O derrame de empregos com carteira assinada de mais de 20 salários mínimos durante o período presidencial de Fernando Henrique Cardoso foi muito mais volumoso no Grande ABC do que em qualquer outra região do País. A região contava em dezembro de 1994 com 43.389 trabalhadores no topo do assalariamento, contra apenas 22.412 depois de 96 meses. O processo de mobilidade social em direção ao estrato mais bem aquinhoado do Grande ABC sofreu o que chamaria de trombose. Estava consolidada a reversão de valores e de expectativas. A mobilidade no sentido inverso, de classe média-alta virar classe média-média e de classe média-média tornar-se classe média-baixa e de classe média-baixa tornar-se classe remediada solapava os sonhos de ascensão social.
A queda de 48,3% registrada no Grande ABC ao final de oito anos do governo FHC era quase o dobro da média do G-13, o grupo de 13 dos principais municípios paulistas. E mais que o dobro dos 22,9% registrados por São Paulo, Guarulhos e Osasco, conjuntamente.
O G-3 integrado por Campinas, Sorocaba e São José dos Campos, perdeu apenas 9% de empregos formais de mais de 20 salários mínimas. Nada estranho, porque para aquelas três cidades e respectivas áreas de influência como sedes de novas metrópoles se deslocaram ou se implantaram indústrias mais avançadas tecnologicamente. O G-13 é formado pelo G-7 (Grande ABC), São Paulo, Osasco, Guarulhos, além do G-3 de Sorocaba, Campinas e São José dos Campos.
Escrevi naquela inédita análise de junho de 2006 na revista LivreMercado que os 20.977 assalariados deserdados do topo da pirâmide do Grande ABC seriam suficientes para lotar o Estádio Bruno Daniel, em Santo André. E ainda sobraria gente para fervilhar a Estância Alto da Serra, disputadíssimo ponto da música country na região.
Pontos extremos
Quem mais sofreu com a perda relativa de assalariados do topo do ranking foi Ribeirão Pires: foram para o ralo da reestruturação corporativa nada menos que 86,6% dos postos de trabalho. Nada surpreendente para o Município paulista que mais perdeu produção industrial durante o governo FHC.
No contraponto de Ribeirão Pires estava São Caetano, que menos perdeu assalariados de alto nível salarial, com queda de 26% no período. Mas já alertávamos naquela análise que os números deveriam ser interpretados com cautela, porque São Caetano implementou a guerra fiscal no setor de serviços de arrendamento de bens, consórcios, entre outros. Com as medidas de engenharia tributária, muitos empregos que constavam e ainda constam dos cadastrados do Ministério do Trabalho como originários de São Caetano estão apenas na papelada de empreendimentos sediados no Município. De fato, muitos profissionais contratados residem principalmente na Capital, onde prestam serviços.
A dimensão do arrastão do melhor emprego industrial do Grande ABC fica mais evidente quando se comparam as perdas com Campinas, por exemplo, que viu desaparecerem apenas 4,5% de empregos com mais de 20 salários mínimos durante aqueles oito anos. Em São José dos Campos o índice chegou a 13% e em Sorocaba a 18%. Nada alarmante perto dos 48,3% do Grande ABC. Só Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo mas fora da geografia do Grande ABC, perdeu em quantidade semelhante ao do G-7: 44%, contra 30,7% de Osasco e 21,7% da Capital.
Embora menos acachapantes, os números de São Paulo, Guarulhos e Osasco revelavam também o custo da chamada deseconomia de escala da metrópole, um espantalho para muitos empreendimentos que observaram a virada do século levando em conta uma palavra indissociavelmente voltada à sobrevivência — competitividade.
Mais provas
Também incorporamos à produção daquela análise um mapeamento completo dos efeitos da abertura econômica, da valorização da moeda nacional e da guerra fiscal no conjunto dos 39 municípios da Região Metropolitana de São Paulo: a média de perda de carteiras assinadas de trabalhadores que recebiam mais de 20 salários mínimos chegou a 26%. Um pouco menos que a média dos 645 municípios do Estado de São Paulo, de 26,4%.
Prova eloquente de que, apesar da troca de posições entre Grande São Paulo e o restante do Estado, quando a produção industrial predominante nos 39 municípios deslocou-se para as regiões de Campinas, Sorocaba e São José dos Campos, a contração salarial se mostrou sistêmica. Nada diferente do processo que atingiu o Brasil como um todo que, no mesmo período, viu encolher em 24,8% as carteiras de trabalho de mais de 20 salários mínimos.
No próximo capítulo exploraremos os números dos empregos formais de até cinco salários mínimos. O que teria ocorrido nos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso? A prova da proletarização da classe média, ora bolas!
Total de 1893 matérias | Página 1
12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES