos novos.


 


Faltou ao Diário do Grande ABC dissecar a anatomia administrativa de Nilson Bonome na gestão calamitosa de Aidan Ravin em Santo André, prefeito a quem serviu durante três temporadas seguidas. Mas nem assim, repito, teria valido a manchetíssima. Como o jornal se limitou ao burocratismo da informação rasa, como se pisasse em ovos de condicionantes, o que os leitores receberam como resposta da manchetíssima na página interna foi uma sequência de parágrafos em forma de pista de patinação inadvertidamente ocupada por principiante, tanto exalava cuidados especiais para não ir além do óbvio protocolar de mudança administrativa. Nem uma nota oficial da Prefeitura de São Caetano teria caído tão confortavelmente.


 


Faltou territorialismo


 


Mas a manchetíssima do Diário Regional sobre o mercado automotivo, embora certeira, se provou insuficiente como fonte de informações na página interna da reportagem. Nesse ponto, a avaliação que faço como leitor sempre pronto a meter o bedelho no trabalho alheio é que existe um limite de caracteres a impedir a publicação de descer a detalhes importantes sobre os fatos realçados em manchetíssimas, entre outros textos. A ditadura espacial é uma premissa equivocada dos jornais impressos. A ausência de textos mais aprofundados afasta os leitores de maior potencial intelectual e de poder de consumo mais sofisticado. Proletariza-se o leitorado.  


 


A manchetíssima sobre a quebra de produção e de vendas do mercado automotivo que atinge diretamente a Província do Grande ABC deveria ganhar personalização territorial. Os dados repassados pela Anfavea são genéricos, do País como um todo. Há indicativos de que se já foram inquietantes no geral, no específico da Província do Grande ABC são ainda mais barbarizadores.


 


Entretanto, nenhum dos veículos de comunicação da região desce a esses pontos porque para tanto teriam de captar mais informações. Sabe-se que a Província do Grande ABC representa 20% da produção de veículos de passeio e comerciais leves no Brasil, mas não se tem informações sobre o quanto dessa parcela significa em unidades. Os veículos Made in Província têm perfil geral menos popular que a média das demais montadoras. Essa é a fórmula para amenizar os custos mais elevados de produção na região. Carros populares não combinam com Custo ABC.


 


Sei que dá trabalho, mas não custaria nada investir nesse tipo de informação para descer a detalhes sobre o comportamento de venda pelo menos dos veículos de passeio produzidos na Província do Grande ABC. O jornalista André Marcel de Lima, nos tempos de LivreMercado, foi adiante e descobriu o percentual mais próximo possível da realidade sobre a participação regional na produção nacional. Aqueles 20% aos quais me refiro sempre e, confesso, com uma precisão bastante questionável porque já se passou bastante tempo e, desde então, possivelmente houve um remelexo numérico a distinguir as regiões produtoras.


 


No fundo, no fundo, é o fim da picada o jornalismo regional não demonstrar a menor curiosidade em matar essa charada. Fosse uma atividade qualquer, vá lá, tudo poderia se resumido como preciosismo, mas em se tratando de veículos de passeio, mercado no qual temos inserção elevadíssima em âmbito nacional e decisiva ao equilíbrio socioeconômico regional, a ausência desses dados e a dependência de números gerais da Anfavea são um tapa na cara do senso comum de que jornalismo existe para providenciar novidades à sociedade.


 


Movimentação sindical


 


Vamos acompanhar atentamente o movimento sindical nestes tempos em que a Província do Grande ABC ainda não caiu na real de que é um território condenado a sacolejadas permanentes no tecido econômico mais importante ao equilíbrio da sociedade porque não se atualiza em competitividade frente a outras geografias.


 


Cultivamos a mania de que o Estado tem obrigação de nos proteger seletivamente com redução da carga tributária paga por toda a sociedade. Praticamos um capitalismo de araque. Com paternalismo automotivo espalhamos nos demais setores econômicos da região uma série de deformações que ferem fundo a capacidade de adaptação aos novos tempos produtivos em que o mundo é o limite.


 


Duvido que qualquer publicação da região faça uma abordagem profunda sobre o protecionismo reivindicado como direito adquirido. O sindicalismo regional, notadamente o sindicalismo das montadoras de veículos e autopeças, goza de prestígio muito acima das competências que insiste em desprezar porque reza a tradição que o governo federal estará sempre pronto a socorrer a todos. O sindicalismo prefere o desemprego que não salta às manchetes, o desemprego a conta-gotas, porque o desemprego manchetado é a confissão de um fracasso latente que não pode ser escancarado, sob pena de reações demagógicas em vestes de responsabilidade social. 


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