Por menos de dois salários mínimos, no caso específico R$ 500, filas enormes e cuidadosamente alfabéticas se formaram em Santo André em busca de mil vagas para o call-center da TIM, uma das multinacionais de telecomunicações que desembarcaram no Brasil na onda da privatização.
A modalidade introduzida para o recrutamento de profissionais com propostas de salários que são apenas 20% da média da base das montadoras de veículos da região desnuda sinais dos tempos. Saímos da fluvialidade do emprego industrial de mobilidade social e mergulhamos de vez na área de serviços de baixo rendimento.
Sei lá quais são os critérios de seleção de estimados 10 mil candidatos às mil vagas, mas desconfio de que por mais que se tenha ampliado o leque geográfico dos pretendentes, um dos principais pontos a definir quem vai se sentar num dos chamados pontos de atendimento seguirá a lógica de proximidade.
Como há abundância de 10 concorrentes para cada vaga, provavelmente a TIM não enfrentará dificuldades para conciliar o útil da realidade salarial do segmento ao agradável de contar com quadro de recursos humanos que não precisará se descabelar no trânsito e lhe impor custos adicionais vinculados ao vale-transporte e ao estresse metropolitano.
Aliás, não seria novidade alguma se a empresa do Grupo Pirelli decidisse pela geografia em caso de desempate na seleção de novos colaboradores. Essa é a prática de empresas de todos os portes. A logística do trabalho pesa na hora da contratação.
A cronologia alfabética aplicada pela TIM para arregimentar preliminarmente os concorrentes às mil vagas mostra a diferença do cuidado com a imagem corporativa e institucional entre o setor privado e o setor público. Não faz muito tempo nas imediações da Prefeitura de Mauá tivemos público de final de campeonato, com mais de 20 mil desempregados a lutar por algumas centenas de empregos temporários de salários menores que os anunciados pela multinacional italiana. Virou manchete de jornais e telejornais.
A TIM teve sensibilidade para evitar que o Brasil fosse impactado por uma bomba para muitos ainda inconcebível, ou seja, que o Grande ABC cantado em verso e prosa como um dos núcleos mais viçosos do capitalismo tupiniquim se transformou em campo de concentração de deserdados sociais. Ou alguém vai conseguir me convencer que o desemprego bruto ou dissimulado em formato de informalidade e de autonomismo funcional não é nua e cruamente a porta de entrada do inferno da imobilidade social?
É claro que seria ótimo se outras empresas de call-center aportassem por aqui com a volúpia da TIM. Por menor que seja a média salarial, emprego é sempre bem-vindo porque valores materiais e psicológicos lubrificam a auto-estima e amenizam as dores sociais. A faixa salarial é uma realidade de mercado que empresa alguma deve alterar aleatoriamente. Se o fizer, fatalmente entrará no acostamento da competitividade.
O que precisamos como região de mais de 230 mil desempregados da População Economicamente Ativa é fixar metas de mudanças estruturais das matrizes produtivas e de serviços. A criação da Universidade Federal do Grande ABC é divisor de águas nessa equação. Dependerá em larga escala da visão de seus formuladores o tom econômico e social que o Grande ABC dará no futuro.
Será que ficaremos assistindo ao bumbo repetitivo de silvícolas intelectuais que não conseguem avançar um milímetro além do congelamento ideológico de frases feitas e princípios obtusos ou conseguiremos ouvir uma orquestra afinadíssima e versátil que nos remeterá a novas jornadas?
Não posso admitir que o Grande ABC esteja de fato na encruzilhada que por um lado insiste num modelo improdutivo de Ensino Superior, no qual valem mais os títulos acadêmicos, e de outro sugere a lucidez de se mirar para o mundo mais avançado e, a partir daí, atacar com precisão os nichos de mercado com uma mão de obra qualificada tecnicamente.
Com todo o respeito, agradecimentos e comemorações que a TIM merece, porque está gerando postos de trabalho numa região em que o desemprego principalmente entre os mais pobres é uma calamidade, não podemos depender apenas dessa tipologia econômica. O chamado terciário de valor agregado, sugerido por Celso Daniel em histórica entrevista a mim concedida há quatro anos, é um desafio ao qual a UFABC necessariamente terá de dar respostas.
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12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES