Economia

Cai participação regional
no total de veículos leves

ANDRE MARCEL DE LIMA - 23/03/2006

Em mais uma incursão na indústria mais competitiva do planeta, LivreMercado volta a destrinchar dados da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) para dimensionar o tamanho da produção regional de automóveis e comerciais leves no contexto nacional. E o resultado não é nada animador. Dos 2.296.288 veículos leves produzidos no Brasil no ano passado, 438.348 saíram das fábricas do Grande ABC — ou 19% do total. O percentual é muito mais modesto que os 61% relativos à participação do Grande ABC na produção nacional de veículos pesados em 2005, retratado na edição anterior, e explicita ainda mais o abismo de competitividade entre as duas categorias de produtos. O Grande ABC ocupa a pole-position na produção de ônibus e caminhões, mas vira retardatário em automóveis de passeio.


A imagem que melhor simboliza o Grande ABC dos leves é de uma rocha empurrada ladeira abaixo. A velocidade da descida é cada vez maior. Só não se sabe onde vai parar. Na primeira pesquisa realizada por LivreMercado com dados da Anfavea, a região respondeu em 2003 por 23,7% dos veículos leves produzidos no País. Em 2004 a fatia regional foi reduzida em mais de dois pontos percentuais, para 21,5%. Agora, emagreceu mais ainda e chegou a 19%. A trajetória decrescente corresponde à antítese do robustecimento experimentado pelo segmento pesado. A participação regional em ônibus e caminhões era de 58,1% em 2003, subiu para 60,1% em 2004 e fechou em 61% no ano passado.


O dado mais desalentador para a região pendurada na economia sobre-rodas é que a queda de 2,5 pontos percentuais na última temporada resulta de anestesiamento da produção regional em termos absolutos, além de perda relativa pelo incremento superior nas plantas instaladas além do berço automotivo. Em 2004 o Grande ABC produziu 445.930 veículos leves. Em 2005 o volume sofreu ligeira queda para 438.348. No Brasil, a produção saltou de 2.074.945 unidades em 2004 para 2.296.288 no ano passado.


Quem conhece a história remota e recente da indústria automobilística no País sabe que não há contradição no fato de o Grande ABC perder velocidade enquanto o Brasil pisa no acelerador. Pelo contrário. Foram tantos os radicalismos locais e os desmazelos governamentais que o robustecimento do indicador de produção regional não passaria de milagre ou erro de digitação. O Grande ABC está pagando a conta de excessos cometidos no passado de enclausuramento econômico e também da falta de mobilização institucional para interferir nos rumos do pós-globalização. Como filho mimado que não desenvolve capacidade de se virar por conta própria, a região ficou mal acostumada nos tempos de bonança alfandegária e inflacionária e enfrenta dificuldades para se adaptar aos novos tempos de competitividade global. E não há melhor indicador dessa realidade amarga — mas que precisa ser enfrentada — do que o percentual de participação nos leves, que representam mais de 90% do volume veicular nacional.


Durante décadas a indústria automobilística sediada no Grande ABC foi obrigada a assimilar pesados custos trabalhistas impingidos por sindicatos. A situação não representava problema insolúvel porque as montadoras repassavam custos aos produtos graças à cobertura proporcionada pelo mercado fechado. A situação começou a mudar no início dos anos 90 com a abertura do País a importações, e sofreu transformação radical em meados daquela década a partir do momento em que o governo federal então capitaneado por Fernando Henrique Cardoso acenou com série de benefícios para que montadoras expandissem produção no Brasil. Se não bastassem os custos inflados nos tempos de enclausuramento econômico, o Grande ABC testemunhou festival de incentivos tributários e creditícios via BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) que culminaram com a pulverização artificializada da produção automotiva. E tudo sem que instituições regionais esboçassem a menor reação para alterar o rumo dos acontecimentos.


O segmento regional de pesados passou ao largo dos destroços basicamente por duas razões: a produção de ônibus e caminhões é naturalmente concentrada em único endereço nacional ou continental, e os custos trabalhistas locais que comprometem a rentabilidade de automóveis podem ser diluídos em produtos de valor agregado mais elevado.


Traçado o cenário histórico e geográfico, fica muito mais fácil compreender o significado dos modestos 19% de participação em veículos leves. Há uma relação direta entre o estreitamento da fatia do Grande ABC e o amadurecimento das plantas construídas com incentivos governamentais. À medida que o nível de produção nas novas linhas de montagem se aproxima do ápice almejado pelas montadoras, menor se torna a participação relativa da região. Dois exemplos são emblemáticos: a fábrica da Ford na baiana Camaçarí quase atingiu o pico com montagem de 246.934 veículos no ano passado, enquanto a produção de automóveis e comerciais leves em São Bernardo não chegou a 60 mil unidades. A planta gaúcha da GM em Gravataí já bateu no teto com mais de 130 mil Celtas e se prepara para fabricar mais 100 mil unidades anuais com investimento de US$ 240 milhões.


O efeito estatístico do crescimento das rivais em outros territórios é apenas a ponta de um iceberg de complicações. Ainda mais preocupante é a competição direta que as novas fábricas imprimem às mais antigas. Como são mais competitivas, as caçulas sugam investimentos que beneficiariam as veteranas mais custosas. Um bom exemplo é a Volkswagen. Após alocar a produção do Fox destinado ao mercado interno na fábrica de São José dos Pinhais a montadora centralizou a maior parte do volume da versão para exportação na unidade paranaense. A decisão contrariou o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que havia selado acordo para que a montadora produzisse o carro tipo exportação exclusivamente na fábrica Anchieta, e forneceu combustível à greve de 17 dias no final do ano passado.


A conta de 438.348 veículos leves produzidos no Grande ABC resulta da soma dos volumes das fábricas da região em 2005. A Volks de São Bernardo montou 192.703 unidades, de acordo com o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, número que representa 31% dos 614.248 veículos leves da marca no Brasil. A GM de São Caetano montou cerca de 190 mil, ou 33% dos 564.929 mil no Brasil, de acordo com números da própria montadora. E da Ford de São Bernardo saíram cerca de 55 mil automóveis e comerciais leves, quase um quinto dos 246.934 montados na planta baiana. Ainda foi contabilizado o residual de 645 unidades da Land Rover de São Bernardo.


O detalhamento das condicionantes históricas que levam o Grande ABC a produzir apenas dois em cada 10 veículos leves brasileiros ajuda a compreender quão dura é a tarefa de promover o adensamento do parque automotivo regional. O prefeito de São Bernardo e presidente do Consórcio Intermunicipal, William Dib, teve bom começo de jornada ao facilitar a implantação de novo modelo compacto na Ford, mas é preciso muito mais para virar ou pelo mesmo estabilizar o placar de perdas. Um jogo complicado como esse só pode ser virado com trabalho de equipe, não com jogadas individuais.


Dib necessita da adesão dos demais prefeitos para conferir caráter regional à empreitada a fim de facilitar interlocução com esferas estadual e federal. Precisa do apoio de entidades como Sindipeças e Ciesp, para que a missão irradie comprometimento na cadeia produtiva. E os sindicatos devem integrar a força-tarefa para evidenciar que a cultura mudou tanto quanto as condições de competitividade no pós-globalização. Com ações deflagradas por essa espécie de coalizão institucional, espera-se que a marcha a ré do indicador regional de produção de leves possa ser destravada.


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