A constatação não é nada animadora, mas nem poderia ser diferente: ao longo dos 33 anos em que o Grande ABC perdeu quase metade da participação relativa no PIB (Produto Interno Bruto) nacional, as principais matrizes produtivas da região passaram por encolhimento radical em proporção inversa à expansão experimentada por outros territórios. É claro que o foco da análise recai sobre as indústrias automobilística e petroquímica, bases históricas de sustentação socioeconômica que só recentemente se tornaram alvo de dedicação estratégica por parte de representantes públicos e privados — William Dib, no caso automotivo, e Apolo (Associação das Indústrias do Pólo Petroquímico do Grande ABC).
Em 1970, o Grande ABC concentrava praticamente a totalidade da produção de automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus. Despontava como sinônimo de veículos da mesma forma que Holambra é lembrada como a cidade das flores. Mais de três décadas depois, a fatia no bolo brasileiro é constrangedoramente modesta para a região que ganhou fama de capital nacional.
Em 2004 o Grande ABC foi responsável pela produção de 23,86% dos veículos brasileiros. Das linhas de montagem da região saíram 527.602 do total de 2,2 milhões de unidades em todo País. O resultado é quase dois pontos percentuais inferior aos 25,7% registrados em 2003, de acordo com acompanhamento inédito realizado por LivreMercado com base em dados nacionais compilados pela Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) e informações regionais repassadas por montadoras e sindicatos de trabalhadores. Significa que, de toda produção veicular, menos da quarta parte é manufaturada no território bafejado pela política indutora de Juscelino Kubitschek na década de 50.
Ao destrinchar o percentual geral de 23,86% por categoria de produto, é possível extrair espécie de prêmio de consolação e outra conclusão ainda mais preocupante. O prêmio de consolação é que, pelo menos no segmento de veículos pesados, o Grande ABC continua nadando de braçadas. A produção regional correspondeu a 60,1% do total do País em 2004, já que Ford, DaimlerChrysler e Scania montaram 81.672 dos 135.796 caminhões e ônibus made-in-Brazil daquele ano, mais que os 58,1% do ano anterior. Dois bons motivos explicam porque os veículos pesados constituem espécie de reserva patrimonial resistente à desindustrialização: a produção de caminhões e ônibus é naturalmente verticalizada, diferentemente da de automóveis, normalmente mitigada e distribuída por diversas regiões. Além disso, veículos pesados embutem mais valor agregado, que compensam custos comprovadamente mais elevados no Grande ABC.
A conclusão mais preocupante é que o poderio em caminhões e ônibus contrasta com a vulnerabilidade em automóveis e comerciais leves, segmentos mais intensivos em mão-de-obra e que representam acima de 90% da produção veicular nacional. A participação do Grande ABC na produção de automóveis e comerciais leves caiu de 23,71 para 21,49% entre 2003 e 2004. Conclusão: se de cada 10 caminhões e ônibus brasileiros seis saem das fábricas instaladas na margem da Via Anchieta, em São Bernardo, de cada 10 automóveis e utilitários leves apenas dois são produzidos pelas fábricas da Volkswagen, Ford e General Motors na região.
Certa dose de pulverização geográfica da produção automotiva seria fenômeno natural e completamente compreensível num País de dimensões continentais, mas não é o caso da dose cavalar que penalizou o Grande ABC. A perda relativa na produção nacional foi acentuada a partir da metade da década de 90 graças à política fernandohenriquista de garantir investimentos a qualquer custo. O regime automotivo acenou com festival de incentivos fiscais e creditícios via BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e, no fim das contas, várias fábricas foram atraídas para fora do eixo tradicional. Além de new comers como Peugeot, Renault e Citroen, como são chamadas as montadoras recém-chegadas ao País, as companhias radicadas no Grande ABC também aproveitaram estímulos para implantar fábricas que passaram a rivalizar por investimentos com as unidades região. A Volkswagen migrou para São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba, a General Motors tomou o rumo de Gravataí, no Rio Grande do Sul, e a Ford investiu todas as fichas da recuperação no mercado brasileiro no complexo industrial implantado na baiana Camaçari. É por essas e outras que, especificamente para o Grande ABC, o governo Fernando Henrique Cardoso foi seguramente o mais pernicioso da história da República e se situa no extremo oposto de Juscelino Kubitschek.
A Anfavea reconhece a mudança radical na geografia setorial ao comparar o mapa da produção de 1990 ao de 2004. Em 1990, antes do regime automotivo a custa de recursos públicos, o Estado de São Paulo liderado pelo Grande ABC respondia por nada menos que 74,8% da produção veicular brasileira, quase três vezes mais que os 24,5% de Minas Gerais, sede da Fiat, e incomparavelmente à frente dos 0,2% do Rio Grande do Sul, 0,5% do Paraná e 0,7% em Goiás. Em 2004, a participação de São Paulo caiu para 49,4% e a de Minas Gerais decresceu para 20,2%. Em compensação, Estados que tinham produção irrisória e outros que nem constavam do mapa passaram a registrar números crescentes. A participação do Paraná chegou a 9,9%, do Rio Grande do Sul a 6,4%, da Bahia a 8,6%, do Rio de Janeiro a 4,7%, e de Goiás a 0,8%.
A produção do Grande ABC foi superada pelo Interior do Estado porque a participação regional de 23,86% em 2004 ficou abaixo dos 25,54% obtidos pelo conjunto da Toyota em Indaiatuba, Honda, em Sumaré e General Motors e Volkswagen na região de São José dos Campos, conforme levantamento inédito de LivreMercado.
Petroquímicos
Assim como nos veículos, o Grande ABC foi o berço da produção nacional de petroquímicos com o pioneirismo do Pólo de Capuava em 1972. E a participação regional no bolo nacional despencou ao longo dos anos na medida em que novos pólos ingressavam ou expandiam capacidade. Até 1977 o Pólo do Grande ABC dominava de forma absoluta a oferta de insumos petroquímicos no Brasil. Com a entrada em operação da Copene na baiana Camaçari, em 1978, a fatia regional foi reduzida a 42% enquanto a concorrente do Nordeste abocanhou 58%. Com a implantação da Copesul em Triunfo, no Rio Grande do Sul, em 1982, a fatia do Pólo do Grande ABC caiu para 26%. Hoje se encontra em 15%, por causa de ampliações na capacidade das rivais e da implantação da central Rio Polímeros, em dezembro do ano passado. “A participação pequena no contexto nacional é um contra-senso porque a Região Sudeste responde por 70% do consumo de insumos petroquímicos no Brasil” — observa Nívio Roque, diretor da Polietilenos União e integrante da Apolo (Associação das Indústrias do Pólo Petroquímico do Grande ABC).
A camisa-de-força que manteve o Pólo do Grande ABC estagnado era a lei estadual de 1978 que impedia a expansão da atividade na Região Metropolitana de São Paulo. As amarras começaram a ser liberadas com a aprovação de substitutivo de autoria do deputado Donisete Braga, em 2002, e foram definitivamente rompidas graças ao empenho do presidente da República. Lula da Silva estreitou negociações com a Petrobras para viabilizar a expansão de 40% da capacidade produtiva da Petroquímica União, que saltará de 500 mil para 700 mil toneladas anuais de eteno em 2008. “A ampliação do pólo só saiu porque o presidente quis” — resume Nívio Roque.
O adicional programado para 2008 é pequeno quando comparado à capacidade de 1,2 milhão de toneladas de eteno tanto da Copene como da Copesul. Mas embute importância estratégica na medida em que abre precedente para vôos mais ambiciosos. Nívio Roque conta que técnicos da PQU e da Petrobras estudam a possibilidade de duplicar o Pólo de Capuava por volta de 2012. A medida é fundamental para a competitividade no longo prazo porque escala é essencial no mercado de commodities.
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12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES