Economia

Mais transformações

DANIEL LIMA - 19/12/2004

As transformações econômicas com sequelas sociais ainda não terminaram no Grande ABC, depois dos tenebrosos anos 90 de afrouxamento industrial e de avalanche de desempregados que procuraram se ajeitar em ocupações informais, muitas das quais sobrepostas e canibalescas.


Vivemos novos rescaldos da globalização. Nem mesmo o crescimento econômico desta temporada consegue demarcar pegadas de mudanças. Estamos nos beneficiando neste ano dos recordistas resultados de exportações de montadoras e autopeças sobreviventes do vendaval fernandohenriquista. Exatamente por terem resistido, tornaram-se preparadíssimas para a competição pelo mercado de exportação. Não faltarão triunfalistas ou ignorantes que julgarão esse todo menor sem considerar o todo maior e pouco uniforme de outros tempos.


Antes de invadir a área da explicitação do que poucos percebem em matéria de remelexos socioeconômicos na região, convém um parêntese. Trata-se do conceito do enunciado “exportador”. Os números do Valor Adicionado que emergirão da próxima contabilidade da Secretaria da Fazenda do Estado, no ano que vem, serão amplamente formidáveis. Farão com que o Grande ABC cresça um pouco mais que os 5,67% do primeiro ano do governo Lula da Silva e, com isso, reduza o rombo de 39% dos oito anos de FHC.


Exportações geram divisas, geram tributos, mas é rarefeito o equivalente em democratização de riqueza nas geografias em que as empresas estão instaladas. Os empregos industriais oferecem números relativamente satisfatórios na região neste ano, mas é muito pouco diante dos 100 mil postos de trabalho com carteira assinada que perdemos nos anos 90.


Feita essa explicação, voltemos à nova preocupação. Pinço o exemplo da Bridgestone Firestone para sustentar o nível de inquietação de quem vê mais que balanços na tecnicamente competitiva indústria regional. A BF estará se instalando em Camaçari, na Bahia, entre outros motivos porque o Grande ABC se lhe tornou caro economicamente. A nova fábrica seria construída em Santo André entre outras razões porque haveria série de ganhos logísticos internos, desde racionalidade da mão-de-obra até pontos importantes de engenharia produtiva.


Entretanto, mesmo assim, perdemos a corrida. O que que a Bahia tem que não temos? Tem mão-de-obra pela metade do preço. Tem uma Ford cada vez mais interessada em adensar a produção de veículos. Tem guerra fiscal. Tem força política. Na contabilidade final, os pneus de menor valor agregado que sairão da Bahia custarão em termos trabalhistas muito menos que os fabricados numa Santo André cujos ganhos salariais refletem o resultado regional de intensas lutas sindicais. Somos espécie de Europa Central cada vez menos resistente às seduções do Leste Europeu de custos relativos mais atraentes.


As montadoras da região que se escafederam o fizeram também porque as planilhas apontavam vantagens de se afastarem da calamidade urbanística da Grande São Paulo. Aqui o custo da terra é muito maior, a segurança pública é adicional de periculosidade, o desgaste no trânsito chega às raias da insanidade e os impostos municipais correm atrás da inflação, quando não a supera.


Para compensar tudo isso e outros pontos adicionais, a saída é a saída mesmo ou, em casos específicos, escolher o que se vai produzir preferencialmente para exportação. Por quê? Porque a vantagem cambial minimiza os custos locais. Mais? Produtos de maior valor agregado, isto é, em que pesam mais elementos de enriquecimento tecnológico e aplicativo, acabam por fazer refluir a incidência trabalhista com redução relativa de mão-de-obra.


A Bridgestone Firestone de Santo André vai dar preferência nos próximos tempos a fabricar pneus para veículos pesados, de valor unitário mais elevado. Entre as montadoras locais, apenas a Ford mantém produto da linha popular, no caso o moribundo Ka. As demais investem preferencialmente em produtos de exportação ou que ocupem faixas de consumidores locais mais privilegiados.


Qual será o fim dessa história? Seremos cada vez mais elitistas em produtos globalizados e cada vez mais periféricos em produtos que perdem a competitividade interna. Por essas e por outras o Grande ABC precisa cair na real de que carece de planejamento estratégico que dê conta da imensa horda de deserdados industriais cujos empregos jamais serão resgatados, exceto a conta-gotas como no caso deste ano de crescimento.


Em suma, precisamos massificar os parcos programas de empreendedorismo que têm em cooperativas de várias atividades e mesmo em incubadoras de empresas não mais que vitrines. São, como se sabe, exemplos importantes mas quantitativamente inexpressivos diante da explosão de excluídos sociais e funcionais dos anos 90.


A evasão da Bridgestone Firestone é puro instinto de sobrevivência e segue o figurino de tantas outras empresas que mantêm logomarcas na região, mas levaram parte do brilho para outras fronteiras.


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