Diretor-executivo da Editora Livre Mercado, jornalista, escritor e criador do IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos), Daniel Lima assumiu no mês passado dupla função no Diário do Grande ABC: é o primeiro ombudsman da história de 46 anos do maior veículo regional do País e passou a assinar Contexto, uma coluna bissemanal. A decisão é complemento da posse formal do jornalista como diretor de redação do Diário em 18 de março, mas não consumada três dias depois porque não aceitou submeter-se à censura de Fausto Polesi e Alexandre Polesi, então acionistas da empresa.
A superação de um complicadíssimo enxadrismo societário com o afastamento da família Polesi, que vendeu as ações minoritárias para Maury de Campos Dotto, tornou possível a contratação de Daniel Lima pelo Diário do Grande ABC. Mas o jornalista é enfático: “Minhas atividades como ombudsman diferem completamente das de colunista. A primeira está voltada exclusivamente à audiência corporativa, enquanto a segunda é direcionada aos leitores”— completa.
Preocupado em contribuir com a transposição dos ideais de regionalismo que imprimiu em centenas de artigos publicados em LivreMercado e na newsletter Capital Social Online, além de três livros editados nos últimos 30 meses, Daniel Lima faz questão de separar as funções de ombudsman das de colunista. “O compromisso como ombudsman é representar acionistas e diretores junto aos jornalistas e leitores, cuidar dos interesses dos jornalistas junto aos acionistas, diretores e leitores, e preservar os leitores junto aos jornalistas e diretores e acionistas. Já a coluna Contexto é exclusivamente voltada aos leitores. O fio condutor que liga as duas funções é o mesmo. A diferença está na exposição de conceitos, de doutrina, de filosofia” — define.
Sempre enfático, Daniel Lima afirma que preferiu não estabelecer o que chama de prazo de validade na nova relação com o Diário do Grande ABC, depois de atuar na empresa entre 1970 e 1985, quando ocupou vários cargos. “Não seria um contrato formal como ombudsman e como colunista que obstaria eventual afastamento dessas tarefas, da mesma forma que não impediria uma entrega ainda maior como colaborador da empresa. Há determinados valores éticos e morais que não podem se subordinar a cumprimento de prazos. Estou certo de que a nova direção do Diário do Grande ABC saberá respeitar os princípios que nos levaram a costurar essa parceria que, acredito, é do interesse de quem consome informações na região”.
O jornalista assegura que as análises das edições do Diário do Grande ABC seguem o ritual de conceitos que preparou para ocupar o cargo de diretor de redação: “Não teria sentido e muito menos seria respeitoso para com leitores, acionistas, os diretores e os próprios jornalistas que, depois de preparar o que chamei de Planejamento Estratégico Editorial, negasse aqueles estudos como ombudsman ou os transformasse em arquivo morto. Produzi um plano que visa os próximos cinco anos da publicação. Abordei os mais diferentes aspectos, sempre sob a lógica de implementar uma regionalidade comprometida com a geografia metropolitana do Grande ABC. Se desconsiderasse aqueles estudos, inclusive aprovados pelos acionistas majoritários da empresa na fase de negociação do cargo de diretor de redação, não teria o que fazer como ombudsman. Ali estão 38 anos de profissão e 34 anos de experiências práticas no Grande ABC” — afirma o diretor de LivreMercado.
Duas indagações
Daniel Lima afirma que responde insistentemente a duas indagações dos leitores: por que preferiu assumir o cargo de ombudsman e não o de diretor de redação e por que a newsletter OmbudsmanDiário é restrita aos principais colaboradores do Diário do Grande ABC?
À primeira questão, responde sem firulas: “Há esqueletos organizacionais que estiolam a estrutura funcional do Diário do Grande ABC e comprometem qualquer iniciativa minimamente compromissada com pressupostos que exponho no Planejamento Estratégico Editorial. Inventaram um banco de horas que é um atentado à produtividade e à qualidade. Se aceitasse o cargo de diretor de redação sem que os entraves fossem eliminados, me sentiria um piloto de avião sem combustível”.
Quanto ao questionamento sobre a abrangência dos leitores da newsletter do ombudsman do Diário, Daniel Lima é igualmente transparente: “Não podemos ignorar que a redação do jornal passou nos últimos 10 anos, pelo menos, por verdadeiros atentados à qualidade, como tantas outras redações. Portanto, expor as vísceras da corporação, de imediato, para o público externo teria o mesmo sentido de lavar a roupa suja de um time que saiu de campo depois de apanhar de goleada. O Diário passou por tempestades editoriais que deverão ser gradualmente transformadas em sopros de esperança de uma recomposição voltada a fortalecer os laços que o une aos leitores. Trata-se de uma longa jornada. Não há milagres em jornalismo. Não se revelam profissionais de gabarito num estalar de dedos”.
O público restrito da newsletter que avalia as edições do Diário do Grande ABC não é, entretanto, enredo perpétuo, segundo o jornalista. Para Daniel Lima, provavelmente não será longo o tempo de maturação da proposta de emitir a newsletter ao público externo, principalmente aos assinantes do jornal. O jornalista pretende suprimir a coluna reservada ao Conselho do Leitor, impressa aos domingos. “O desenho estrutural e editorial dedicado ao grupo de conselheiros está em desacordo com o que considero ético e respeitoso aos jornalistas da companhia. Não que os conselheiros sejam responsáveis por isso. Nada disso. A invenção dessa instância, no período anterior à nova configuração societária do jornal, foi um ato de democratismo marqueteiro que infringe todos os princípios de relacionamento saudável entre o jornal e seus leitores. Sou francamente favorável à inclusão dos leitores nos debates internos para avaliar e sugerir mudanças no produto, mas jamais com a consistência eticamente gelatinosa com que foi concebido esse conselho. A prática jornalística, quando vista com seriedade e responsabilidade, assemelha-se à medicina, porque informação é poder, é vitalidade comunitária. Não pode, portanto, ser entregue deliberadamente a leigos que muito podem colaborar, desde que, primeiro, estejam sintonizados com os pressupostos da publicação” — afirma.
Daniel Lima é taxativo: “Não abro mão do Planejamento Estratégico Editorial porque ali reside a alma rejuvenescedora do jornalismo antenado com o capital social, que é o conjunto das forças governamentais, econômicas e sociais de uma comunidade. Se aqueles princípios forem postergados, não terei o que fazer como ombudsman”.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)