Sociedade

Picarelli acreditou que OAB
garantia salvo-conduto a erros

DANIEL LIMA - 16/08/2016

Prometi na semana passada que escreveria sobre a conversão do ex-presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Fábio Picarelli, à campanha do prefeiturável de Santo André, Aidan Ravin. Outros temas e os desdobramentos do afastamento de Picarelli da candidatura majoritária pelo DEM me levaram a protelar a análise. Sei que o DEM está em pé de guerra por ter ficado na mão, sem candidato oficial e com um grupo de concorrentes ao Legislativo em situação idêntica ao do cachorro que cai de caminhão de mudança. Por isso esperei para ver o que acontece.

No fundo, não interessa mais esperar. Fábio Picarelli já deixou as digitais impressas como personagem institucional e político que reforçou, como tantos outros, o estoque de credibilidade de críticas formuladas aqui entre outros motivos porque não tenho os pés em canoas diferentes – sou jornalista à espera de competências individuais e coletivas em matéria de regionalidade. As cores partidárias não me seduzem.

Para ser curto e grosso: Fábio Picarelli construiu uma carreira típica de equipes conhecidas como cavalos paraguaios: começam a competição com todo o fôlego mas logo perdem o ritmo e acabam, muitas vezes, na zona de rebaixamento. Caso do Santa Cruz nesta temporada da Série A do Campeonato Brasileiro.

É isso mesmo: Fábio Picarelli é um Santa Cruz, um cavalo paraguaio. Começou a vida política utilizando o prestígio exageradíssimo de uma marca que se desgastou ao longo dos tempos (a OAB, claro) e terminou com a promessa de virar secretário de alguma coisa de um concorrente à Prefeitura de Santo André sobre o qual, então aliado ao PT, lançou-se ferozmente em denúncias de corrupção. Isso, claro, quando lhe convinha, porque sob seu comando a OAB de Santo André foi uma combinação de incoerências e recuos no trato de diferentes irregularidades cometidas pelo Executivo nas últimas gestões.

Desvio comprometedor

Ao que tudo indica – e o que vou acrescentar a isso não é uma sentença definitiva, porque em política tudo é possível, até mesmo o que parece impossível – Fábio Picarelli entrou definitivamente no desvio de respeitabilidade como agente pretensamente público em inicio de carreira.

Quem apostou na possibilidade de que se tornasse novidade no cenário público da região deve estar muito arrependido.  Fábio Picarelli não entende bulhufas da arte da encenação, porque é péssimo ator. Ele deixou os fundilhos das contradições sobreporem-se à inventividade de parecer o que não é. Mostrou-se de corpo inteiro – e o corpo inteiro dele é imenso na exibição pública da engenhosidade de negar claramente mais adiante o que afirmou veementemente pouco atrás, ou de, inversamente, afirmar decididamente mais adiante o que negou bravamente pouco atrás. Políticos de verdade fazem tudo isso, mas com certa naturalidade e mais cuidados.

Não tenho prazer em traçar um rápido perfil de Fábio Picarelli como simbologia de alguém que, fosse algo inanimado, poderia ser uma ponte pênsil cuidadosamente desenhada e executada por engenheiros de imensa capacidade de superação de dificuldades locacionais. Infelizmente, Fábio Picarelli se tornou, ainda usando a metáfora, algo como uma pinguela de território rural que, a qualquer momento, pode desabar se o peso da responsabilidade virar um desafio.

A adesão de Fábio Picarelli à campanha de Aidan Ravin é um direito que lhe assiste e contra o qual não esboço qualquer rejeição, porque não tenho partido nem candidato em Santo André e em lugar algum da região. Posso ter até simpatia por um ou outro concorrente, como tenho, mas estou na mesma situação de quem vai ao desfile de misses e, embora torça por uma, acaba por aceitar outra vencedora.

Fracasso anunciado

Picarelli seria tão incoerente na escolha do petista Carlos Grana como o foi na opção por Aidan Ravin. Ambos os candidatos foram atingidos pela retórica do então presidente da OAB nos casos de corrupção. Com Carlos Grana cedeu mais que os anéis da independência quando acertou a eleição de um ombudsman saído da diretoria da OAB, numa jogada política denunciada por esta revista digital com base em denúncia dos próprios associados àquela instituição.

Quem acreditou que Fábio Picarelli pudesse se converter em terceira via eleitoral em Santo André, ante o desgaste do PT e as denúncias contra Aidan Ravin, deu com os burros nágua. O ex-dirigente da OAB se comprovou ingovernável. Não estabeleceu plano de voo ao qual teria todo o direito constitucional. Confundiu as bolas das circunstâncias e dos contextos com pedras estruturais.

Apoiou a deputado estadual um concorrente de fora da região – o promotor criminal Fernando Capez – em atendimento a formuladores de mágicas eleitorais com vistas a apoio futuro inclusive em esferas da própria OAB. Com isso, Picarelli aumentou ainda mais a carga de rejeição da classe política de Santo André. Renegou as forças locais com as quais poderia estabelecer ações integradas. Dinamitou as pontes. Virou uma pinguela.

Há nesta revista digital 85 matérias com registros que colocam Fábio Picarelli como protagonista ou figurante de análises. Nenhum veículo de comunicação da região deu ao então presidente da OAB tanto espaço crítico. Talvez este jornalista tenha exagerado? Acredito que não. Menos por ele, então inexpressivo no campo público, e mais por aquela instituição, sua movimentação intensa merecia mesmo acompanhamento detalhado.

Erro de cálculo

Preferiria nestas alturas do campeonato eleitoral escrever que Santo André finalmente ganhara um concorrente de alta qualificação como imensa fortaleza de esperança de dias melhores. Se existe esse concorrente, não se trata de Fábio Picarelli. Ele mesmo entregou a rapadura ao sair da competição sem ter ao menos ficado com um prêmio de consolação, que seria compor a chapa majoritária com Aidan Ravin.

A biografia política e institucional que Fábio Picarelli erigiu não corresponde à expectativa gerada nos primeiros tempos. Acreditar, como parece ter acreditado, que a OAB o imunizaria no campo ético e moral como agente reformulador que tanto prometera foi um caminhão de ingenuidade na contramão do bom senso. Reticente em larga escala nos municípios brasileiros, a OAB está longe de sacralizar seus dirigentes, transformando-os em deuses. Fábio Picarelli é a prova provada disso. Escandalosamente. Mais que escandalosamente. Ele acreditou piamente que a OAB lhe conferiria uma inviolabilidade a trapalhadas.

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