A competitividade autofágica entre as montadoras ganhará contornos ainda mais dramáticos a julgar pelas perspectivas internacionais traçadas por Letícia Costa, presidente da consultoria Booz, Allen & Hamilton. De acordo com a especialista, o segmento passará por compactação radical nos próximos anos e sobrarão não mais que oito grupos automotivos em 2010, quantidade equivalente à metade de hoje.
Além disso, a executiva prevê que a ociosidade do parque produtivo da China — a meca atual das montadoras — atingirá nível estratosférico em cinco anos. Para compensar o vácuo do mercado interno, os chineses intensificarão o movimento de inserção em outras praças internacionais. Não é preciso ser mago para antever que o recrudescimento da competitividade delineada no horizonte próximo provocará ainda mais rupturas socioeconômicas no Grande ABC sobre rodas.
A redução do número de participantes no jogo automotivo resultará de um processo de depuração que o setor terá de promover para que o negócio de produção de veículos volte a ser lucrativo. Letícia Costa afirma que o setor automobilístico vive um ciclo de destruição de valor em nível mundial porque o preço das ações das companhias está em queda livre. E por que as ações caem e o retorno dos investimentos é insatisfatório há mais de duas décadas? Basicamente porque a concorrência é grande demais e o parque produtivo é muito maior que a capacidade internacional de absorção de produtos.
Mercados tradicionais como Estados Unidos, Europa e Japão não apresentam grande potencial de crescimento porque as populações são largamente motorizadas. Em contraposição, países onde o índice de motorização é baixo, como o Brasil, patinam no PIB e esbarram na exclusão social que torna o ônibus o único veículo verdadeiramente popular. Para uma capacidade instalada de três milhões de unidades, o País não vai consumir 1,4 milhão este ano.
A China vem se comportando como exceção nesse cenário estagnado. Com crescimento anual do PIB de 8% nos últimos 10 anos, a nação de 1,2 bilhão de habitantes se tornou espécie de queridinha das montadoras. O problema, aponta Letícia Costa, é que em 2008 a China terá capacidade para fabricar 7,2 milhões de unidades, mas o mercado interno absorverá apenas 3,2 milhões. Para eliminar a ociosidade, os chineses apostarão pesado em exportações lastreadas em moeda desvalorizada e farta mão-de-obra barata.
O Brasil corre o risco de sofrer com a invasão de automóveis produzidos do outro lado do mundo da mesma forma que testemunhou o arraso produzido por brinquedos asiáticos e outros itens do gênero logo após o rebaixamento das tarifas alfandegárias no início dos anos 90. A diferença é que as quinquilharias chinesas pecam pela qualidade, ao passo que automóveis obedecem a padrões globais.
Além da ameaça direta, a perspectiva da arremetida exportadora chinesa afeta o Brasil e o Grande ABC de forma direta na medida em que tende a preencher espaços que poderiam ser ocupados pelos produtos made in Brazil. A válvula de escape do mercado externo, que tanto tem ajudado a indústria automobilística a compensar a baixa demanda interna, terá vazão consideravelmente reduzida com o avanço da China.
Piso nacional — Indiferentes às ameaças internacionais, sindicalistas continuam agindo como se o Brasil ainda vivesse em tempos de mercado fechado. Sob a batuta do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, a confederação nacional da categoria acaba de promover seminário de três dias para discutir um plano de luta pela implantação do contrato coletivo nacional.
Os metalúrgicos pretendem unificar o piso salarial em todo o País com base nos custos comprovadamente mais altos do Grande ABC. A proposta aparentemente solidária em termos sociais é um contra-senso do ponto de vista econômico porque a improvável implementação acrescentaria ainda mais custos a um segmento que sofre com 44% de ociosidade e atravessa a pior crise dos últimos 10 anos, de acordo com o presidente da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), Ricardo Carvalho.
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12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES