Sociedade

O que Marco Zero tem a ver com
o apoio de Bigucci a Marinho?

DANIEL LIMA - 18/05/2016

Pode ter tudo a ver, como pode não ter nada a ver. Mas que as possibilidades de ter tudo a ver são imensas, é melhor não duvidar. Vou explicar tudo e os leitores que tirem conclusões. Por que um presidente de uma entidade de classe estatutariamente não partidária, como o Clube dos Construtores, decide passar por cima da ética e, véspera das eleições municipais de 2012, recebe o prefeito Luiz Marinho, candidato à reeleição, na sede da empresa MBigucci, da qual é o comandante?

Como um presidente de uma entidade com inúmeros representantes do setor econômico se dá ao luxo de particularizar um apoio formal a um candidato à reeleição? Teria alguma coisa a ver com a denúncia de irregularidades de então no arremate fraudulento de área pública que está se transformando no empreendimento Marco Zero?

Milton Bigucci foi apeado diplomaticamente desde o final do ano da presidência do Clube dos Construtores do Grande ABC. Esteve ali por longos e improdutivos 25 anos. Deixou a entidade praticamente abaixo de zero em representatividade ética, envolvido em vários escândalos. Aliás, a denominação com a qual identifico a oficialmente Associação dos Construtores e Incorporadores (além de administradoras e imobiliárias) só está de volta porque houve mudança diretiva, com a eleição do engenheiro Marcus Santaguita. Em longo período da gestão Milton Bigucci não encontrei saída mais sensata -- tantos foram os vícios, diretivos -- senão denominá-lo Clube dos Especuladores Imobiliários. Fui generoso.

Leitores poderão perguntar a razão de voltar no tempo para descaracterizar o discurso apartidário do então presidente daquela entidade. Há pelo menos duas vertentes básicas a sustentar a iniciativa. Primeiro, aquela ação eleitoreira pode ajudar a explicar as razões que levaram a gestão de Luiz Marinho a engavetar o escândalo do Marco Zero. Segundo, o Clube dos Construtores é potencialmente a mais representativa organização coletiva do setor privado da região porque está intestinamente relacionado a um bem de primeira necessidade da sociedade. Nos tempos de Bigucci a entidade tornou-se apêndice da inutilidade. Agora, revitalizada por Marcus Santaguita e grupo de parceiros começa a se transformar naquilo que se espera inclusive de outras organizações associativas.

Estava esquecendo de um terceiro ponto de interesse ao levantamento desse caso: em 2013 Milton Bigucci foi ao Judiciário mais uma vez para tentar calar este jornalista, contestando as análises críticas que fiz sobre o pífio desempenho daquela entidade. Ele não suportava a leitura de textos que davam conta do sucateamento operacional, técnico e ético daquela organização.

Cabo eleitoral de Marinho

Feitas essas explicações, vamos à derrapada ética de Milton Bigucci. Pode-se argumentar até que ele não infringiu o estatuto do Clube dos Construtores. Teria ele, Bigucci, participado da campanha eleitoral de Luiz Marinho como pessoa jurídica e pessoa física, desvinculado portanto da pessoa institucional. É um argumento que não satisfaz, embora não devam faltar especialistas em Direito que possam dizer o contrário.

Quando se ocupa um cargo de interesse público – e a presidência de uma entidade de classe tem essa tessitura social, sobretudo em área tão importante à população – todo cuidado ético é pouco. O empresário Milton Bigucci que convocou 80 funcionários da MBigucci para receber, na sede da empresa, o prefeito candidato à reeleição não era apenas a personificação da pessoa física e da pessoa jurídica. Ele representava uma classe -- a institucionalidade de uma classe, com subseq2uentes valores sociais expressos no estatuto.

Talvez porque soubesse que estava a infringir o estatuto da entidade, Milton Bigucci não deu publicidade ao ato. Quem o conhece sabe que sua paixão pelos holofotes é proporcional à facilidade com que ganha dinheiro. Somente um veículo de comunicação, o Blog Rede PT 13, registrou aquele encontro. Reproduzo os trechos principais da matéria sob o título “Luiz Marinho visita sede da Construtora MBigucci e destaca obras viárias”: 

 O prefeito de São Bernardo do Campo e candidato à reeleição pelo PT, Luiz Marinho, visitou no início da manhã desta terça-feira (25 de setembro) a sede da construtora Bigucci, no Rudge Ramos, e destacou as obras de infraestrutura e viárias que foram ou estão sendo implementadas na cidade. O petista foi recebido pelo presidente da empresa, Milton Bigucci. Na ocasião, Luiz Marinho conversou com cerca de 80 funcionários e explicou as intervenções feitas no município em infraestrutura e mobilidade urbana, além das ações da Administração para atrair mais investimentos e gerar novas oportunidades de trabalho. (...) Ao apresentar o prefeito e candidato Luiz Marinho aos seus funcionários, o empresário Milton Bigucci afirmou que o petista está fazendo um grande governo. “Eu tenho acompanhado o que o Marinho vem fazendo em São Bernardo. A obra da Lions ficou muito boa e todos que trabalham no entorno reconhecem isso. E não é só isso. As intervenções na Saúde e na Habitação estão transformando nossa cidade”, elogiou.

Da água para o vinho

O relacionamento entre o petista Luiz Marinho e o empresário Milton Bigucci era deplorável nos primeiros tempos de mandato iniciado em 2009. Em 20 de maio daquele ano fui convidado e compareci ao Restaurante São Judas Tadeu numa festa de aniversário do prefeito. Foi a primeira e última vez que participei de encontro semelhante. Quando cheguei ao restaurante fui efusivamente cumprimentado por toda a cúpula do governo petista. Estranhei a recepção, mas a explicação não demorou. No mesmo dia ou um dia antes escrevera nesta revista digital algo crítico sobre a atuação do dirigente de classe. Nada mais lógico para quem não está no entorno de conveniências do empresário Milton Bigucci.

Tempos mais tarde Marinho e Bigucci estavam juntos. Quando recepcionou o prefeito na sede de sua empresa naquele 25 de setembro que antecedia em uma semana a ida às urnas da população de São Bernardo para reeleger o petista, capital e trabalho já estavam de mãos dados havia muito tempo.

A denúncia que apresentei sobre as maracutaias no arremate do terreno em que se está construindo o empreendimento Marco Zero ainda estava em fase de investigações do Ministério Público. O prefeito já havia afastado o Procurador-Geral do Município, que, meses antes, recebera de minhas mãos parte do material e prometeu, diante das provas ali apresentadas, punição aos servidores públicos que integraram aquela farsa travestida de licitação.

Interesses convexos

Sugerir a possibilidade de que Luiz Marinho e Milton Bigucci se encontraram naquele 25 de setembro entre outros motivos porque mantinham interesses convexos no caso Marco Zero da Vergonha não é nenhuma estupidez -- embora também possa ser café pequeno ante a proximidade que passaram a compartilhar.

Como escrevi mais tarde, – e esse é o ponto fundamental da argumentação – a gestão Marinho enganou desavergonhadamente o Ministério Público Estadual ao não fornecer a documentação indispensável à comprovação do crime cometido pela MBigucci e parceiros espúrios do arremate. Mais que isso – a Administração Luiz Marinho ofereceu ao MP um parecer técnico completamente deslocado das provas materiais de que houve maracutaia naquele leilão público.

Para não me tornar repetitivo, sugiro aos leitores que leiam os links logo abaixo. São alguns textos que preparei cuidadosamente para caracterizar o delito que causou sérios prejuízos aos cofres públicos de São Bernardo.

A relação republicana que se espera de uma entidade de classe passa a léguas de distância do modelo adotado por Milton Bigucci nas eleições de 2012 em São Bernardo. É tradição que entidades convidem os candidatos principalmente a prefeito para apresentarem aos associados e dirigentes a plataforma de governo que sustentam suas candidaturas. Preferências individuais não interferem na programação. E tampouco os dirigentes se utilizam da notoriedade que as entidades lhes conferem para, particularmente, levar a cabo ações semelhantes à proporcionada pelo presidente da MBigucci.

Cabe discussão do ponto de vista legal se Milton Bigucci poderia ter sido punido pelo então Clube dos Especuladores Imobiliários, já que atuou fora dos limites físicos da entidade. Mas não existe a menor possibilidade de se descartar a conclusão óbvia e inexorável de que cometeu deslize ético deplorável. Resta saber até que ponto valeu a pena correr o risco de, como agora, ser descoberto como cabo eleitoral do prefeito petista.

Conto com respostas tanto do prefeito Luiz Marinho como de Milton Bigucci. Sou um otimista mais que estúpido, porque nem o petista nem o empresário responderam até hoje a qualquer iniciativa de transparência e contraditório desta revista digital. Quem tem muito a esconder certamente não tem nada a dizer.

(Em tempo: leiam no Estadão de hoje o texto “A molecagem de Haddad” e observem que sou um jornalista bastante comedido nas intervenções. Preciso participar da Escolinha de Jornalismo Indignado daquele jornal e de tantos outros que não dão refresco aos agentes de interesse público).

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