Está na Folha de S. Paulo de hoje que a presidente Dilma Rousseff sancionou ontem com um único veto a lei que regulamenta o direito de resposta na imprensa. Isso vai dar o que falar. Será, sem duvida, o playcenter dos delinquentes sociais. O que pergunto é o seguinte: o direito de resposta não deveria implicar em obrigação de responder? Até que ponto o direito de resposta não se transformará em direito de mentir, de sofismar?
Particularmente para este jornalista, até onde o bom senso alcança e a responsabilidade social impera, a legislação é ótima oportunidade de desmascarar ao vivo em cores, nestas páginas digitais, os malandros juramentados que se esquivam de temas que os apavora. Foi por isso, aliás, que criei a editoria de “Entrevista Indesejada”, da qual a quase totalidade foge como o Diabo da cruz.
Se, com o direito de resposta, eles tiverem a coragem de sair da toca, mesmo que saiam com sofismas, com malandragens semânticas, com tudo aquilo que se conhece em matéria de banditismo verbal, sempre haverá a possibilidade de responder ao direito de resposta. É o que se supõe da leitura atenta do projeto de lei sancionado ontem. Ou seja: ainda não proibiram os jornalistas de se oporem a informações vazias, quando não mentirosas, interpostas como roupagem de direito de resposta.
Segundo a Folha de S. Paulo apurou na noite de ontem para publicar na edição de hoje, a presidente Dilma Rousseff vetou o dispositivo que afirmava que, em TV ou rádio, “o ofendido poderá requerer o direito de dar a resposta ou fazer a retificação pessoalmente”, trecho criticado por entidades da imprensa. O trecho, segundo a Folha, havia sido aprovado pelo Senado, retirado do projeto pela Câmara, mas reinserido pelos senadores. Alguns novos parágrafos da matéria da Folha:
A nova lei vale para notícia divulgada por veículo de comunicação em qualquer tipo de plataforma, como jornal impresso, internet, rádio ou TV. De acordo com o texto sancionado, a publicação terá que ter atentado contra “honra, intimidade, reputação, conceito, nome, marca ou imagem” do ofendido.
Artimanhas perigosas
Quem conhece as artimanhas de advogados contratados a peso de ouso por clientes enrascados, como é o caso do empresário Milton Bigucci nas ações que move contra este jornalista entre outros motivos porque detesta a verdade dos fatos, quem conhece as artimanhas, dizia, sabe do que eles são capazes para levar no bico o Judiciário nem sempre atento às especificidades dos meios de comunicação.
Querem um exemplo prático do que a nova legislação poderá representar para os veículos de comunicação? Vejam o que está escrito num dos editoriais do jornal O Estado de São Paulo de hoje sob o título “Arreganhos do desespero”:
Enquanto Lula corre contra o tempo e age nos bastidores na tentativa de convencer Dilma a adotar uma “nova política econômica” que preserve o potencial eleitoral do PT – quer dizer, próprio—seu partido decide a pretexto de se defender, partir para o ataque a tudo e a todos que representam ameaça a seu projeto de poder. Recorrendo ao velho hábito de usar as palavras para obter efeito exatamente contrário ao que elas significam, a direção nacional do partido está distribuindo milhares de cópias de um texto intitulado “Em defesa do PT, da Verdade e da Democracia”, que já é mentiroso a partir do título porque não defende coisa alguma. Ao contrário, dedica-se em suas 34 páginas a atacar ferozmente a Operação Lava Jato, o juiz Sérgio Moro, o ministro do STF, Gilmar Mendes, os tucanos, a imprensa, acusando a todos de, com base em óbvias mentiras, estarem empenhados numa campanha para “eliminar o partido da vida pública brasileira” – escreveu o Estadão.
Invadindo territórios
Não é nada improvável que o Partido dos Trabalhadores, favorecido pela legislação que acaba de ser sancionada pela presidente da República, igualmente petista, utilize-se de manobras para, vejam só, ocupar numa das edições do Estadão o mesmo espaço editorial reservado aos articulistas da publicação e ali plantarem com a habilidade de sempre as mais arrematadas lorotas.
O direito de resposta sem a contrapartida da obrigação de responder com seriedade é uma das maiores barbeiragens que o Legislativo Federal já perpetrou contra a liberdade de imprensa. A contrapartida de obrigação de responder é uma introdução deste jornalista que já sentiu na pele o grau de maliciosidade que chega aos tribunais.
As advogadas Mônica Filgueiras Galvão e Taís Gasparian assinaram um artigo na Folha de S. Paulo de ontem que resume bem o que o direito de resposta pode provocar. Vejam alguns trechos do artigo sob o título “Uma resposta duvidosa”:
(...) Mas da forma como foi estruturado o projeto de lei, o exercício do direito de resposta colocará em risco o direito de cada órgão de imprensa de dirigir seu conteúdo e, principalmente, colocará em risco o acesso à informação verídica e de interesse público. O direito de resposta não é e não pode ser entendido como o direito de outra versão. Espera-se que o projeto seja inteiramente vetado. (...) O projeto inviabiliza o direito de o veículo de comunicação defender-se, tal a exiguidade dos prazos. Isso cria um evidente desequilíbrio entre as partes. Por exemplo, enquanto quem se sente ofendido tem 60 dias para decidir se deseja ingressar com a ação, o veículo ou o jornalista tem apenas 24 horas para apresentar manifestação prévia e três dias para coletar os argumentos e apresentar defesa escrita. (...) Sem dúvida será extremamente penoso para os pequenos veículos ou editores e detentores de blogs, que terão parcas 24 horas para contratar advogado e preparar sua defesa. (...) É incompreensível que os legisladores não tenham se preocupado minimamente com o direito de defesa do órgão de imprensa e com os direitos, também garantidos pela Constituição Federal, referentes ao acesso à informação e à liberdade de expressão – escreveram as especialistas em Direito, sócios do Escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo Gasparian.
Valor Econômico
Também ontem, quarta-feira, o jornal Valor Econômico elevou o direito de resposta ao principal editorial sob o título “Projeto de direito de resposta facilita intimidação da mídia”. Eis alguns trechos que selecionei:
(...) Com isso, abre-se o caminho para uma escalada de assédio aos meios de comunicação, pois é óbvio que, em geral, empresas, políticos, governos ou instituições até apreciam a mídia quando isso lhes traz benefícios diretos ou indiretos, mas não quando uma informação pode lhes causar problemas, inclusive legais. (...) A maré de denúncias de corrupção nos meios públicos, ou investigações sobre trabalho escravo e fraude a consumidores, passariam a ser objetos de batalhas judiciais se o projeto já estivesse em vigor. Não porque os fatos não existem – caso de erro de informação – mas porque a sua simples divulgação afetaria honra ou marca ou conceito ou seja lá o que for que se enquadre como ofensa. (...) Na grande maioria dos casos o direito de resposta é exercido imediata e diariamente. As maiores empresas de comunicação têm experiência para lidar jornalística ou judicialmente com casos de abusos contra liberdade de informações, ou se defender de supostos prejuízos causados por suas atividades. O projeto aprovado dá celeridade à obtenção do direito de resposta, mas com viés contra a mídia. A via mais rápida é para o suposto ofendido, que pode se basear na determinação de um juiz. Aos meios de comunicação a suspensão do pedido judicial terá de ser concedida por um colegiado, e é bem mais demorada. (...) Com o projeto desses, a imprensa no interior do País se tornará ainda mais frágil diante do mandonismo local de políticos, autoridades e empresas. Já são vítimas hoje ações judiciais cujas indenizações requeridas trariam seu desaparecimento, se cobradas. – escreveu o editorialista do Valor Econômico.
Semelhança e coincidência
Qualquer semelhança com o que sofro nas mãos milionárias de Milton Bigucci, delinquente social comprovado, não é mera coincidência.
Vamos ver o que vai dar o direito de resposta nesta Província. Antecipo aos leitores que o pressuposto de obrigação de responder vai continuar a nortear esta revista digital. “Entrevista Indesejada” só existe porque a obscuridade é uma das doenças crônicas numa região em que os mandachuvas e mandachuvinhas têm certeza de que estão acima da lei. Ou, no mínimo, “assim” com quem aplica as leis sobre liberdade de expressão.
Não duvidem que mandachuvas e mandachuvinhas decidam se unir para tentar intimidar ainda mais a liberdade de expressão. Aqui eles não terão vez. Ao direito de resposta mesmo que ordinariamente obrigatório vou opor o direito de responder à resposta. Simples, muito simples. Em nome da democracia e da verdade dos fatos.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)