Economia

Nosso exemplo já não
é suficiente como alerta?

DANIEL LIMA - 12/04/2006

O Grande ABC, mais que qualquer outro território nacional, já assistiu a esse filme antes. E o resultado foi desastroso. Trata-se da proposta do Ministério da Fazenda de fazer ampla redução de tarifas de importação para acelerar a queda dos juros e, com isso, provocar a desvalorização do real. O economista Sérgio Werlang, ex-diretor do Banco Central e atual diretor do Banco Itaú, apóia a iniciativa com a projeção de que um corte linear de 68% nas tarifas de importação provocaria aumento do PIB (Produto Interno Bruto) de 1,52%, além de aumento do salário de 1,66% e uma desvalorização cambial de 0,77%.


Será que o governo federal vai reproduzir em escala nacional o que o Grande ABC sofreu principalmente durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso? Naquele período, a combinação de redução de tarifas alfandegárias no setor de autopeças, valorização da moeda, juros estratosféricos e descentralização automotiva implodiu a estrutura da economia regional e ceifou 86 mil empregos industriais com carteira assinada, com a perda de 39% do Valor Adicionado.


Para sorte de um País que carrega o passivo de excessiva carga tributária associada a infra-estrutura pública em desacordo com qualquer princípio de competitividade e níveis educacionais muito aquém do necessário, entre outras mazelas, não faltam vozes contrárias a novo golpe de abertura econômica desmedida.


Diferentemente, portanto, da inércia que caracterizou as instituições do Grande ABC naquele período. Prefeitos, deputados, vereadores, sindicalistas, lideranças empresariais e tudo que se imaginar como supostamente influente em decisões estratégicas de uma região não só se calaram diante da avalanche transformadora da região como chegou-se inclusive à estupidez de, em nome de uma regionalidade que cheirava a bairrismo rastaquera, comemorarem-se dados fraudulentos.


Autor do livro “Chutando a Escada”, lançado em 1992, o economista sul-coreano Ha-Joon Chang, diretor-assistente de Estudos sobre Desenvolvimento da Universidade de Cambridge, Estados Unidos, foi certeiro durante encontro com o Conselho de Desenvolvimento Econômico do governo federal: os países desenvolvidos que tanto clamam por abertura econômica do Brasil e de outros emergentes só derrubaram as próprias barreiras depois de atingirem alto grau de competitividade e riqueza.


O estudioso sul-coreano lembrou que a abertura econômica em setores industriais de países mais pobres antes de reunirem condições de competir em pé de igualdade é um tiro no próprio pé. Ha-Joon Chang é direto: o Brasil precisa de política industrial e de juros menores antes de abrir sua economia. O economista chama de hipocrisia a tática dos países ricos. Cita especificamente a agricultura pouco competitiva de norte-americanos e europeus, e por isso mesmo implacavelmente protegidas. Chang é favorável à abertura no longo prazo. Algo que o governo Fernando Henrique Cardoso desprezou quando tratou o parque automotivo do Grande ABC literalmente a pontapés.


Para Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor da Fundação Getúlio Vargas e ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia, o crescimento do Brasil passa principalmente pela superação do nível de juros real. “Com essa taxa, o desenvolvimento é tão inviável como o era com a alta inflação que enfrentamos entre 1980 e 1994″.
Bresser-Pereira chama os juros altos de doença monetária. Lembra que o Estado brasileiro gastou no ano passado cerca de 9% do PIB, quase R$ 200 bilhões, com juros, quando sugere que a quinta parte desse valor já seria razoável. A diferença sustentaria a diminuição da carga tributária, a redução da dívida pública e investimentos em educação, saúde, ciência e tecnologia.


“Taxa de juros alta significa taxa de câmbio baixa, artificialmente apreciada, e não há nada que mais interesse a nossos concorrentes internacionais instalados no Brasil do que um real valorizado. Graças a isso, exportam mais para cá e, o que é mais importante, transferem mais dólares para suas matrizes com um mesmo lucro em reais” – escreveu Bresser-Pereira em um dos mais recentes artigos publicados por jornais.


A competitividade internacional do Brasil com base em mais abertura econômica também é rechaçada pela AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil). Para o vice-presidente José Augusto de Castro, a desvalorização do dólar neutralizou a proteção tarifária da indústria brasileira. Desde janeiro de 2005 a moeda americana perdeu 19,62% de seu valor diante do real. “O Brasil não é mais um país protecionista, como acusam os países desenvolvidos, e está fazendo um novo choque de liberalização por meio do câmbio” – disse à Folha de S. Paulo.


Ao mesmo jornal, Newton de Mello, da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria) foi igualmente contundente: “A política cambial está incentivando a desindustrialização do País, e o Ministério da Fazenda fala em baixar ainda mais o imposto de importação para ajudar a controlar a inflação, quando já estamos com proteção negativa por causa do câmbio”.


Gesner Oliveira, professor licenciado da Fundação Getúlio Vargas e presidente do Instituto Tendências, defende em artigo para jornais que a abertura por si só não tornará o País mais competitivo: “A regra de manual para a promoção de um programa de liberalização tarifária é fazê-la em momento de relativo equilíbrio da taxa de câmbio. É o oposto da situação atual, de forte tendência à apreciação. A combinação de redução súbita de tarifas de importação com apreciação da moeda pode ser mortal para determinados segmentos da economia” – escreveu Gesner Oliveira, como se dirigisse a mensagem retrospectivamente ao Grande ABC.


O próprio Gesner Oliveira completa a equação: “Para que a abertura tenha um impacto positivo sobre a competitividade, deve vir acompanhada de políticas que aumentem significativamente o estímulo a investimentos. Por sua vez, para que as inversões produtivas se tornem mais atraentes, será necessário assegurar regras claras e estáveis e custos sistêmicos mais baixos. Os principais componentes desse Custo Brasil residem na precariedade da infra-estrutura, no excesso de burocracia e de carga tributária”.


O deputado federal Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, lembra que entre 1965 e 1985 o Brasil crescia 2,3 vezes mais do que o Chile, mas nos 20 anos sequenciais passou a crescer menos da metade da taxa chilena. “A tragédia de 1988 foi que os que tinham o poder e chamavam-se a si mesmos de esquerda progressista refletiam sem perceber o fim da festa do welfare state, que já estava consumindo a Europa” – escreveu também recentemente sobre as mazelas da Constituição Federal gestada no final dos anos 1980.


Delfim Netto é cortante: “Uma das razões fundamentais do nosso atraso é que a Constituinte induziu a construção de um Estado ao mesmo tempo obeso e faminto. Suas despesas de custeio crescem exponencialmente. Suas receitas já não podem aumentar porque a carga tributária de 38% do PIB é a maior do mundo para nosso nível de renda e a sociedade, corretamente, recusa-se a pagar mais. Estamos cada vez mais atrasados. Somos os lanterninhas do crescimento mundial porque um Estado ineficiente apropria-se de forma excessiva da renda do setor privado mais eficiente. O pior é que a alta taxa de juro real, exigida para sustentar o financiamento da dívida, enfraquece a própria fonte criadora de receitas, o setor privado, o que mantém a armadilha” – escreveu Delfim.


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