Metropolização. Metropolização. Metropolização. Que as autoridades públicas do Grande ABC não esqueçam esse verbete. Mais que isso: que o transformem, de verdade, no mantra do desenvolvimento econômico. Vejam esses dados: o Grande ABC segue como epicentro de perdas econômicas da maior metrópole brasileira, a Região Metropolitana de São Paulo de 39 municípios e 19 milhões de habitantes. Com números coletados na Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo e corrigidos pelo IGP-M (Índice Geral de Preços do Mercado), da Fundação Getúlio Vargas, o IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos) constatou que o conjunto de sete municípios da região concentra as maiores quedas nas áreas de serviços e de transformação industrial da metrópole.
Entre janeiro de 1996 e dezembro de 2003 o Grande ABC viu desaparecerem R$ 11,3 bilhões de tudo que se diluiu em riqueza na Grande São Paulo, que acumulou R$ 15,2 bilhões. Para cada R$ 100 do PIB que se desfez na Grande São Paulo, R$ 74 saíram do Grande ABC.
Traduzindo essa equação de horror econômico com fundas implicações sociais em forma de desemprego, subemprego, esfacelamento do atendimento de saúde, transporte público caótico, criminalidade indomável e tantos outros males típicos de uma região em degeneração: o núcleo da crise metropolitana do País é o Grande ABC. Gostem ou não as autoridades públicas e todos os demais tomadores de decisão e formadores de opinião. Somos o centro da crise.
Esses novos números devem servir de alerta às autoridades públicas federais, estaduais e municipais que ainda não entenderam a gravidade do quadro socioeconômico da Grande São Paulo e, particularmente, do Grande ABC.
É verdade que foi encaminhado no mês passado à Assembléia Legislativa paulista o projeto de lei que pretende harmonizar as relações institucionais na Grande São Paulo. Entretanto, nada indica que a morosidade legislativa, subproduto de divisionismos político-partidários, pode acelerar medidas que há muito tempo se fazem urgentes. Aliás, cada vez mais urgentes, na medida em que disfunções urbanas, sociais e econômicas da RM de São Paulo não são um fenômeno, mas crônica de problemas anunciados ao longo de décadas.
Nem mesmo o crescimento registrado pela economia do Grande ABC em 2003, primeiro ano sob a presidência de Lula da Silva, possibilitou que o acumulado de perdas do governo Fernando Henrique Cardoso recuasse substancialmente. O crescimento do PIB de 6,21% em 2003, contra 1,8% da média da Grande São Paulo e 0,77% da Capital, apenas reduziu o peso de números históricos complicados para uma região que até os anos 80 se refestelou na multiplicação de investimentos geradores de emprego e fomentadores de mobilidade social. Esse Grande ABC de riqueza transbordante só existe na imaginação de quem hibernou socialmente.
São irrefutáveis os numerais do desempenho do Grande ABC nos últimos oito anos iniciados em janeiro de 1996 e encerrados em dezembro de 2003. Afinal, PIB é medida insubstituível de riqueza. A diferença do valor de insumos petroquímicos que, no extremo da produção, se transforma em pára-choques de veículos, é contabilizada como Valor Adicionado. Incluem-se salários, serviços diversos como energia elétrica, telecomunicações, impostos, transporte, entre outros indicadores. Se essa e tantas outras cadeias de produção registram menor volume financeiro ao longo dos anos, está mais que evidenciado: a economia afrouxou o ritmo.
Por isso, não é difícil compreender a quebra do PIB no Grande ABC. É impossível qualquer conglomerado humano assimilar queda tão volumosa de geração de riqueza em tão pouco tempo. Os R$ 11,3 bilhões que sumiram do Grande ABC em oito anos correspondem a praticamente uma vez e meia o crescimento real verificado nos 19 municípios da Região Metropolitana de Campinas.
Isso mesmo: aquela região do Estado aumentou em R$ 8,5 bilhões o PIB no mesmo período de janeiro de 1996 a dezembro de 2003, enquanto o Grande ABC caía R$ 11,3 bilhões. Em 1995 a economia do Grande ABC de atualizados R$ 41,8 bilhões de PIB era 23,2% superior à Grande Campinas, com atualizados R$ 32,1 bilhões. Em dezembro de 2003 o Grande ABC registrava R$ 30,5 bilhões, contra R$ 43,6 bilhões da Grande Campinas, que, ao inverter os números absolutos, passou a apresentar superioridade de 23,2%.
Não é por acaso que boa parte das indústrias que deixaram o Grande ABC na última década e meia enfileiram endereços na Grande Campinas de 19 municípios e população estimada em 2,6 milhões para este ano, um pouco acima dos 2,54 milhões de Santo André e demais municípios da região. Quem passear por aquela região num final de semana se sentirá praticamente em casa se o referencial forem logomarcas de indústrias às margens das rodovias.
Ainda utilizando a Região Metropolitana de Campinas como referencial, a perda acumulada do PIB pelo Grande ABC nos oito anos significam um terço de toda a riqueza produzida por aquela região em 2003. Um pouco mais e as perdas registradas pelo Grande ABC praticamente empatariam com o acumulado de 2003 de R$ 14 bilhões da Baixada Santista de nove municípios liderados pelo portuário Santos. Ou praticamente os R$ 11 bilhões de toda a microrregião de Sorocaba, composta por 15 municípios. Ou mais da metade da Microrregião de São José dos Campos, com oito municípios e PIB de R$ 21,4 bilhões em dezembro de 2003.
Em meio a esse vendaval, a boa notícia para o Grande ABC é que os 6,21% de avanço do PIB em 2003 e a perspectiva de nova safra de bom resultado no ano passado, quando a indústria automotiva deu novo salto de produção, colocam imensa carga de confiança no caminho. Isso significa que é provável que o Grande ABC estancou para valer a derrocada econômica.
Entretanto, e a ponderação é honestamente indispensável, a estabilização e mesmo alguns sinais de avanço do PIB não podem mascarar a dificuldade para o Grande ABC se reequilibrar socioeconomicamente. Esses números têm, no caso da região, mensagem mais emblematicamente estatística. Tudo porque a recomposição do PIB sob a plataforma de avanços tecnológicos, melhoria de processos, treinamento e reciclagem de trabalhadores não dá sustentação de que o tecido social será reconstruído. Afinal, produtividade é palavra mágica do mundo corporativo para alcançar competitividade internacional.
No caso específico do Grande ABC, que depende extraordinariamente do setor automotivo que, por sua vez, está atado ao desempenho no mercado externo, os ganhos de produção e de produtividade são repassados apenas tangencialmente à sociedade. Tanto é verdade que o saldo de 27.148 mil empregos industriais com carteira assinada nos últimos quatro anos é praticamente residual diante da macabra numerologia de 100 mil postos de trabalho decepados entre 1990 e 2000 no mesmo setor industrial. Quando se sabe que a cada ano 25 mil pessoas ingressam na População Economicamente
Ativa do Grande ABC, tem-se a dimensão do tamanho do buraco social.
O que se depreende dos números mais atuais de comportamento do emprego industrial é que a maioria das empresas sediadas no Grande ABC exagerou na dose de enxugamento de quadros nos anos 90, pressionadas pelo modismo internacional que radicalizou a reestruturação de chãos de fábricas e de gerências sobrepostas e unifuncionais.
A onda da terceirização varreu as empresas brasileiras logo após o período de abertura das alfândegas, no início dos anos 90, e se aprofundou com a estabilidade do real, artificialmente valorizado, além das taxas de juros elevadíssimas e de medidas adicionais de abertura do mercado ao capital estrangeiro em forma de suprimentos, fusões e aquisições. Houve, por isso, medidas cirúrgicas em situações que recomendavam terapias brandas. Muitas decisões se provaram improcedentes na exata medida em que, principalmente após a desvalorização da moeda, em janeiro de 1999, o Brasil retomou números positivos de crescimento econômico.
O choque na economia do Grande ABC foi prevalecentemente no setor automotivo, atingido em cheio também pela descentralização em direção ao Interior paulista e a outros Estados patrocinadores de guerra fiscal. Por isso mesmo, quem menos sofreu nos oito anos pesquisados pelo Instituto de Estudos Metropolitanos foi Santo André. O PIB foi rebaixado em termos reais em 15,40%, praticamente metade da média regional de 27,08%.
Explica-se a queda menor pelo fato de que nos 30 anos anteriores Santo André viveu inferno astral de debandada industrial de pequenas e médias empresas têxteis e metalúrgicas, sem reposição minimamente substantiva na área de serviços.
São Bernardo e São Caetano, sedes das montadoras de veículos do Grande ABC, contabilizaram perdas semelhantes e igualmente inquietantes de produção industrial durante os oito anos pesquisados pelo IEME. São Bernardo caiu 30,12% e São Caetano 36,08%. Mais diversificada e espécie de quintal de autopeças de São Bernardo, Diadema caiu 23,87% no período. A químico-petroquímica Mauá sentiu menos o golpe, com 18,80% de rebaixamento.
Rio Grande da Serra e Ribeirão Pires foram à degola. A pequena Rio Grande caiu 46,98%, enquanto Ribeirão Pires bateu o recorde da Região Metropolitana de São Paulo, com perda de 56,56% nos oito anos. Os dois municípios sofrem sérias restrições da Lei de Proteção dos Mananciais. As exigências ambientais sobrecarregam custos locacionais e operacionais de empresas industriais, principais indutores de crescimento do PIB. Além disso, deslocadas do eixo urbano do Grande ABC, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra têm insuperáveis obstáculos de logística.
A possibilidade de o trajeto do trecho sul do Rodoanel Mário Covas recolocar os municípios do Grande ABC na rota da recuperação econômica é uma faca de dois gumes já admitida por executivos públicos que inicialmente só enxergavam cores berrantes de sucesso incontestável. É verdade que o Grande ABC está estrangulado em logística, intestinamente relacionada a uma Região Metropolitana na qual, segundo fontes especializadas, acrescentam-se 30% de custos de transporte de insumos e produtos acabados por conta do que os técnicos chamam de deseconomia de escala.
Cruzar internamente toda ou parte da Grande São Paulo é tormento para quem tem também custos de transporte como elemento diferenciador de competitividade. Por isso, a conclusão de apenas 30 quilômetros do trecho oeste do Rodoanel, que contempla Osasco e outros municípios, é muito pouco para a Região Metropolitana de São Paulo dar sinais de que pode reagir e estabilizar os números do PIB. O que se tem dado de fato é que a chamada Grande Osasco está se beneficiando da obra, atraindo empreendimentos que, na maioria dos casos, deslocam-se de outros municípios da Grande São Paulo. Notadamente do Grande ABC.
Tanto é verdade que ao final de 1995 os sete municípios da região contabilizavam PIB 63,37% superior ao da Grande Osasco, formada por Osasco, Barueri, Carapicuíba, Taboão da Serra, Cotia, Itapevi, Jandira e Santana de Parnaíba. Em 2003 a diferença em números absolutos se estreitou para 36,46%. Traduzindo em números monetários, deflacionado os valores pelo IGP-M da Fundação Getúlio Vargas: em 1995 o Grande ABC somava PIB de R$ 41,8 bilhões, contra R$ 15,3 bilhões da Grande Osasco. Em 2003 o Grande ABC regrediu para R$ 30,5, contra R$ 19,4 da Grande Osasco.
A faca de dois gumes que envolve o Grande ABC e o trecho sul do Rodoanel é inquietante. Da mesma forma que os 57 quilômetros que vão interligar Mauá à Régis Bittencourt, na Capital, passando tangencialmente por Santo André, São Bernardo e Diadema, favoreceria a região com o fluxo de tráfego pela via expressa, a recíproca é verdadeira, porque empresas instaladas no Grande ABC poderiam preferir outros endereços menos caros da Grande São Paulo e da Grande São Paulo Expandida, no caso as regiões de Campinas, Sorocaba e Vale do Paraíba, porque passariam a contar com maiores facilidades para chegar ao Porto de Santos.
Planilhas detalhadas de custos gerais de produção no Grande ABC confrontadas com nova sede empresarial de valores mais assimiláveis em recursos humanos, despesas locacionais e qualidade de vida, poderiam concluir que eventual elevação do custo relativo de logística seria neutralizado. Essa operação, quando sugerida, chegou a irritar defensores do trecho sul do Rodoanel. Nem precisaria tanto, porque é evidente que em várias atividades industriais a logística de transporte beneficiada com a via expressa e a proximidade do Porto de Santos sustentará e valorizará o território do Grande ABC.
Mas também é evidente que a distância e os custos logísticos de quem produz nas proximidades da Grande São Paulo e sofre com o caos metropolitano ganharão novo influxo com a corrente de velocidade e exclusividade de uso do Rodoanel que se promete concluído nos próximos três anos.
Certo mesmo é que para determinadas atividades em que estar no Grande ABC mesmo sem Rodoanel é muito mais vantajoso do que em outros pontos da Grande São Paulo e mesmo da Grande São Paulo Expandida, nada se alterará significativamente. Resta saber, até que ponto esse perfil terá peso na equação logística que se desenha. É aí que entram as especificidades das atividades econômicas, quando se alinham outros componentes para a definição de investimentos. E não são poucos.
Quando a Gráfica Bandeirantes deixou uma São Bernardo em que se instalara quase 50 anos antes e decidiu se fixar em Guarulhos, a consultoria contratada apresentou planilha com mais de 200 itens de pesos diferenciados. Ponderaram-se muitos vetores e, no caso da Bandeirantes, a logística de recebimento de insumos e de distribuição de produtos acabados desviou a rota de preferência pessoal dos acionistas em favor de Guarulhos.
Imaginar, entretanto, que, basta o trecho sul do Rodoanel para a Gráfica Bandeirantes se encantar pelo Grande ABC é desconsiderar, de novo, os demais fatores. O custo da mão-de-obra e o peso dos tributos municipais entram em jogo nessas horas em que eventualmente se estabelece mudança no campo logístico.
Por isso, todo o debate que autoridades públicas da região protagonizaram no mês passado nas páginas de jornais sobre os caminhos que devem ser trilhados na guerra fiscal para combater inimigos estranhos ao território do Grande ABC, e mesmo internamente, não passa de jogo de cena.
Não serão apenas alguns incentivos municipais que vão acabar com o impasse que o Grande ABC vive desde que a globalização abriu as fronteiras do mercado automotivo e a descentralização da atividade premiou com incentivos fiscais pesadíssimos vários Estados brasileiros. O Grande ABC vive crise de competitividade que vai muito além da compartimentação tributária, logística, salarial, ambiental e mesmo cultural.
A crise do Grande ABC ganha forma de vasos comunicantes entre todos esses obstáculos. Por isso, debater isoladamente esses aspectos é chover no molhado. E isso as autoridades públicas, as lideranças empresariais e técnicos em diferentes especialidades já o fizeram à exaustão ao longo dos tempos.
Gostem ou não os dirigentes públicos e privados do Grande ABC que se lançam em busca de saídas para tornar a região mais competitiva por investimentos, somente uma consultoria especializada poderia garantir fachos de luzes na escuridão prática e desordenada de reorganização econômica do Grande ABC.
Redesenhar o perfil econômico do Grande ABC, sem abdicar mas também sem sacralizar o setor automotivo que representa 70% do PIB regional, é missão para quem entende do riscado de competitividade internacional. Não só isso.
Que também tenha autonomia para recompor o mapa do desenvolvimento regional que, no passado, por ser obra empírica, de cumulatividade de improvisos, só poderia dar no que deu em sentido linearmente contrastante – longo período de crescimento descontrolado da ocupação industrial com intensa mobilidade social seguido de uma década e meia de evasão incontrolável do parque produtivo em paralelo ao terror de famílias deserdadas do direito de evoluir economicamente.
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12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES