Dois símbolos do Grande ABC arcaico, individualista, negligente e imprevidente estão indo para o ralo. O Best Shopping e o Golden Shopping, vizinhos infortunados em São Bernardo, estão em vias de contar com novos proprietários. Nada mais providencial. Principalmente porque o conceito atual de investimento estrangula a individualidade fraccionada com que os dois empreendimentos foram concebidos e geridos até se exaurirem em suas próprias anomalias.
Demorou demais para os proprietáricos do Best e do Golden compreenderem que patrimonialismo ortodoxo engrossa a lista de obituários empresariais na medida em que o mundo se globaliza, as relações corporativas submetem-se a critérios de rede e a complementaridade suplanta o autarquismo.
É muito difícil argumentar que tanto o ponto em que se está instalado o Golden quanto a localização do Best sejam economicamente inviáveis e que, portanto, se cristalizam como micos irrecuperáveis. Principalmente porque, convenhamos, tecnicamente não o são.
Distanciados entre si em não mais que 500 metros e encravados numa região de classe média de São Bernardo, suplementarmente beneficiados com a proximidade da Anchieta, tanto o Best quanto o Golden são potencialmente grandes chamarizes do terciário.
Por que, então, naufragaram? Por razões semelhantes às que nocauteariam uma General Motors, por exemplo, caso seus acionistas se travestissem de proprietários e, cada um, olhando para a própria carteira, se julgasse especialista em marketing no sentido mais amplo da especialidade.
Provavelmente a GM produziria veículos que não só se canibalizariam como seriam contraproducentes à dinâmica internacional de competitividade. Talvez não faltasse quem relutasse à lógica de quatro rodas para os veículos de passeio e, contrariando todas as regras de aerodinâmica e de segurança veicular, batesse o pé em favor de apenas duas pelo simples prazer de inovar sem medir consequências.
Pois tanto o Best Shopping quanto o Golden Shopping foram geridos sob pressupostos de interesses específicos dos proprietários dos respectivos boxes, cujos horizontes estratégicos não ultrapassavam o próprio umbigo. Remaram em direções distintas, escravizados por interesses pessoais. Um modelo que se comprovou debilitador ao longo dos anos em empreendimentos com configuração semelhante.
O sucateamento dos dois shoppings que agora, renovados, podem reforçar o terciário de São Bernardo, tem forte analogia com a reticente integração regional. Como o Grande ABC que ficou se admirando endogenamente dos benefícios econômicos e sociais da industrialização e não se apercebeu da guerra fiscal que lhe roubou centenas de empresas, os dois empreendimentos subestimaram a chegada de competidores mais robustos e, principalmente, estruturados sob a administração centralizada e condominial, ou seja, imunes a interesses específicos.
O processo de raquitinização foi longo, demorado e dolorido, mas os proprietários dos pedaços dos dois empreendimentos relutaram em admitir que o todo fragmentado era muito menor do que exigia a capacidade de concorrer. Tratou-se, como se sabe, de morte certa cujo desfecho se deve apenas a aparelhos protelatórios. O Best resistiu menos, apesar de espernear. O Golden dá os últimos suspiros.
O Grande ABC tem comido o pão que o diabo amassou por causa da globalização ensandecida com que o Brasil foi inserido no mercado internacional. Particularmente, a região sofreu muito mais porque atiraram o setor nuclear da economia local, o parque automotivo, na boca do dragão da internacionalização dos negócios.
Entretanto, aos poucos vamos nos dando conta de que não dá para viver de ilusionalismo nem de individualismo. A formação de grupos de pequenas indústrias nos chamados APLs (Arranjos Produtivos Locais), sob a coordenação da Agência de Desenvolvimento Econômico, e também do cooperatismo expresso da ATA (Autoparts Tecnologies Alliance), com sede em São Caetano, entre outras iniciativas, são retratos fiéis de que estamos acordando depois de pesadelo que nos custou caro.
Esperamos, por isso, que não haja maiores turbulências na navegação rumo à regionalidade no bojo da metropolização organizada que o governo do Estado está anunciando em forma de Agência Metropolitana. O princípio para minimizar as alarmantes condições de vida da Grande São Paulo passa pela s situação do Best Shopping e do Golden Shopping: quem insistir em individualizar o que é estruturalmente coletivo vai quebrar a cara e sofrer grandes prejuízos.
Aliás, no caso metropolitano, a realidade caótica em que nos encontramos diz tudo e está compactada, por exemplo, no repetitivo espetáculo de rebeliões nas unidades de Febem, essas incorrigíveis incubadoras de deliquência.
Total de 1893 matérias | Página 1
12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES