Coluna Contexto, do Diário do Grande ABC
A melhor notícia do Grande ABC econômico nos últimos tempos está no que os mais eufóricos acreditam que seja o fim do ciclo de empobrecimento desvairado a que foi submetida a indústria regional a partir da abertura comercial no início dos anos 1990. Trata-se da quebra de uma etapa de acumulação de perdas do Valor Adicionado, espécie de PIB do setor industrial. Com crescimento real de 5,67%, conseguimos rebaixar para 33,33% as perdas cumulativas dos últimos nove anos.
Nada de extraordinário ou mesmo de ortodoxo aconteceu nos 12 meses do ano passado na geoeconomia do Grande ABC para que os otimistas incorrigíveis soltem fogos de artifício. Mas, também, nada de enraizadamente insuperável que alimente o derrotismo. A estatística precisa ser entendida em dimensão mais sensata. Reduzimos o placar de uma goleada impiedosa porque o quadro inflacionário atrelado ao IGPM (Índice Geral de Preços do Mercado), da Fundação Getúlio Vargas, deixou de ser contaminado pelos efeitos da desvalorização da moeda nacional. E também porque, com o ajuste dessa mesma moeda num eixo de realismo de preços internacionais, recalibramos nossa potencialidade exportadora, sobretudo no setor automotivo.
Em circunstâncias normais, o influxo da produção industrial do Grande ABC poderia nos conduzir a memoráveis comemorações. Poderíamos alinhar o resultado à loucura que tomou conta das ruas e avenidas de Santo André nesta última quinta-feira com a conquista da Copa do Brasil pelo Ramalhão. Mas, infelizmente, não é bem isso. Armadilhas estruturais nem sempre detectadas também ajudam a construir o edifício de explicações que nem nos leva aos céus nem nos retira integralmente do inferno.
Somos o endereço das transformações mais aceleradas e autoritárias de modernização industrial. O setor metalmecânico, que agrega automotivas e autopeças, passou pelo vendaval da globalização. Não ficou pedra sobre pedra de improdutividade, de negligência, de despreparo. Um preço terrível. A política macroeconômica à qual nos submeteu principalmente o governo FHC nos retirou do freezer protecionista do autarquismo alfandegário e nos lançou nas labaredas da competição internacional ingênua, sem critérios de reciprocidade, de gradualismo, de assimilação da dinâmica econômica. Sobretudo das pequenas e médias empresas.
É sintomática ao entendimento do balanço do navio da indústria regional a esquálida criação de 2.169 empregos com carteira assinada durante o ano passado, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego. Estamos em meio à tormenta de reacomodação da atividade na região, face aos ventos fortes da guerra fiscal, da guerra locacional, da guerra logística, enfim, de tudo que reúne dados mensuráveis de competitividade. A evasão de unidades produtivas ainda permanece. Seus efeitos sociais são tangíveis. Produzimos cada vez mais riqueza industrial relativamente com menos mão-de-obra porque as grandes corporações, sintonizadas com o mundo dos negócios, incorporaram os efeitos de investimentos em tecnologia, em processos, em treinamento e reciclagem de pessoal.
O lamentável em toda a trajetória de fragilização de nossa principal atividade produtiva é que insistimos em interpretar os botões do painel de controle da temperatura econômica como instrumentos de uma aventura saída da inventividade de gênios do faz-de-conta de virtualidades tecnológicas. Ainda não caiu a ficha de uma maioria de lideranças políticas e econômicas. Muitos já sabem avaliar o quadro de comprometimento socioeconômico, mas ainda acreditam que basta apertar um ou outro botão para acertar o prumo. Inspiração sem transpiração é solução aleijão.
Tecnicidades à parte, o fato mais importante da pesquisa que revela o aparente fim de uma degringolada histórica está na sensibilização de lideranças locais a, finalmente, apressarem o passo rumo à reorganização do setor industrial. Afinal, há uma numerologia disponível sem maculações interpretativas de inversão de sinais. Crescemos em termos reais quase 6% em Valor Adicionado no ano passado, enquanto a média do Estado de São Paulo, no mesmo período, perdeu para a inflação. Ganhamos, portanto, duas vezes. Se não soubemos reagir com as seguidas derrotas, que nos inspiremos nesses números positivos. Que o Ramalhão de vitórias impossíveis sirva de lição de humildade.
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12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES