Os dois pulmões que fizeram o Grande ABC economicamente forte não estão na alça de mira do governo federal que, após vários meses de discussões, definiu os setores que serão beneficiados por uma política industrial voltada ao crescimento econômico sustentado.
As derrapadas do governo Fernando Henrique Cardoso no setor automotivo e a necessária privatização do setor químico-petroquímico colocaram o Grande ABC entre a cruz da modernidade produtiva exterminadora das gorduras de mão-de-obra e a espadinha da imprevidência estratégica de preparar o terreno para unidades ocupacionais de qualidade. Com isso, saímos dos céus de um regime de protecionismo autárquico manipulador de aberrações produtivas para o inferno de uma globalização ensandecidamente exagerada, sem mecanismo gradual de adaptação.
Está nos jornais do final de semana que o governo Lula da Silva vai dar ênfase a quatro setores para oferecer maior equilíbrio à balança comercial do País e evitar, com isso, que a vulnerabilidade externa seja eterno enxugar de gelo a nos colocar invariavelmente de quatro junto ao sistema financeiro internacional. Ganham prioridade no governo Lula da Silva as áreas de semicondutores, software, fármacos e medicamentos e bens de capital.
O que os novos gestores federais pretendem poderia ter sido aplicado na virada da montanha do modelo autárquico para o figurino globalizador que encontrou no governo FHC o momento mais apropriado ao desenvolvimento sustentado. O governo pretende estabelecer metas de exportação, eficiência produtiva, criação de empregos e contribuição ao desenvolvimento regional.
O governo também reconhece que o tamanho de muitas empresas é pequeno para os padrões internacionais. Para garantir um futuro exportador ao País, pretende estimular a fusão de empresas ou a atuação conjunta para possibilitar a inserção mais ativa no comércio internacional. Também se compromete à obtenção de financiamentos por consórcio de empresas.
Transponham essas informações para o enunciado que produzi ainda outro dia sobre a forma como o setor automotivo nacional foi equivocadamente pulverizado nos últimos sete anos na esteira de uma guerra fiscal suicida que apenas substituiu parte dos empregos perdidos nas regiões mais tradicionais das montadoras, e também alimentado por generosos empréstimos do BNDES. Constatem com suas próprias inteligências o quanto o governo anterior pisou no tomate de um liberalismo sem contrapartidas, embalado por uma mídia especializada em produtos mas pouco habilitada a interpretar macroeconomia.
O que o governo Lula da Silva pretende promover seletivamente com a chamada política industrial direcionada a quatro setores o governo Fernando Henrique Cardoso poderia ter feito com as automotivas na metade da última década. Em vez de quase duas dezenas de montadoras geograficamente descentralizadas, poderíamos ter preservado as plantas mais antigas, estimulando-as a alcançar níveis de produtividade internacional com compromissos de exportação e realocação de mão-de-obra, entre outras medidas compensatórias.
Ao ser excluído do quarteto prioritário da indústria nacional, o setor automotivo provavelmente entendeu a decisão do governo Lula da Silva como um recado curto e grosso: já temos todos os ingredientes sobrerrodas para participar do jogo do comércio exterior e agora os protagonistas dessa balbúrdia de mercado preparada pelos alquimistas do governo anterior que se virem para encontrar o ponto de equilíbrio. O drama é que a solução passa necessariamente pela recomposição do poder de consumo que, por sua vez, precisa ultrapassar a ponte do desenvolvimento sistêmico.
Nenhuma atividade produtiva do País passou por problemas semelhantes à invasão estrangeira seguida de pulverização que colocaram o setor automotivo numa encruzilhada de ociosidade alarmante como a atual. Mais diretamente, nenhuma região do País sofreu e ainda sofre os percalços dos desajustes macroeconômicos e setorais, além do Grande ABC, excessivamente dependente das automotivas e autopeças. Por isso mesmo, o governo Lula da Silva precisa combinar políticas setoriais e políticas regionais para que sua administração não se preste apenas a minimizar a natureza debilitada do nosso potencial exportador, que não passa de 0,9% do mercado mundial, enquanto a realidade prática de comunidades locais se agrava ainda mais.
Precisamos de melhores números no comércio exterior, mas não podemos continuar jogados às traças em propostas que reenquadrem o Grande ABC na bitola de desenvolvimento sustentado há muito dinamitado por imprevidências locais, estadual e federal.
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12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES