Esta é a sexta matéria de uma série especial que leva aos leitores a disparatosa queixa-crime impetrada em agosto de 2013 pelo então presidente do Clube dos Construtores do Grande ABC, Milton Bigucci, contra este jornalista. Ou seja: 18 meses antes de ser apeado do cargo daquela entidade após um quarto de século de mandos e desmandos como agente triunfalista de informações sobre uma atividade visceral ao equilíbrio orçamentário de milhares de famílias da região, o então dirigente classista utilizou-se daquela entidade para me levar aos tribunais. Como o fizera, sempre com as mesmas digitais interpretativas canhestras, em outras situações.
Contrapomos mais uma vez um dos artigos criminalizados de autoria deste jornalista a dois textos publicados recentemente em jornais da Capital. O objetivo é deliberadamente simples: comparem a acidez crítica e vejam se é possível surrupiar a liberdade de expressão sem abalar os pilares da democracia informativa.
No caso deste novo capítulo, trago aos leitores um texto de Vladimir Safatle, publicado na coluna que assina no jornal Folha de S. Paulo no dia sete de outubro último sob o título “O eixo da política brasileira”. O outro é do professor Denis Lerrer Rosenfield, na página de artigos do jornal O Estado de S. Paulo de cinco de setembro passado, sob o título “Fim!”.
Para que os leitores possam entender melhor o que se passa e tenham ampla liberdade de avaliação sem matreirices que sustentaram a queixa-crime do então presidente do Clube dos Construtores, pinçamos trechos mais apimentados dos dois artigos publicados nos jornais paulistanos. Primeiro, de Denis Lerrer Rosenfield:
A promessa de redenção dos pobres levou a um desemprego de aproximadamente 12 milhões de pessoas que, em um certo dia, acreditaram na ficção de um discurso cujos maiores beneficiários foram o PT e as suas empreiteiras. (...). De alguns senadores tudo se pode esperar, menos a preocupação com o bem coletivo, algo exposto pelo fatiamento bizarro de um artigo constitucional. (...) O absurdo é visível: uma criminosa por responsabilidade fiscal, responsável pela maior crise recente da história brasileira, com o país arruinado, estaria sendo tratada “injustamente”. Nem uma hora sobre os milhões de brasileiros que tiveram redução salarial ou lutam para sobreviver e para quem viver com R$ 5000 reais seria um sonho.
Agora, alguns trechos selecionados sem perda do contexto do conjunto, do artigo de Vladimir Safatle:
(...) A eleição do sr. João Doria é uma dessas piadas que só situações terminais são capazes de produzir. Implodindo seu próprio partido, com processos nas costas sobre abuso de poder econômico, esse personagem – frequentador de negócios obscuros com verbas públicas, de socialites caricatas e de programas do Amauri Jr. – representa o casamento da miséria do projeto do sr. Alckmin.
Agora, destaco os trechos que foram selecionados pela equipe de advogados do milionário Milton Bigucci, que atuaram em nome do Clube dos Construtores. O destaque, no caso, é evidentemente no sentido incriminador, criminizalizador, retirado do contexto da matéria porque a maliciosidade imperou em todos os apontamentos que pretendem calar este jornalista:
Será que os dirigentes que pretendem, finalmente, apear Milton Bigucci da presidência do Clube dos Construtores estariam decididos a convidar os representantes das bancadas majoritárias dos legislativos de cada um dos municípios da Província do Grande ABC, e também as bancadas de oposição, e formularem uma proposta moralizadora que sinalizaria novos tempos? Que proposta? Tornar de interesse público explícito o estoque de terrenos de propriedade municipal sujeitos a leilão. Mais que isso, ou desdobramento disso: que se estabeleçam nos certames regras moralizadoras e concorrência de verdade, não arranjos do tipo Marco Zero. Os cofres públicos seriam devidamente abastecidos sem traquinagens.
A propósito desse trecho, convém lembrar que o tempo tratou de botar os pratos a limpo. Em agosto de 2013 Milton Bigucci ainda não havia sido flagrado em delito como integrante ativo da Máfia do ISS, denunciado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo. Também não lhe atingira a imagem a denúncia do Ministério Público do Consumidor de São Bernardo que o colocou na condição de campeão regional de abusos contra a clientela, à frente da Construtora MBigucci.
De fato, Milton Bigucci usou o cargo de presidente para uma tentativa de desforra contra este jornalista. Tudo porque apontei o delito ainda impune do arremate do terreno onde se constrói o empreendimento Marco Zero da Vergonha. Jamais o empresário foi ao Judiciário para me incriminar por denunciar aquela irregularidade engavetada pelo prefeito Luiz Marinho, de São Bernardo.
Feitas essas observações no sentido de atiçar a leitura do conjunto que se apresenta neste artigo, passamos a reproduzir de forma intercalada os três artigos desta nova edição. É impossível ficar indiferente à aberração perpetrada pelo então dirigente do Clube dos Construtores. O intento de calar a imprensa independente é um velho vício do dirigente.
Vamos, finalmente, aos textos completos:
Primeiros trechos do artigo deste jornalista -- O grupo de empreendedores que pretende ocupar a direção do Clube dos Construtores e Incorporadores do Grande ABC precisa mostrar que segue cartilha totalmente diferente da aplicada pelo eterno presidente Milton Bigucci. E nada melhor que, quando surgirem condições técnico-políticas para apresentar a chapa que concorreria ao comando daquela frágil entidade, mostre credenciais de conceitos e propostas. Tudo diferente, portanto, dos deslizes éticos que levaram a direção do dono da MBigucci ao acostamento da credibilidade. Tenho uma sugestão que poderia abrir alas à nova configuração filosófica, por assim dizer.
Primeiros trechos do artigo do professor Denis Lerrer Rosenfield -- Terminou o longo e penoso ciclo de poder petista. Após 13 anos, o país, enfim, acordou, podendo ver uma realidade que lhe era subtraída. O peso da ficção e da ideologia impediam ver tudo o que estava, contudo, aí! A agora ex-presidente, com sua soberba, foi o triste — e muitas vezes ridículo — epílogo deste período. O Brasil foi a sua vítima. O profeta da salvação revelou-se um farsante! A promessa de redenção dos pobres levou a um desemprego de aproximadamente 12 milhões de pessoas, que, em um certo dia, acreditaram na ficção de um discurso, cujos maiores beneficiários foram o PT e as suas empreiteiras. Muitos enriqueceram, enquanto outros, na sociedade, já não mais tinham do que viver. Uns falavam em nome dos pobres, enquanto estes ficavam sem dicção.
Primeiros trechos do artigo de Vladimir Safatle -- É possível que um dos saldos desta última eleição seja um deslocamento importante do eixo da política brasileira. Durante toda a Nova República, esse eixo esteve encarnado na política paulista. São Paulo viu nascer os dois movimentos mais expressivos responsáveis pela gestão do poder nos últimos vinte anos. Primeiro, foi em São Paulo que as grandes greves do ABC redundaram em uma aliança composta por sindicalistas, intelectuais e igreja progressista que coordenou o processo hegemônico da esquerda brasileira sob o PT. Tal processo certamente entrou em colapso com a eleição –ao menos se pensarmos o PT como força hegemônica capaz de produzir políticas de transformação.
Mais trechos do artigo deste jornalista -- O que estará em jogo na transposição eleitoral do Clube dos Construtores e Incorporadores do Grande ABC é um imenso caudal de resoluções, uma das quais inadiável: a entidade precisa pavimentar nova relação com os administradores públicos municipais da região. As obscuridades que lançam o mercado imobiliário ao calabouço da sem-vergonhice quase generalizada devem ser senão sumariamente reduzidas, pelo menos suficientemente transparentes para, num processo de regeneração, abrir as portas a descobertas e desmascaramentos. Será que os dirigentes que pretendem, finalmente, apear Milton Bigucci da presidência do Clube dos Construtores, estariam decididos a convidar os representantes das bancadas majoritárias dos legislativos de cada um dos municípios da Província do Grande ABC, e também as bancadas de oposição, e formularem uma proposta moralizadora que sinalizaria novos tempos? Que proposta? Tornar de interesse público explícito o estoque de terrenos de propriedade municipal sujeitos a leilão. Mais que isso, ou desdobramento disso: que se estabeleçam nos certames regras moralizadoras e concorrência de verdade, não arranjos do tipo Marco Zero. Os cofres públicos seriam devidamente abastecidos sem traquinagens. Parece pouco para quem entende que o mercado imobiliário reúne muito mais safadezas nas relações espúrias com o Poder Público, tantos são os escândalos que, apesar da blindagem da mídia, saltam às manchetes. Parece pouco, mas não é. Fosse esse expediente implantado já há tempos na região, o caso denunciado do terreno arrematado ilicitamente pela MBigucci, do presidente do Clube dos Construtores e Incorporadores, não teria ocorrido. E tantos outros semelhantemente dribladores da legislação, teriam sido sufocados. Entretanto, como os próprios representantes do setor imobiliário, insatisfeitos com os rumos da entidade já faz muito tempo, observam com desconfiança total todo o movimento em torno da substituição de Milton Bigucci, o melhor a fazer mesmo é que o jogo de bastidores a tomada daquela entidade ganhe corpo em forma de projetos de interesse público, ou seja, que sigam um recorte além do corporativismo natural da instituição. Se o banco de estoque de áreas municipais sujeitas a leilões é uma boa pedida, possivelmente nada superaria a preparação e a aprovação de um código de ética do Clube dos Construtores e Incorporadores que contenha elementos conceituais suficientes para impedir irregularidades praticadas pela entidade. A moralização dos encontros com a Imprensa, no sentido de que se revelem dados estatísticos responsavelmente subprodutos de planilhas sustentáveis de investigações que abandonem chutometrias seletivas, deve ser questão de honra. O Clube dos Construtores e Incorporadores não pode seguir em busca de visibilidade informativa instrumentalizado pela industrialização de bobagens que visam artificializar o mercado.
Mais trechos do artigo de Denis Ferrer Rosenfield -- De alguns senadores tudo se pode esperar, menos a preocupação com o bem coletivo, algo exposto pelo fatiamento bizarro de um artigo constitucional. É como se a Constituição fosse um bolo do qual se poderia cortar fatias à conveniência de alguns que se pretendem poderosos ou simplesmente gulosos! A presidente foi apeada do poder, assumindo constitucionalmente o vice-presidente, no exercício pleno de suas funções. Fecha-se um ciclo, abre-se um novo. Eis o foco do qual não podemos nos desviar. O ganho é imenso! Há apenas um ano, poucos foram os que estavam convencidos de que o PT seria, conforme todas as leis deste país, afastado do poder. Lula, o Criador, gabava-se de eleger um poste, também denominado criatura. Cioso de sua onipotência fez com que aos pés deste país se abrisse um abismo, o da recessão, o da queda abrupta de renda, o da inflação que corrói os salários, o da desestruturação do Estado, o do sucateamento da Petrobras, privatizada partidariamente e assim por diante. Para muitos, a ascensão do PT ao Poder foi como um sonho, a sua realização um poderoso pesadelo. No atual contexto, o de aprovação do impeachment da agora ex-presidente Dilma, deve-se ter em vista que este é o fato essencial, não devendo a visão ser obscurecida pelas artimanhas de último minuto que não a inabilitaram para o exercício de cargos públicos. O principal não pode ceder lugar ao secundário.
Mais trechos do artigo de Vladimir Safatle -- Haddad era a última grande aposta do PT, mas pilotou uma prefeitura com baixos índices de aprovação durante três anos e sequer foi capaz de chegar ao segundo turno. Não esperem autocrítica deste processo, já que muito parecem ter se acostumado à limitação do horizonte de expectativas que a última prefeitura do PT representou.
Segundo, foi em São Paulo que nasceu o PSDB – de uma divisão no antigo PMDB provocada pelo controle de Orestes Quércia sobre o partido. Com inspiração inicial social-democrata e com sua aliança de intelectuais, antigos políticos que fizeram a oposição ao regime militar e grandes operadores da economia nacional, o PSDB volta à Prefeitura de São Paulo para enterrar, com chave de ouro revestida de diamante e toques de porcelana Luís 14 falsa, seu próprio ciclo.
Novos trechos finais do artigo deste jornalista -- Um banco de imóveis públicos que está na mira da privatização, ou seja, de leilões, é uma ideia que deve chocar quem faz da Administração Municipal um jogo de cartas marcadas para sustentar projetos eleitorais e pessoais acima das leis. Mas é uma pedida e tanto para dar o tom aos pretensos novos dirigentes do Clube dos Construtores e Incorporadores do Grande ABC. Seria uma bomba institucional. A regra geral e irrestrita no País é de compadrios de bastidores a fomentar privilégios escandalosos. Não acredito que o Clube dos Construtores e Incorporadores passará apenas por uma formalidade de troca de dirigentes, substituindo-se uma direção inteiramente inapropriada a novos tempos que se imaginam para o País por gente que simplesmente a copiaria, com disfarce de roupagem discursiva.
Novos trechos do artigo de Denis Ferrer Rosenfield -- O diferencial reside, neste momento, em que o novo presidente deverá continuar perseverando em uma mudança da política econômica e das políticas públicas em geral, mostrando que um novo país é possível. Suas sinalizações já foram muito positivas, faltando-lhes, ainda, a sua concretização em um futuro próximo. Vários projetos de lei e emendas constitucionais já se encontram no Congresso e outros deverão ser enviadas em breve espaço de tempo, como os das reformas previdenciária e trabalhista. O Brasil não pode mais conviver com o descalabro e a herança petistas. A manifestação pública de Michel Temer, assumindo o compromisso com essas reformas e propugnando por uma pacificação nacional, são expressões claras de que o país caminha para uma transformação decisiva, sem que se perca a percepção de que este caminho está cheio de percalços e armadilhas. Algumas delas foram bem armadas, como a do aumento salarial para vários setores do funcionalismo público quando, em contraste, quase 12 milhões de pessoas estão desempregadas. O secundário consiste na manobra conduzida pelo PT e por setores do PMDB, capitaneados pelos senadores Renan Calheiros e Kátia Abreu, de não inabilitar a presidente definitivamente afastada para assumir cargos públicos. O objetivo da manobra residiu em aliviar a pena da ex-presidente, em um prenúncio, perigoso, de que a mesma “interpretação” possa ser eventualmente aplicada a condenados pela Lava Jato.
Mais trechos do artigo de Vladimir Safatle -- A eleição do sr. João Doria é uma dessas piadas que só situações terminais são capazes de produzir. Implodindo seu próprio partido, com processos nas costas sobre abuso de poder econômico, esse personagem –frequentador de negócios obscuros com verbas públicas, de socialites caricatas e de programas do Amaury Jr.– representa o coroamento da miséria do projeto do sr. Alckmin. A sobrevida do governador é a prova mais cabal de como o Tucanistão gosta de quem tem processos do Metrô correndo nos tribunais da justiça da Suíça e da França, de quem é suspeito de casos de corrupção com a merenda escolar e cuja incompetência provoca racionamento de água, fecha escolas, deixa universidades à míngua, espanca professores e tem índices sociais pífios.
Trechos finais do artigo deste jornalista -- Já produzi um plano para aplicação no mercado imobiliário da Província do Grande ABC, algo que jamais o Clube dos Construtores e Incorporadores o fez porque, sob a gestão de Milton Bigucci, não tem a menor vocação à produtividade funcional, corporativa e social. Manter a atividade circunscrita a quatro paredes, preferencialmente entre amigos, é o máximo que o dirigente consolidou em duas décadas de centralismo. Sem contar a aproximação isolada, solitária mas sempre eficiente com os poderes públicos. Como não cansam de afirmar fontes deste jornalista que veem na histórica aproximação entre o presidente da entidade e, principalmente, as administrações municipais, mais que indícios, provas de que a corporação privada do dirigente estaria sempre em vantagem ante a institucionalidade do setor. Talvez num dia desses venha a complementar aquelas propostas, agora com a perspectiva de que novos ocupantes do Clube dos Construtores e Incorporadores estariam decididos a imprimir ritmo completamente diferente a um setor que tem relação íntima com a economia regional. O mercado imobiliário não pode seguir sequestrado por gente que olha apenas para o próprio umbigo. Não será fácil, porque há uma coalizão de forças entre grandes empreendedores e mídia. Para quem só tem a ganhar com o que registramos historicamente, mudar significaria quase um atentado à liberdade de mandar e desmandar.
Trechos finais do artigo de Denis Ferrer Rosenfield -- Eis uma amostra dos obstáculos que o presidente Temer terá de enfrentar, quando os setores menos qualificados do Senado e da Câmara se insurgirem contra qualquer proposta governamental. Aparentemente, dir-se-ão, por exemplo, defensores de determinados “direitos sociais”, quando, na verdade, estarão atendendo a interesses corporativos e aos seus próprios. Barganhas dos mais diferentes tipos continuarão a aparecer, no molde desta entre o PT e setores do PMDB, sempre em contra dos interesses da nação. m exemplo particularmente ilustrativo foi o de uma senadora que produziu uma esquisita “justificativa”, a de que a presidente não deveria ser inabilitada para o exercício de cargos públicos por não poder viver com um rendimento de R$5.000. O discurso foi piegas e teve como suposto argumento o de que a condenação, se não fatiada, seria uma “injustiça”. Estranha noção de injustiça. O absurdo é visível: uma criminosa por responsabilidade fiscal, responsável pela maior crise recente da história brasileira, com o país arruinado, estaria sendo tratada “injustamente”. Nem uma palavra sobre os milhões de brasileiros que tiveram redução salarial ou lutam para sobreviver e para quem viver com R$ 5.000 reais seria um sonho. Estes sim foram tratados injustamente pelo conjunto da obra petista e, em particular, pela presidente que ora se afasta. A inversão é total: a responsável por esta calamidade não deveria ser injustamente responsabilizada! A ex-presidente Dilma, se possui problemas econômicos, poderia procurar emprego nas empresas favorecidas por seu governo. Deveria, isto sim, ser por elas recompensada, graças aos lucros que viabilizou. Empreiteiros poderiam empregá-la, claro que, agora, sem o pagamento de propinas, que irrigava os seus cofres. Deveria ser contratada por sua “competência” administrativa. O mesmo valeria para alguns bancos que eram recebidos no Palácio do Planalto com tapete vermelho e indicavam ministros da área econômica. Os seus dirigentes eram tratados com o maior esmero. Seria, aliás, o momento da retribuição e da recompensa. Injusto é o contribuinte pagar por mais esta falta de decoro de senadores, comprometidos com salvar a cara da corrução petista e da ruína produzida pela ex-presidente Dilma.
Trechos finais do artigo de Vladimir Safatle -- Não espere daí nenhum novo ciclo de projetos nacionais. Na verdade, o fato novo desta eleição ocorre no Rio de Janeiro. Pois é no Rio que vemos um dos embates que, provavelmente, darão a tônica nos próximos anos. De um lado, a candidatura de um pastor evangélico representante da ala mais bem organizada deste movimento, a saber, a Igreja Universal do Reino de Deus. O crescimento de seu partido na última eleição, o PRB, é consistente (48% a mais de voto). Diferentemente de seu "irmão na fé", o PSC, o partido da Universal não comunga com o conservadorismo belicista e tosco que não teme em se apoiar nos amantes da ditadura militar. Na verdade, o PRB é um efeito colateral do lulismo, pois cresceu nas hostes do governo –o ex-vice-presidente José Alencar (1931-2011) foi um dos seus fundadores–, aprendeu a manusear a lógica da assistência, a esconder melhor seu conservadorismo e sua dinâmica teológico-política. Por isso, tem e terá muito mais densidade eleitoral. Do outro lado, temos uma das mais impressionantes experiências políticas dos últimos tempos no Brasil. Marcelo Freixo conseguiu federar um movimento de militantes, jovens e intelectuais único no Brasil atual, que se impôs como alternativa incontornável mesmo com apenas 11 segundos na televisão e nenhum dinheiro. Com mobilizações de rua, comícios e discussões contínuas para a elaboração de plano de governo, esse movimento tem uma dinâmica que há muito havia desaparecido da esquerda brasileira. Ele traz novas pautas, entre elas a constituição de mecanismos de democracia direta, a defesa radical dos direitos humanos e o fortalecimento dos serviços públicos. Sua lógica é a de uma mutação das formas de governo, e não de adequação aos modos atuais de governabilidade. Em um momento em que a esquerda brasileira parece fechar um ciclo, o sucesso da experiência capitaneada por Freixo indicará o caminho pelo qual ela poderá se reconfigurar.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)