Sociedade

Quando o Clube dos Prefeitos vai
abrir a caixa-preta imobiliária?

DANIEL LIMA - 15/06/2015

O Clube dos Prefeitos da Província do Grande ABC é um engodo de mais de duas décadas, com alguns períodos sazonais de consistência, principalmente durante a gestão de Celso Daniel. Mesmo assim, pode finalmente saltar das catacumbas de improdutividade com uma simples manobra de responsabilidade social: abrir a caixa-preta, pretíssima, do setor de construção civil.

 

A inadimplência indecorosa da MBigucci junto aos cofres de Santo André, agravada pela tentativa de negociar uma área imprestável em troca da dívida ativa, é apenas o fio de uma meada que pode render muitos dividendos políticos, administrativos e financeiros às atuais administrações municipais. Resta saber se valeria a pena comprar essa briga com um setor tão pródigo em financiamento eleitoral como em tornar a mobilidade urbana uma tremenda roubada.

 

É preciso querer comprar essa briga, portanto. E para querer, nada melhor que uma atuação conjunta no Clube dos Prefeitos, instância supostamente de interesse coletivo convergente.

 

Clube dinamitado

 

O Clube dos Especuladores Imobiliários, presidido há décadas pelo empresário Milton Bigucci, envolvidíssimo com a Máfia do ISS em São Paulo, certamente seria dinamitado. A agremiação, que vive especificamente de lobby privilegiador de alguns poucos mercadores imobiliários, é propagadora invisível de artifícios de elevam às alturas a rentabilidade dos negócios.

 

Calcula-se que o crédito das prefeituras da região junto aos contribuintes locais ultrapassa a R$ 8 bilhões. É muito dinheiro. E desse total uma larga parcela é do mercado imobiliário, useiro e vezeiro em tirar vantagens financeiras, econômicas e jurídicas de não pagar os impostos que deve, ou de pagar apenas parte, devidamente desvalorizados monetariamente. Milton Bigucci é um mestre nessa área, como comandante do maior grupo empresarial do setor na região. A reportagem do Diário do Grande ABC da semana passada deixou isso evidenciado. O benemerente protetor de criancinhas, segundo sua versão, não passa de protelador insensível de obrigações fiscais.

 

O vazamento dos valores surrupiados pela MBigucci do orçamento da Prefeitura de Santo André por manobras protelatórias bem que poderia abrir os portões da transparência das dívidas ativas dos municípios locais, a partir do setor de construção civil. Uma tomografia completa dos sete municípios, com transparência absoluta e especialistas independentes para analisar as planilhas, provaria que muito da riqueza de empresários do setor que flertam o tempo todo com a malandragem ou com a esperteza deriva de metodologia ética e moralmente contraventora de ganhar muito acima do razoável e das leis invisíveis do capitalismo.

 

Barreiras a demolir

 

Objetivamente, mas objetivamente mesmo, o que poderiam os prefeitos desse bicho de sete cabeças que é a gestão pública da região efetivarem para, no Clube dos Prefeitos, darem uniformidade, celeridade e punibilidade às medidas que recolheriam os destroços de safadezas diversas e espertezas infinitas que garantem a farra do boi fiscal dos mercadores imobiliários?

 

Para começar, ao invés de gastar dinheiro, como vem gastando, com projetos de publicidade, o Clube dos Prefeitos deveria contratar consultoria de especialistas em direitos fiscais para iniciarem ação restauradora do mercado imobiliário. Basta lhes entregar os respectivos bancos de dados do setor de construção civil. Não interessaria apenas as planilhas de devedores, mas também ou principalmente planilhas com o histórico de todos os grandes e médios contribuintes e inadimplentes da atividade.

 

Por que mexer com quem não deve nada de tributos? Para saber até que ponto os resgastes consumados após engenharias redutoras do peso fiscal não se deram de forma irregular, quando não frutos de delinquência, uma das especialidades de gente que segue a cartilha do presidente do Clube dos Especuladores Imobiliários.

 

Há série de iniciativas que poderiam fazer parte do coquetel de ações dos tributaristas que desvendariam a última década de contravenções explícitas ou protegidas por legislações falhas de modo a elevarem os lucros que o boom imobiliário naturalmente já proporcionaria.

 

Haddad é bom exemplo

 

A Prefeitura de São Paulo, nesta gestão Fernando Haddad, e o Ministério Público Estadual, que atua em conjunto com a Controladoria-Geral de São Paulo no desbaratamento da roubalheira que a Máfia do ISS e de outros impostos patrocinou durante vários anos, poderiam prestar assessoria pedagógica à montagem desse grupo especial de investigação do mercado imobiliário da Província do Grande ABC.

 

O promotor Roberto Bodini, mergulhadíssimo na Máfia do ISS, é um especialista a ser convidado no mínimo para uma conferência de suporte à organização dessa força-tarefa. Ou seja: por conta de que o Poder Público como um todo começa a dar sustentação a empreitadas que visem a rebaixar os níveis de corrupção no mercado imobiliário, vaca leiteira protegidíssima por malandros juramentados, caminha-se quem sabe para a disseminação de programas profiláticos.

 

Será que Gabriel Maranhão, titular do Paço de Rio Grande da Serra que preside formalmente o Clube dos Prefeitos da Província do Grande ABC, tomará alguma iniciativa nesse sentido? Duvido, porque, como se sabe, está subordinadíssimo a Luiz Marinho, que comanda o petismo na região com influência em várias agremiações da base de sustentação de Dilma Rousseff.

 

Maranhão só é prefeito dos prefeitos da região por formalidade estatutária, já que Luiz Marinho não poderia candidatar-se à reeleição após dois anos consecutivos de mando no turno de São Bernardo. Mas Marinho é a ponta de lança que conecta os interesses do PT na região ao governo federal em Brasília e a outras tantas outras instâncias extragovernamentais. Inclusive onde o leitor mais informado e prospectivo pode imaginar.

 

Reescrever a história

 

A pífia história do Clube dos Prefeitos do Grande ABC poderia ser reescrita a partir de uma jornada de limpeza desse campo de estrume do mercado imobiliário. Quem acha que essas palavras são um exagero possivelmente vive em universo paralelo. Em novembro do ano passado o então controlador-geral da Prefeitura de São Paulo, Mário Vinicius Spinelli, já há algum tempo contratado pela Prefeitura de Belo Horizonte, concedeu uma entrevista ao jornal Valor Econômico e desfilou frases que tornam a acidez deste jornalista café pequeno. “O setor de construção civil se vê envolvido, de forma reiterada, em escândalos de corrupção. A relação com o setor público é marcada pela promiscuidade”, disse o homem que, juntamente com o MP Estadual, foi um dos responsáveis por desmantelar um dos maiores esquemas de corrupção da Prefeitura de São Paulo, a chamada Máfia do ISS, que desviou R$ 500 milhões dos cofres públicos.

 

E para o promotor criminal de Santo André, Roberto Wider Filho, que recentemente denunciou apenas servidores públicos como participantes da Máfia do Semasa, um escândalo de proporções nunca dimensionadas para valer, outra declaração de Mário Vinícius Spínelli cai como uma luva de realidade: “A Máfia do ISS na maior Prefeitura do País é uma clara demonstração da tolerância das empresas desse setor com a corrupção. Tenho a convicção de que as empresas teriam todos os meios de fazer chegar às autoridades que uma máfia estava instalada na prefeitura. No entanto, não foi isso que aconteceu. Além de serem extremamente tolerantes, as empresas se beneficiaram diretamente”, afirmou Spinelli.

 

Uma pena que o promotor criminal de Santo André tenha observado distinção entre os crimes no Semasa e os crimes na Prefeitura de São Paulo quando se sabe que, inclusive, pecadores da capital atuaram igualmente na região, construindo o modelo de ladroagem com ampla participação do empresariado corrupto.



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