A logística, que pode ser traduzida didaticamente como vetores de acessibilidade modal ou intermodal que começam com o suprimento e terminam com a distribuição, é o nome do problemão do Grande ABC desde que o movimento sindical — e isso já faz uma porção de tempo — refluiu da rebeldia inconformista e, premido pelas circunstâncias, mudou a pauta de prioridade: em vez do estado de greve quase permanente dos anos 80, tratou de tentar salvar empregos.
A contratação da Simonsen & Associados pela Gráfica Bandeirantes para minucioso estudo de relocalização unificada e enxugamento de três plantas industriais — São Bernardo, Guarulhos e Campinas — é trabalho a cujos detalhes não tive acesso. Mas uma conversa rápida com o empreendedor Mario César de Camargo não deixa margem a dúvidas: ambiente político e logística são fatores de exclusão compulsória entre os municípios listados por essa consultoria especializada em recomendações de mudança de endereço, entre outros assuntos.
O dirigente da Gráfica Bandeirantes, também presidente da Abigraf, entidade que reúne empresas do setor, até que tentou evitar que uma realidade do passado eventualmente distorcesse a análise da Simonsen, desconsiderando o ambiente político, mais precisamente o sindicalismo, como obstáculo. Na realidade, Mario César de Camargo não fez concessão regionalista a São Bernardo. Simplesmente não teve problema algum com o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Gráfica ao longo de mais de 40 anos em que a Bandeirantes ocupou território na região. Prova, entre outras, de que as estripulias sindicais não eram via de mão única. Era preciso também, para que o tempo fechasse entre capital e trabalho, uma incorrigível propensão ao confronto bilateral. Até porque, quando um não quer, dois não brigam.
Pois se o ambiente político-sindical não era empecilho para São Bernardo continuar com a Gráfica Bandeirantes, por que então a empresa agora está em Guarulhos? Logística, camarada, logística. Nos tempos em que a inflação e a correção monetária deitavam e rolavam neste País (tempos que podem ameaçar retornar neste final de feira do mandato tucano de Fernando Henrique Cardoso, cuja inflação anualizada, sem correção monetária, é nitroglicerina pura), empresários davam uma banana às questões de acessibilidade de insumos e muito mais à distribuição de produtos acabados e também de serviços.
O que se jogava pela janela da improdutividade dessa ciência, que faz do tempo e do espaço irmãos siameses que alimentam o just-in-time, era fartamente compensado pelo overnight. Um Estado perdulário com títulos públicos financiava a gandaia nacional de improdutividade bruta. Logística era algo tão abstrato que muitos correlacionavam o conceito com shopping center e grafavam a palavra com jota, de loja mesmo.
Pois se o Grande ABC se viu livre do sindicalismo mais bravio — e também de empresários pouco afeitos à democracia do chão de fábrica — nos anos 90, sobremodo a partir do Plano Real, encontrou na tal da logística um espantalho aos investimentos. O fato é que a região está encalacrada. Suas vias de acesso internas, excetuando-se uma Santo André menos provinciana, são um convite ao desperdício de combustível, à evasão da paciência, à destemperança da qualidade de vida, um trança-pé na competitividade.
A Rodovia dos Imigrantes, a Rodovia Anchieta e a Avenida dos Estados, nossas principais artérias inter-regionais, vivem apinhadas de veículos nos horários mais diversos. Como grande parte das indústrias se espalha por áreas da circunvizinhança dessas artérias permanentemente congestionadas e geralmente de acesso moroso aos corredores-troncos, dá para imaginar o tamanho da encrenca.
Pois foi exatamente no quesito logística que a Simonsen & Associados excluiu o Grande ABC das alternativas de relocalização da Gráfica Bandeirantes. Sim, porque além do emaranhado viário interno, ainda somos contaminados com o que nos rodeia do lado sul da Região Metropolitana de São Paulo. Enquanto isso, do lado oeste, depois da construção do Rodoanel, o eixo desenvolvimentista que há muito se direcionou à São Paulo Expandida — formada pelas regiões metropolitanas de Sorocaba, Campinas e São José dos Campos — foi levemente alterado para municípios da Grande São Paulo com acesso às rodovias estaduais e federais. Guarulhos está entre as contempladas, assim como Cotia, Carapicuíba, Barueri e tantas outras.
Na corrida de espermatozóides por investimentos, o Grande ABC soçobra nos declives e curvas da logística. Em princípio, para a Simonsen & Associados, os municípios do Grande ABC estão na lista das indústrias aqui instaladas como alternativa de permanência. Entretanto, o que se depreende do mata-burros da acessibilidade complexa que ganha a denominação de logística é que a medida não passa de formalidade, tal a desvantagem que se cristaliza com o caráter excludente. Logística não é assunto de segunda época para o exame de avaliação de competitividade vista sob o princípio da localização.
Insisto em dizer que a conversa com Mario César de Camargo foi rápida mas suficientemente elucidativa, porque meu interlocutor é dessas raras competências que conseguem articular o pensamento em absoluta sintonia com a expressão verbal, racionalizando os enunciados de tal modo que fica marcado o entusiasmo de ouvir alguém tão didático, conciso e descomplicador de equações. O ex-prefeito Celso Daniel reunia qualidade semelhante. Ouvinte atento das reuniões, Celso Daniel só fazia intervenções no final, repassando professoralmente todos os pontos abordados, dando-lhes edição impressionantemente objetiva.
Mas, voltando à questão da opção da Gráfica Bandeirantes por Guarulhos e o peso excludente do fator logística, Mario César de Camargo explica que a consultoria especializada fez rastreamento completo de todas as notas fiscais de clientes e fornecedores nos 12 meses anteriores à contratação do trabalho. A exumação da documentação com o histórico do relacionamento comercial da Gráfica Bandeirantes identificava aspectos como localização geográfica, meios viários de acesso, valores monetários e outros itens que contribuíam para a construção de uma espécie de genoma das receitas e dos custos operacionais da empresa.
Com esses e outros dados reconstituídos e seguidos de análises sistêmicas que articulavam receitas e despesas dessas operações, a Simonsen & Associados resgatava e analisava minuciosamente todos os pontos positivos e negativos que determinadas alternativas de localização da planta industrial ofereciam. Outros elementos compõem esse quase labirintesco diagrama de competitividade locacional, sobre os quais, confesso, preferi não aprofundar questionamentos. Afinal, como estava mesmo ansioso para conhecer os motivos que levaram São Bernardo — e os demais municípios da região — a se tornarem carta fora do baralho recomendado pela Simonsen, fixei-me mais detidamente à tal da logística e suas influências.
É por essas e outras que qualquer pauta de desenvolvimento econômico sustentável do Grande ABC não pode cometer o desatino de desconsiderar as limitações detectadas por uma empresa especializada e que, como as demais que se lançam a estudos de pressupostos semelhantes, torna o fator desclassificatório e nos remete para a Segunda Divisão do Campeonato de Competitividade.
É por essas e outras que nossa preocupação com um plano estratégico para a ocupação economicamente responsável das bordas do trecho sul do Rodoanel, que contemplará tangencialmente o Grande ABC, precisa ser colocada como prioridade zero. O trecho sul do Rodoanel se junta à perspectiva do Ferroanel como peças-chave desse tabuleiro de xadrez de conquista de novos empreendimentos e, também, de manutenção do parque fabril da região, depois de anos a fio de sangria.
É por essas e outras também que o plano estratégico de São Bernardo, que pretende reorganizar o caótico sistema viário local com investimentos maciços a partir do empréstimo de US$ 165 milhões do BID, ganha revestimento extramunicipal e se insere num contexto de regionalidade que merecia tratamento além das fronteiras da Prefeitura dirigida por William Dib e Maurício Soares. A sinergia econômica entre os municípios da região transfere em grau nada desprezível eventuais resoluções de problemas de acessibilidade de um Município para o mais próximo e, com isso, interfere na avaliação final dos especialistas em apontar para onde vai uma nova fábrica ou uma fábrica mais antiga que está em nosso território e quer se oxigenar em territórios menos desgastantes.
Ou nos preparamos pragmaticamente para o jogo da inclusão e da exclusão empresarial, capturando todos os movimentos táticos e estratégicos praticados pelas consultorias especializadas movidas à competição globalizada, ou vamos continuar comendo poeira.
Quem acha que logística é simples apêndice de rentabilidade negocial, certamente vai cair da cadeira com a informação de que o custo nacional desse componente em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil alcança 22%, contra média de 12% do Primeiro Mundo. Recentemente a Gessy Lever anunciou formas de reduzir gastos com transporte e armazenagem de produtos e matérias-primas exatamente por saber o tamanho do rombo em suas finanças. Outras grandes e médias corporações seguem a mesma trilha. É preciso decepar custos.
No setor automotivo, então, nem se fale. A TNT, líder de logística mundial na Europa, multiplicou por mais de sete vezes o faturamento anual desde que se instalou no Brasil, há cinco anos. A maior parte vem das montadoras e das autopeças. É gigantesco o tamanho do desafio de encurtar distâncias entre o desperdício e a racionalidade num país continental como o Brasil.
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12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES