Economia

Tudo pronto para o
Grande ABC virar mar

RAFAEL GUELTA - 05/10/1999

É importante que o Grande ABC comece a se envolver mais com o dia-a-dia do Porto de Santos. Até agora a relação da região com o maior polo marítimo de exportação e importação de mercadorias da América do Sul foi de intenso interesse comercial, mas de distanciamento de tudo o que diz respeito a logística de navegação. Daqui para a frente essa relação vai mudar, porque envolve questão de sobrevivência. Entre os próximos dois e três anos, quando estiver duplicada a Rodovia dos Imigrantes, o Grande ABC se transformará na mais nova fronteira do Porto de Santos, que na verdade abrange três cidades: Santos, Cubatão e Guarujá. O navio vai descer a serra para vencer desafios do mundo globalizado.

A Codesp (Companhia Docas do Estado de São Paulo), estatal federal que administra o porto, vai atracar e ancorar um retroporto no Grande ABC. Estão adiantados os entendimentos com a Secretaria dos Transportes do Estado para que o terminal se localize em ponto estratégico no entroncamento do sistema Anchieta/Imigrantes com o Rodoanel. Os objetivos são dois: organizar o tráfego de três mil caminhões que diariamente saem do Planalto em direção à Baixada e desocupar áreas do porto para intensificar e automatizar ainda mais as operações de embarque e desembarque nos navios. A Codesp, que se tornou autoridade portuária depois da privatização do porto, entende que a nova concepção geográfica atenderá às necessidades de logística de exportação e importação que os armadores reivindicam para cumprir prazos e horários estabelecidos por clientes internacionais.

A Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo pegou carona nesse navio e anuncia que pretende trazer a ideia do retroporto para a Câmara Regional do ABC. O secretário José Aníbal visitou no mês passado o retroporto que serve o Porto de Barcelona, na Espanha, e prepara-se para conhecer o Porto de Hamburgo, na Alemanha, até o final do ano. “Não existe semelhança geoeconômica entre Barcelona e o Grande ABC” — diz o secretário, que acrescenta: “Mas o retroporto espanhol movimenta anualmente mais de 500 mil veículos. Além disso, Barcelona tem hoje intenso comércio industrial porque sua economia foi dinamizada por esse empreendimento”.

Ainda não está definida a área onde será instalado o retroporto do Grande ABC. Mas a Codesp tem pressa em se ajustar à globalização porque quer consolidar em Santos o principal porto concentrador de cargas do Mercosul. É questão de sobrevivência. A nova tendência mundial é que terminais marítimos modernos e bem operados se transformem em concentradores. Esse modelo faz com que um navio procedente da Europa não mais precise fazer escalas pinga-pinga em portos de capitais brasileiras e sul-americanas para, em cada um, liberar pequenas cargas. O ideal é que o desembarque se concentre num local e, a partir daí, empresas especializadas em navegação de cabotagem — que atendem portos de um mesmo país ou continente — cuidem de distribuir os produtos por vários terminais.

A tendência é tão forte que existe disputa acirrada entre armadores brasileiros e estrangeiros pela navegação de cabotagem na costa da América do Sul. A exemplo dos setores de autopeças e bancário, entre outros, armadores estrangeiros estão adquirindo o controle de empresas de capital nacional.

É esse novo conceito que reforça a inclusão do Grande ABC como fronteira do Porto de Santos. Enquanto armazéns alfandegados como Agesbec e Integral (São Bernardo) e Porto Santo André (Santo André) — também chamados portos secos — cuidam de estocar, fiscalizar e desembaraçar mercadorias, o retroporto será centro de controle de embarque com influência em toda operação logística. A Codesp quer que os três mil caminhões que diariamente descem a Serra do Mar parem no entroncamento do sistema Anchieta/Imigrantes com o Rodoanel e ali aguardem ordem para seguir viagem.

Um centro de comando informatizado cuidará de disciplinar a descida das cargas até o porto. O objetivo é estabelecer operação just-in-time. A mercadoria chega ao terminal e imediatamente é embarcada. Com isso, administra-se melhor o tempo de transporte por terra e mar e, principalmente, ficam mais baratos os custos de atracamento dos navios, operação de guindastes e contratação de mão-de-obra.

Tempo e espaço
Para se ter ideia de como funcionará o retroporto, basta imaginar uma carga de 15 caminhões de açúcar procedentes de Ribeirão Preto, no Interior de São Paulo. No modelo atual, os veículos chegam desordenadamente a Santos e esperam nas imediações do porto — ou estacionados em áreas residenciais — o momento de ir para o cais descarregar a mercadoria. A espera pode demorar horas ou dias, dependendo de como é feito o controle logístico da operação ou se houver atraso na atracação do navio. Se os equipamentos automatizados para embarque e mão-de-obra já estão contratados, é prejuízo na certa. Também custa caro quando a mercadoria é despejada em armazém e depois precisa ser transportada até o navio.

O retroporto vai organizar toda operação. Quando o caminhão receber ordem para descer a serra, tanto o navio como os guindastes e a mão-de-obra estarão aguardando no cais para fazer o embarque imediato da mercadoria. Como a tarifa é cobrada por tempo de embarque, será uma economia e tanto.

Além disso, será possível aos proprietários dos navios repassar o lucro com a agilização do serviço para seus clientes internacionais. O sistema possibilitará ainda que o comprador da carga seja devidamente informado sobre o dia em que poderá retirar o produto. Essa é a chave de tudo: inserir o Porto de Santos no just-in-time marítimo.

“Do jeito que a operação é feita hoje, o porto terá pouca possibilidade de se tornar concentrador de cargas para o Mercosul. A globalização exige qualidade e agilidade. Estamos investindo em informatização porque comunicação será a chave do novo sistema quando existir o retroporto no Grande ABC” — diz o ex-deputado Wagner Rossi, presidente da Codesp. Ele entende que a simples duplicação da Rodovia dos Imigrantes não resolverá a questão da agilidade para embarque e desembarque de cargas porque o movimento no porto cresce mês a mês. “Além disso, precisamos liberar áreas atualmente utilizadas para estocagem. O retroporto, nesse sentido, será um grande armazém de mercadorias embarcadas em caminhões. É importante ganhar espaço para economizar tempo” — enfatiza Rossi, secretário da Educação e do Turismo do Estado nos governos de Orestes Quércia e Luiz Antonio Fleury Filho.

David Lorimer, diretor da empresa de consultoria Datamar e um dos maiores especialistas em portos no Brasil, confirma o que diz o presidente da Codesp. “O sistema Anchieta/Imigrantes é um gargalo que prejudica o abastecimento do Porto de Santos. É o grande calcanhar de Aquiles. Os congestionamentos nas estradas são quilométricos e não há logística que possa se adaptar a esse desperdício de tempo. O porto já teve problema de capacidade ociosa por causa dos congestionamentos. Se essa questão não for resolvida logo, outros portos se tornarão mais competitivos” — argumenta. Lorimer é testemunha de que há esforços para melhorar as operações em Santos. “A produtividade inegavelmente cresceu nos últimos anos. Praticamente não existem mais filas de navios para atracar, mas o porto ainda não é tão ágil como os europeus”.

A mesma revolução que se operou no transporte rodoviário de cargas, com controle de tempo e rastreamento via satélite, repete-se nos oceanos. Está em poder dos armadores decidir se o Porto de Santos será ou não o concentrador de cargas do Mercosul. Pressionados a cumprir horários rígidos por importadores e exportadores internacionais que ajustam cada vez mais o tempo de produção e distribuição, os proprietários de navios optam por terminais que proporcionem agilidade a custo baixo. O Porto de Santos ainda é o maior e mais bem aparelhado do País. Mas já perdeu pontos importantes para a concorrência e precisa tomar cuidado com o Porto de Sepetiba, no Rio de Janeiro, operado pela Companhia Vale do Rio Doce e que caiu nas graças do governo federal.

Wagner Rossi garante que Sepetiba não tem chance. “Há investimentos maciços para que o porto do Rio de Janeiro se transforme num terminal alternativo, para cargas específicas. Quem imagina que venha a superar o Porto de Santos acredita numa velha falácia, de que ainda somos um porto público, obsoleto e caro. Nenhum porto da América do Sul tem hoje o nível tecnológico do de Santos. A privatização exigiu dos arrendatários grandes investimentos em tecnologia” — afirma o presidente.

O especialista David Lorimer diz que não acredita em crescimento do Porto de Sepetiba a ponto de competir com Santos. “Santos é e será sempre o maior porto brasileiro. Mais da metade da economia do País é gerada por São Paulo. Não acredito que o Porto de Sepetiba terá crescimento fenomenal para superá-lo” — analisa.

Monopólio e privatização
Até 15 anos atrás o Porto de Santos se inscrevia no rol das atividades monopolistas privadas sob concessão pública. Durante 99 anos foi explorado pela família Guinle, que construiu o lendário e glamoroso Hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, e gerou o ex-playboy e milionário falido Jorginho Guinle.

Os Guinle ganharam a concessão em concorrência realizada no fim do reinado de D. Pedro II e criaram estrutura tão verticalizada que, além de demandar grande quantidade de mão-de-obra, mantinha uma fábrica de ferramentas e gerador de energia elétrica. Quando teve início o monopólio, o transporte de sacas de café para o interior dos navios era feito no lombo de negros escravos. Nos anos que antecederam o fim da exploração os Guinle perderam o interesse em investir e o porto voltou sucateado para o controle do Ministério dos Transportes.

Mas não é propriamente isso que explica por que, principalmente entre 1990 e 1995, as tarifas praticadas no Porto de Santos tiveram crescimento vertiginoso e chegaram a ser quatro vezes maiores que as atuais. Nesse período, o maior terminal marítimo brasileiro chegou a somar perdas anuais em torno de US$ 5 bilhões, de acordo com pesquisa da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Se não foi conveniente ter sido monopólio privado, também não foi bom ter voltado a ser monopólio público.

Operado exclusivamente pela Codesp até 1997, ano em que começou a ser privatizado, o porto enfrentou — e ainda enfrenta — os efeitos negativos das nomeações políticas e regras governamentais para compras de serviços incompatíveis com os tempos modernos. No período que antecedeu a privatização, foi obrigado a conviver com maquinário obsoleto herdado do monopólio Guinle.

Só agora se percebe com transparência o efeito positivo da lei de modernização dos portos, de 1993, que abriu as portas à privatização e reformulou radicalmente o sistema de gerenciamento de operações e de mão-de-obra. Burocracia e corporativismo foram eliminados do dia-a-dia dessa megaempresa de transporte marítimo que movimentou no ano passado quase 40 milhões de toneladas, equivalentes a 26,5% de todo o comércio exterior brasileiro, incluindo cargas transportadas por caminhões, aviões e trens.

Trocando em miúdos, o comércio exterior brasileiro exportou em 1998 US$ 51,1 bilhões e importou US$ 57,7 bilhões. O Porto de Santos respondeu por US$ 13,5 bilhões nas exportações e US$ 15,2 bilhões nas importações.

O processo de privatização foi antecedido por medidas que deram mais agilidade ao porto. Primeiro a Codesp pré-qualificou 150 operadores portuários para desmonopolizar a prestação de serviços operacionais. Uma dessas empresas é a Tomé Logística e Transporte, de São Bernardo, que executa atividades de embarque e descarga de mercadorias.

A seguir, a autoridade portuária determinou o funcionamento ininterrupto do porto, em quatro turnos de seis horas cada. Adotada em julho de 1997, a operação 24 horas surtiu efeito já no mês seguinte quando, pela primeira vez, foi superada a marca de quatro milhões de toneladas transportadas num único mês. Os resultados imediatamente mais festejados pelos armadores foram quedas no preço das tarifas e drástica redução na fila de navios que aguardam para atracar no cais.

Com meta de movimentar 41 milhões de toneladas neste ano, atingir 50 milhões no início do próximo século e 70 milhões quando se consolidar como concentrador do Mercosul, o Porto de Santos já atingiu quase 79% da meta prevista para arrendamentos. Dos 7,7 milhões de metros quadrados de área total, 4,5 milhões já são operados pela iniciativa privada. Até o fim do ano mais 25 áreas serão licitadas pela Codesp.

Na esteira da concorrência, o maior terminal marítimo da América do Sul está recebendo investimentos da ordem de US$ 1 bilhão. A Libra, empresa que opera o terminal 37, já investiu US$ 40 milhões em infraestrutura e equipamentos. Quase todos os investimentos anunciados para Santos, Guarujá e Cubatão desde 1995, que somam mais de US$ 3 bilhões segundo pesquisa da Fundação Seade (Serviço Estadual de Análise de Dados e Estatísticas), destinam-se direta ou indiretamente ao porto.

O consórcio Santos/Brasil, que opera o Tecon I, maior terminal de contêineres da América Latina, com área de 400 mil metros quadrados, está investindo US$ 150 milhões em modernização. Empresas como a Polibrasil, que tem unidade no Polo Petroquímico de Capuava, estão cada vez mais estimuladas a escoar produtos por Santos. A Polibrasil movimenta por ano cerca de 90 mil toneladas em exportações e 12 mil toneladas em importações.

Wagner Rossi, presidente da Codesp, acredita que o Grande ABC só não movimenta 100% de sua carga de importação e exportação pelo Porto de Santos porque falta um terminal especializado em automóveis. “Vamos reparar essa falha” — diz ele. Mesmo assim, foram exportadas entre janeiro e junho deste ano 65,7 mil toneladas de automóveis, principalmente para a Argentina.

Erro do governo
“A primeira atitude positiva que deu nova competitividade ao Porto de Santos foi a mudança radical na estrutura tarifária. Antes cobrava-se por tonelada de carga embarcada, independente do tempo gasto na operação. Hoje cobra-se pelo tempo gasto no embarque. Isso significa que os operadores têm interesse em ser ágeis e eficientes” — diz Carlos Eduardo Adegas, secretário de Governo e Planejamento Estratégico da Prefeitura de Santos e ex-diretor e ex-membro do Conselho de Administração da Codesp.

A tarifa por embarque de contêiner, que chegou a ser de US$ 600 por unidade, agora está em torno de US$ 150. Entre setembro de 1996 e novembro de 1998 as tarifas registraram reduções expressivas: 67% nos serviços de infraestrutura portuária, até 77,6% na infraestrutura terrestre, 89% na armazenagem, 49% no aluguel de equipamentos e 58% nos serviços gerais.

Adegas acentua que as reduções só não são ampliadas porque o governo federal errou no processo de arrendamento de áreas do porto para a iniciativa privada. “O governo priorizou quem deu mais pelo patrimônio público e os arrendatários repassam o que investiram às tarifas. Na verdade, a concorrência deveria ter contemplado quem garantisse tarifas mais baratas. Mas o governo estava mais interessado em arrecadar dinheiro” — lamenta o secretário.

Wagner Rossi afirma que Adegas está com toda a razão. “A forma como foi conduzida a privatização é errada. Tanto que estou conversando com os arrendatários no sentido de que deixem de repassar o que investiram nas tarifas. “Mas não é esse o único problema na privatização. “O cais foi retaliado em pequenos terminais que não possuem áreas retroportuárias para organizar cargas. Estamos tentando renegociar com arrendatários e mostrar que o Porto de Santos precisa se adequar a uma regra de ouro no setor: berços de atracação devem ter 100 hectares e movimentar 100 contêineres por hora ao preço de US$ 100 por unidade” — analisa o presidente da Codesp.

Outro grave problema apontado por Rossi é a concorrência desleal entre terminais privativos. “Em nenhum porto do mundo um terminal privativo opera como concorrente dos demais” — afirma. Rossi não cita exemplo, mas a concorrência desleal equivale a um terminal especializado em grãos movimentar produtos químicos em períodos de ociosidade.

A ineficiente e ainda não privatizada malha ferroviária do Porto de Santos, com impressionantes 200 quilômetros de extensão, herança do monopólio Guinle que se manteve intacta durante todo o período do recente monopólio estatal, está na mira da Codesp.

É inconcebível que neste fim de milênio de logística integrada ainda exista sistema de transporte com concepção tão ultrapassada. Comboios das quatro redes ferroviárias que têm acesso ao Porto de Santos — MRS Logística (que passa pelo Grande ABC), Ferroban, Ferronorte e Novoeste — não podem levar cargas até o costado dos navios porque essa é a tarefa do sistema ainda operado pela Codesp. A falta de agilidade significa perda de tempo e desestímulo para um meio de transporte que responde por apenas 4% de todo o volume embarcado nos navios.

Wagner Rossi vem mantendo conversações com as quatro redes interessadas em firmar contrato para operar diretamente a malha ferroviária interna do porto. O presidente da Codesp já instituiu grupo técnico para elaborar estudo. Avalia no Ministério dos Transportes se não há entrave jurídico. As companhias férreas acreditam que será possível, num primeiro momento, elevar para até 10% a participação da atividade no volume de cargas movimentadas pelo porto. Se as leis que estão defasadas não permitirem a assinatura de contrato operacional, será preciso que um intermediário entre nessa relação — provavelmente um consórcio formado pelas próprias operadoras de ferrovias.

O presidente da Codesp assegura que seu esforço maior é pela modernização. Recentemente foi comemorado novo recorde no carregamento de 14 mil toneladas de açúcar. Em 1997 a operação demorava 20 dias. Há pouco mais de um mês o embarque foi feito em cinco dias. Caminhões carregados com sacas do produto estacionaram no costado do navio. Trabalhadores braçais agruparam lotes de 24 sacas sobre esteiras de lona que são suspensas por ganchos e se chamam lingadas. Não mais do que 15 homens executaram a operação, somando-se os que organizaram a disposição da carga no interior do navio. Para se ter ideia da economia obtida pelo armador, basta conferir que a taxa de atracação no cais é cobrada por períodos de seis horas.

Até o mar terá que entrar na dança de modernização para viabilizar o porto consolidador de cargas do Mercosul. A Codesp se prepara para iniciar obras de dragagem para aumentar de 13 para 17 metros a profundidade do canal. Navegam hoje no cais navios com capacidade para até 1,5 mil contêineres. Em portos de maior profundidade, na Europa, já operam navios que transportam até 4,5 mil contêineres. Outra providência da administradora do porto é a retirada do casco do navio Ais Giorgios, que naufragou em janeiro de 1974 em consequência de incêndio e ainda é visível na região de Outeirinhos, no armazém 17. Também é preciso fazer o derrocamento de duas formações rochosas, conhecidas como Teffé (57 mil metros cúbicos) e Itapema (24 mil metros cúbicos), que ampliará as áreas arrendáveis e atracáveis.

Tempo é dinheiro
Duas outras questões fundamentais para a consolidação do porto do Mercosul escapam da alçada da Codesp, de operadores e de armadores. Uma é a necessidade urgente de agilizar a operação alfandegária. David Lorimer, da consultoria Datamar, diz que o Brasil precisa reformular o conceito de que todos são suspeitos até prova em contrário. “O certo é pensar que ninguém é suspeito até prova em contrário” — analisa o especialista em portos.

Lorimer garante que a demora no desembaraço das mercadorias afeta empresas como a Kodak, de São José dos Campos, que às vezes espera 11 dias pela liberação de cargas. “Como o navio demora 12 dias para fazer o percurso de Santos aos portos da Europa não é nem um pouco complicado computar os prejuízos do exportador, que precisa produzir a mercadoria com quase um mês de antecedência e ainda gastar com estocagem”.

Outro exemplo citado por David Lorimer diz respeito ao Grande ABC. O consultor lembra de quando a Ford começou a produzir o popular Fiesta na fábrica de São Bernardo. A montadora tentou fazer o just-in-time marítimo, mas esbarrou na burocracia e na imprevisibilidade da liberação de autopeças pela Receita Federal. Conclusão: houve atrasos na produção e distribuição do veículo no mercado nacional. “No ano passado tive acesso a um fluxograma de cargas da Robert Bosch, de Campinas. Uma mercadoria procedente da matriz alemã demorava cinco dias entre fabricação e saída do navio no Porto de Hamburgo. Só que ficava retida mais de 10 dias no Porto de Paranaguá, no Paraná. Isso não cria condições para a Robert Bosch realizar o just-in-time marítimo. O Brasil precisa ter a mesma agilidade do porto alemão” — observa o especialista.

É possível que a situação melhore com a instalação do sistema Linha Azul no Porto de Santos. Criado pela Polícia Federal para os aeroportos internacionais de Viracopos (Campinas) e Guarulhos (São Paulo), o sistema de despacho aduaneiro está em fase de implantação e pretende beneficiar entre 30 e 50 empresas que operam comércio exterior marítimo com redução do tempo de liberação das mercadorias.

Nesses aeroportos, a liberação da carga é feita em no máximo seis horas. A Linha Azul do porto vai priorizar as atividades de exportação e, nos casos de importação, a rápida liberação de matérias-primas e insumos utilizados por indústrias brasileiras que vendem produtos no mercado internacional. Produtos manufaturados não serão beneficiados numa primeira fase. Já estão se cadastrando para operar o sistema na Alfândega empresas com patrimônio líquido de no mínimo R$ 10 milhões e volume anual de exportações de R$ 50 milhões.

Todo esse esforço para implementar exportações só terá pleno êxito se a Camex (Câmara de Comércio Exterior) conseguir alterar a estratégia de financiamento com a criação de linhas que transformem o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) numa espécie de Eximbank brasileiro para dar crédito a pequenas e médias empresas que pretendem partir para o comércio internacional.

Os Eximbanks são instituições especializadas em financiamento de exportações que atuam nos Estados Unidos, Japão, Alemanha e França. Há expectativa de que as exportações brasileiras cresçam de imediato até 10% com estímulo aos pequenos e médios empreendimentos. Bancos comerciais que repassam recursos do BNDES não querem assumir nenhum tipo de risco e exigem garantias que quase sempre não estão ao alcance dos pequenos e médios exportadores.

Moscou brasileira
Mais da metade da economia de Santos depende do porto. A cidade tem 412 mil habitantes e orçamento para este ano de R$ 410 milhões. Mas a relação entre as duas partes ainda é complicada. Existe disputa jurídica histórica para que a Prefeitura possa cobrar da Codesp o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) relativo à ocupação territorial do porto. O município constrói sua riqueza com o ISS (Imposto Sobre Serviços) arrecadado no porto, acrescido de tributos recolhidos de empresas locais que prestam serviços ao terminal marítimo.

O porto representa 25% de todas as receitas de ISS e o imposto, por sua vez, representa 25% do orçamento da cidade. “Antes da privatização a Codesp tinha orçamento anual que equivalia ao dobro do da cidade” — diz o secretário de Governo e Planejamento Estratégico, Carlos Eduardo Adegas.

O que mais preocupa o prefeito Beto Mansur é o desemprego causado pela modernização do porto. Dados da Secretaria de Governo e Planejamento Estratégico de Santos informam que o terminal marítimo já deu emprego direto para mais de 40 mil pessoas. “O número de pessoas envolvidas com o porto, hoje, não passa de 20 mil” — lamenta Mansur. “A Codesp, que teve mais de cinco mil funcionários, tem hoje pouco mais de 1,3 mil. Das 20 mil pessoas envolvidas com o porto, cerca de seis mil têm trabalho por no máximo cinco dias ao mês. A modernização e a privatização desmantelaram o sindicalismo”.

Quem acha que o sindicalismo sectário que imperou até recentemente no Grande ABC foi o máximo de oposição que o governo teve de suportar dos trabalhadores precisa ler estudos acadêmicos e reportagens memoráveis sobre o maior porto da América do Sul. Santos foi chamada de Moscou Brasileira numa época recente em que os estivadores eram tão mobilizados que conseguiam causar grandes prejuízos ao País com a paralisação total das atividades portuárias.

Hoje está implantado o Ogmo (Órgão Gestor de Mão-de-Obra), que concentra e repassa aos operadores portuários a mão-de-obra necessária. O Ogmo, que substituiu os sindicatos — inclusive o combativo Sindicato dos Estivadores –, é entidade sem fins lucrativos sob o comando de empresas que atuam em comércio exterior.

Duas forças de trabalho operam no porto sob coordenação do Ogmo. Os chamados trabalhadores avulsos são os que atuam exclusivamente a bordo de navios. Já os trabalhadores de capatazia ficam no cais, em pátios e armazéns, fornecendo retaguarda. Desde 24 de setembro de 1997 essas duas frentes foram integradas ao Ogmo, o que permitiu à Codesp concentrar-se no papel estratégico de autoridade portuária — uma espécie de Anatel do Porto de Santos. Ao mesmo tempo em que recicla e capacita operários, o Ogmo desenvolve programa de demissões voluntárias.

O prefeito Beto Mansur aposta num futuro promissor para o Porto de Santos. Mas enfatiza que isso só vai se concretizar se houver sinergia entre todas as forças que de alguma forma dependem ou alimentam o terminal marítimo. “Acho de extrema importância haver aproximação das Prefeituras do Grande ABC com as da Região Metropolitana da Baixada Santista. A dinâmica do mundo globalizado exige planejamento modal do transporte” — conclui o prefeito.

Em busca do velho glamour

Santos ainda é alternativa rápida e barata para o turista do Grande ABC. Mas perdeu o glamour dos anos 60 e 70, quando a emergente classe média industrial da região descia a serra nos fins de semana para se divertir na praia e lotava restaurantes que serviam peixes e frutos do mar. Poluição em Cubatão e congestionamentos monstruosos no sistema Anchieta/Imigrantes fizeram boa parte da classe média do Grande ABC migrar para outras praias. E as portas da Baixada ficaram escancaradas para a chamada turma da farofa, composta pelo turista de baixa renda que gasta pouco e suja praias com restos de comida, latas de cerveja e copos plásticos.

Mudar esse quadro e levar de volta o turista que gasta e quer praias limpas são desafios do prefeito Beto Mansur. A cidade começou a fazer sua parte há alguns anos, quando criou o emissário submarino e parou de despejar esgoto nas águas onde adultos e crianças se banhavam sem ter ideia das moléstias que poderiam contrair. Agora é a vez da plataforma do emissário submarino fazer algo mais do que mandar esgoto para bem longe da costa. Com 42 mil metros quadrados de extensão e localizada em área nobre da cidade, a plataforma será transformada no Pier Plaza Show, mix de lazer, turismo e pesquisa que terá como âncora o Museu Pelé. Maior esportista do século, Pelé fez Santos conhecida e respeitada no mundo inteiro. O museu dedicado a ele terá uma sala virtual em que o visitante poderá fazer tabelinhas com o Rei do Futebol.

“A ideia é que o Pier Plaza Show, sob responsabilidade da iniciativa privada, agregue o máximo de diversão numa das mais belas praias de Santos” — diz o secretário municipal de Governo e Planejamento Estratégico, Carlos Eduardo Adegas. “Teremos num mesmo local, além do Museu Pelé, bares, restaurantes, fashion center, danceterias, casas de shows e de jogos. Queremos que sirva tanto à atividade turística de maior duração como ao turismo rápido, de um ou dois dias, em cujo perfil pode-se enquadrar a classe média do Grande ABC. Estamos resgatando a qualidade de vida com vários tipos de ações desenvolvidas junto a agentes turísticos” — enfatiza o secretário santista.

Outra aposta está voltada ao turismo de negócios. O prefeito Beto Mansur afirma que Santos é mais bonita e agradável que São Paulo e o Grande ABC e, por isso, mais apropriada a feiras e encontros de lideranças empresariais. “Estamos incentivando a iniciativa privada a construir um centro de exposições e convenções aqui” — afirma o prefeito. “Santos conta com transporte de boa qualidade. É uma cidade segura. Esses requisitos são importantes para atrair feiras e convenções” — analisa.

Carlos Eduardo Adegas diz que Santos está no caminho certo e atingirá novo apogeu em 2002, quando do término da duplicação da Rodovia dos Imigrantes. “Com a estrada duplicada vai mudar muito a relação da Baixada Santista com o Grande ABC. O conceito de distância passará a ser outro. Será muito frequente o trabalhador do ABC encerrar um dia normal da semana tomando chopinho em Santos, dando caminhada na praia. Da mesma forma, aumentará consideravelmente o contingente de santistas que sobem a serra todos os dias para trabalhar no planalto” — prevê o secretário.

Enquanto o Pier Plaza Show e o centro de exposições e convenções não se tornam realidade, e o trânsito engarrafa no sistema Anchieta/Imigrantes sem pista nova, Santos se vira como pode para atrair turistas. Ao mesmo tempo em que criou o Programa Benvindo, que instrui a população local a tratar bem o turista, divulga a qualidade de suas praias no Interior do Estado estimulando pacotes de fim de semana. Também existe projeto para construção de novo aquário, de âmbito internacional. O atual, inaugurado há 53 anos, atrai cerca de 500 mil pessoas por ano.

Com o fim do emprego no porto automatizado, Santos sabe que expandir o turismo é questão de sobrevivência no terceiro milênio. É importante para a cidade constar entre os benefícios listados pelo Grande ABC para atração de novos investimentos industriais, comerciais e de serviços.



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