O ex-sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva vai herdar de Fernando Henrique Cardoso um Grande ABC automotivo cruelmente atropelado pela abertura econômica. Nenhuma outra região brasileira passou pela experiência sadomasoquista de trocar o céu pelo inferno num passe de mágica econômico. A decisão de substituir o autarquismo pelo escancaramento do mercado nacional não tem adeptos em nenhum país de Primeiro Mundo.
O paraíso econômico construído a partir de Juscelino Kubitschek e que colocou o Grande ABC a salvo de grandes impactos econômicos virou pesadelo especialmente nos anos Fernando Henrique Cardoso. A associação destrutiva de abertura econômica e moeda sobrevalorizada em relação ao dólar, que perdurou até o início de 1999, juntou-se à guerra fiscal, à elevada taxa de juros e à descentralização automotiva para golpear a região. Saldo do período FHC: o PIB (Produto Interno Bruto) do Grande ABC perdeu 34% de musculatura.
De JK a FHC, o que a região viveu e que Lula da Silva vai herdar é uma experiência insidiosa, na qual o Estado-Todo-Poderoso pintou e bordou imprevidências. Na chegada das grandes montadoras de veículos e das indústrias satélites, o Estado não teve competência para articular políticas públicas que disciplinassem correntes migratórias e medidas estratégicas de concorrência cooperativa entre as autopeças — espírito de complementaridade próprio dos clusters, como no caso da Toyota no Japão. Quatro décadas depois de JK, ao decidir abrir o mercado para a concorrência internacional, o mesmo Estado simplesmente lavou as mãos sobre os efeitos econômicos e sociais que a medida provocaria. O Grande ABC ficou ao deus-dará e não teve, internamente, massa crítica institucional para reagir à altura e à velocidade das mudanças que o atingiram em cheio.
O Grande ABC começou a viver há mais de 10 anos uma tempestade que se agravou no período de comando de FHC. Chora de saudade dos tempos de mercado fechado, quando empurrava sobrerrodas para o Brasil inteiro o preço da ineficiência amalgamada pela impermeabilidade à competição internacional. Fabricar veículos no Grande ABC, e depois em algumas outras praças como Vale do Paraíba e Betim, em Minas, era certeza de rentabilidade elevada para os fabricantes tanto quanto salários e benesses sociais aos trabalhadores.
Vivia-se no Grande ABC a precariedade do Estado-do-Bem-Estar-Social de face tipicamente social-democrata européia. A diferença é que o exemplar regional de proteção social, principalmente aos trabalhadores metalúrgicos, escorava-se no conjunto de conquistas trabalhistas de um sindicalismo aguerrido. Quem pagava e ainda paga a conta são as empresas privadas, notadamente a cadeia automotiva. O Grande ABC era um paraíso para os assalariados industriais. O Brasil dos incluídos que consumia veículos de alfândegas fechadas à competitividade pagava o preço do autarquismo econômico.
O Brasil inflacionário e de classe média do tamanho de uma Argentina assegurava lucratividade às montadoras e autopeças e incrementava a composição de nova classe emergente. Competitividade, produtividade, tecnologia, reengenharia, tudo isso que se tornou sinônimo de abertura econômica não constava do vernáculo econômico nacional. Tanto quanto desemprego, precariedade do mercado de trabalho e violência urbana.
O capitalismo dirigista decidia nacionalmente os rumos da economia. De Getúlio Vargas ao regime militar, Juscelino Kubitschek no meio, tudo girava em torno do Estado onipresente. O Grande ABC periférico da Capital, a meio caminho do Porto de Santos, era estratégico na geografia. Servida pela Rodovia Anchieta, inaugurada no final dos anos 40, e depois pela Rodovia dos Imigrantes, a região oferecia insumos logísticos e vastas áreas apropriadas à industrialização. As montadoras foram chegando e as autopeças se avolumando. Em sincronia, o boom demográfico incontrolável.
A multiplicação dos pães dos tempos de JK e dos militares que o sucederam representou ciclo sobre o qual o Grande ABC não soube planejar-se para o futuro. Dirigentes políticos, lideranças econômicas e expoentes sociais e culturais desconsideraram qualquer ferramenta de monitoramento. Acreditava-se na riqueza eterna.
A gravidade da crise de um Grande ABC que neste 2002 registra 2,350 milhões de habitantes, mais de 230 mil desempregados e 143 mil carteiras de trabalho a menos no setor industrial nos últimos 15 anos só perde para a ausência de identidade municipal e regional — identidade essa que poderia representar o capital social que moveria os obstáculos à reestruturação.
O Grande ABC caiu no conto do vigário do triunfalismo ao confundir corporativismo com cidadania. A prova mais contundente de que foi pego na mentira é que assistiu com quase indiferença o desmoronamento de boa parte de suas riquezas e o rebaixamento da qualidade de vida. Pior do que isso: ainda não se deu conta de que os anos FHC representaram perniciosidade muito mais contundente do que a que os conservadores atribuem ao sindicalismo lançado pelo agora presidente Lula da Silva.
O Grande ABC passou de período de fertilidade econômica para tempos de escassez de investimentos e empregos, agravados com a depauperação de grandes levas de moradores. O barco virou de repente e deixou ondas de desespero que só alguns náufragos, anestesiados pelo passado de fartura, insistem em ignorar. O Grande ABC protegido pelo Estado contra a invasão de produtos estrangeiros — e que se locupletou ao longo de décadas com o processo inflacionário dissimulador de mazelas — virou maremoto de inquietações desde que sua principal força motriz, as montadoras de veículos, foi incentivada pelo governo federal e por governos estaduais a buscar outras praças que oferecem infra-estrutura e salários mais competitivos.
As montadoras souberam usufruir do regime automotivo, que lhes permitiu tempo suficiente para se prepararem à competição globalizada inicialmente contra importados e, na sequência, contra novos players. Enquanto isso, as autopeças, maioria das quais acionariamente de gestão familiar, sofreram reveses duríssimos com o rebaixamento das alíquotas de importação.
O governo federal praticou política tributária de ostensiva blindagem ao capital multinacional já instalado, em contraste com a sufocante paridade artificial de uma moeda estável mas valorizada demais, além da armadilha dos juros elevadíssimos.
Uma receita perfeita para desnacionalizar o setor industrial.
Conclusão: engolfadas por grandes conglomerados internacionais, as autopeças familiares simplesmente desapareceram, fugiram do chamado Custo ABC ou, descapitalizadas e defasadas tecnologicamente, viraram patrimônio do capital estrangeiro, cada vez mais necessitado de escala de produção também para enfrentar a guerra de negociação de preços com as montadoras.
As autopeças nacionais viraram objetos não-identificados no mapa regional. Faltam estatísticas locais, mas se no âmbito nacional 77% do setor de autopeças passaram para mãos estrangeiras, é mais que provável que no Grande ABC a incidência se aproxime do teto máximo.
Será cada vez mais raro empresas familiares relacionadas ao setor automotivo resistirem à blitz da mundialização dos negócios. Quem escapou continua sentindo a corda apertar. Outras mantiveram a identidade jurídica, mas mudaram de ramo em parte ou integralmente. Deixaram de colocar todos os ovos no mirrado cesto automotivo e se lançaram a atender outros setores, de eletrodomésticos a eletroeletrônicos. Nada é mais asfixiante que se submeter ao corpo-a-corpo das montadoras. Afinal, não há mercado mais competitivo em todo o mundo que o da produção de veículos. São escaramuças inevitáveis de um setor em que a produção mundial prevista para este ano atingirá 78 milhões de unidades e a demanda não alcançaria a 60 milhões.
O Grande ABC de JK a FHC herdado por Lula da Silva certamente provocaria muitas rimas. Todas comprometedoras ao prestígio internacional do presidente da República que está completando ciclo de oito anos de duplo mandato. Fernando Henrique Cardoso conseguiu superar largamente qualquer outro motivo que seja apresentado como relevante para o fato de o Grande ABC viver tormenta de fundas consequências sociais.
Com a imprevidência de não ter reservado nada em seu governo que minimamente se identifique como política econômica regional, sobretudo para áreas metropolitanas cada vez mais estioladas pela exclusão social e pela exclusão funcional, Fernando Henrique Cardoso tornou-se para o Grande ABC um Juscelino Kubitschek às avessas. Em vez de dinamismo econômico e mobilidade social ascendente, patrocinou refluxo e mobilidade descendente.
A competitividade que instalou na indústria automotiva nacional, agora com uma constelação de 20 montadoras espalhadas por diversos Estados, é uma conquista de FHC. Entretanto, o estímulo à guerra fiscal, inclusive ao colocar recursos do BNDES para viabilizar as novas plantas, não obedeceu a pressupostos verdadeiramente desenvolvimentistas. Gravataí (RS), Rezende (RJ), São José dos Pinhais (PR), Porto Real (RJ), Camaçari (BA) e tantos outros endereços que identificam novas fábricas e novas logomarcas não reproduzem política econômica setorial fundamentada em valores equânimes. O governo federal esqueceu que por trás de fábricas há gente, há famílias.
O que significa isso? Significa que o Grande ABC perdulariamente produtivo nos tempos de mercado fechado foi entregue às traças quando um novo modelo se consolidou. Os custos de produção das antigas fábricas da região, mesmo depois de colossais investimentos em máquinas e treinamento e mesmo depois de sufocantes enxugamentos no contingente de trabalhadores, ainda estão muito acima dos concorrentes mais recentemente instalados. O modelo configurado por JK, avalizado pelos militares e também pelo primeiro ciclo dos presidentes democraticamente eleitos simplesmente foi atirado ao lixo. FHC jogou fora a água da banheira do protecionismo juntamente com a criança do Grande ABC.
JK e FHC vivenciaram momentos diferentes tanto no campo macroeconômico quanto nas atividades macropolíticas mundiais, mas o ônus do desbalanceamento provocado pela abertura econômica desmedidamente apressada e pela multiplicação da concorrência em terras brasileiras atingiu em cheio muito mais o Grande ABC do que qualquer outra região brasileira, muitas das quais já há algum tempo em fase de recuperação. A diferença entre a sacudida que atingiu o casco do Grande ABC até o início dos anos 90 beneficiário histórico de um País cartorialista e o Grande ABC violentamente atirado às pedras pela globalização incontida está no próprio perfil econômico.
Dependente do setor automotivo em mais de 70% do PIB (Produto Interno Bruto) regional, o Grande ABC perdeu mais que qualquer outra região brasileira porque sua industrialização automotiva se deu e ainda se dá sob forte influência internacional. O capital nacional que construiu um dos maiores parques de autopeças do País sempre dependeu dos humores do capital estrangeiro das montadoras. Quando as automobilísticas tiveram de correr atrás de competitividade e as autopeças nacionais ficaram expostas à concorrência externa mais qualificada e favorecida pela valorização cambial, desmoronaram-se fortalezas dos tempos de autarquia econômica.
Em vez de carroças, o Grande ABC começou a produzir veículos. Tudo muito rapidamente. Lançaram-se as autopeças aos leões, sem cerimônia e sem tempo de adaptação às novas regras. Destruíram-se sonhos de muitas décadas. As mesmas pequenas metalúrgicas inadvertidamente maltratadas pelo sindicalismo, que sistematicamente as colocavam no mesmo saco de reivindicações das montadoras nos anos mais quentes de embates entre capital e trabalho, não tiveram a contrapartida da isonomia, agora saudável, do gradualismo alfandegário. Alíquotas rebaixadas em proporção muito maior que as montadoras equivalem a colocar num mesmo ringue boxeadores tão díspares quanto um peso pesado e um peso pena.
Como se observa, os desafios que o Grande ABC impõe ao governo Lula da Silva não são simples. Há evidente ambiente de terra arrasada pela macroeconomia. Por mais que o novo presidente da República considere que deve governar para todos, e nem se pode criticá-lo na defesa dessa premissa, suas ligações históricas com a região e o grupo de assessores que vai acompanhá-lo em Brasília não permitem tergiversar sobre as expectativas de que o Grande ABC, de alguma forma, vai contar com olhares especiais do novo chefe de governo nacional.
Há série de medidas que podem ser deliberadas pelo novo governo para recolocar o Grande ABC na rota do desenvolvimento sustentável. A sangria regional é grave e não será estancada sem muita engenhosidade. Um modelo de financiamento à reconstrução regional voltado para o alargamento das matrizes econômicas além do setor automotivo é claramente impostergável. Nem se pode dizer que seja um favor, porque a região recolhe muito mais em tributos para os cofres estaduais e federais do que recebe de repasse. Recursos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e de organismos internacionais tornam-se emergenciais. Brasília não pode desprezar a latente capacidade regeneradora da economia do Grande ABC, estruturada na força do empreendedorismo privado e na cultura do trabalho industrial.
O governo Lula da Silva tem, por isso tudo, um compromisso especial com o Grande ABC e que independe de complicadas negociações com o Congresso Nacional. Há várias maneiras de, longe das forças de pressão político-partidárias, regionais e estaduais, abrir caminhos por onde representantes da região costurariam acordos que nenhum outro governo federal sequer cogitou porque o Grande ABC jamais esteve no mapa de preocupações de Brasília.
Enfim, que ao Lulalá se tenha o contraponto do Lulacá, porque é disso que o Grande ABC tanto precisa.
Ninguém conhece mais a situação do mercado de trabalho industrial do Grande ABC do que os sindicalistas. Diferentemente de observadores acostumados ao ambiente asséptico e refrigerado dos escritórios, eles falam com conhecimento de causa porque estão envolvidos com o calor dos acontecimentos no front das transformações. “O efeito da abertura econômica sobre o segmento gráfico regional foi avassalador: dos 11,6 mil empregados em 1989, sobraram menos de seis mil” — expõe Isaias Karrara Souza Silva, fundador e presidente do Sindicato dos Trabalhadores Gráficos do Grande ABC, filiado à CUT (Central Única dos Trabalhadores).
Com experiência de quem está à frente do sindicato desde 1989, em quatro mandatos consecutivos, Karrara explica que a facilitação das importações de bens de capital proporcionada pela queda das tarifas ampliou a produtividade das empresas na mesma medida em que dizimou milhares de postos de trabalho. “Com a queda das barreiras tarifárias, as empresas adotaram equipamentos ultra-modernos. Nessa busca por superação de décadas de atraso, os trabalhadores foram os mais afetados” — observa Karrara, que exprime o conceito na prática. “Antes, serviços gráficos em quatro cores demandavam três intervenções humanas. Hoje, as máquinas processam em 10 cores sem necessidade de o homem pôr a mão”.
O sindicalista reconhece que às empresas não restava alternativa a não ser correr atrás do tempo perdido. “Para sobreviver no mercado mais concorrido com a atuação das multinacionais, gráficas mais antigas não tinham saída senão se modernizar” — comenta. Empresas que não acompanharam a evolução tecnológica ampliaram ainda mais o contingente de desempregados com o consequente encerramento de atividades. “São os casos da Gráfica Itaú, que chegou a ter 1.280 funcionários em São Bernardo, da IBF (Indústria Brasileira de Formulários), que teve 1,2 mil funcionários, além de inúmeras gráficas que acolheram até uma centena de funcionários, entre as quais Exata Set, de São Caetano, GDF, de São Bernardo, e Goldprint, de Diadema” — enumera.
A baixa mais recente foi protagonizada pela Probus, sinônimo de cartões e papéis para presentes instalada há décadas em Rudge Ramos, São Bernardo. Das primeiras demissões em março de 2001 ao encerramento das atividades em junho último, 320 empregos foram cortados. Como em outros casos, a Probus foi acionada judicialmente pelos trabalhadores para pagamento de verbas rescisórias.
“Perda ainda mais significativa para o Grande ABC é a transferência da Gráfica Bandeirantes de São Bernardo para Guarulhos” — ressalta Isaias Karrara, referindo-se a outro ícone gráfico regional. A comparação não está relacionada ao volume de empregos que deixam de existir em São Bernardo com a centralização produtiva da Bandeirantes na unidade de Guarulhos. Depois de 320 empregados na década de 80, a Bandeirantes deixa São Bernardo com 160, menos portanto, que o contingente mais recente da Probus.
O juízo de valor diz respeito à qualidade dos interlocutores no comando da empresa. “Lamento a saída sobretudo porque Mário César de Camargo é uma das melhores cabeças do Grande ABC. A Bandeirante tornou-se modelo na relação capital-trabalho. Mário César e o irmão sempre resolveram eventuais problemas com os empregados sem intermediadores. Sempre prezaram a transparência e mantiveram a empresa de portas abertas para o sindicato” — relata Karrara.
Karrara lembra que o levantamento estritamente quantitativo não espelha a realidade do segmento. “A quantidade de empresas no cadastro foi reduzida de 600 em 1989 para 480 em 2002, mas a redução de unidades foi mais amena que o brusco encolhimento da categoria porque multiplicaram-se microempresas criadas por ex-funcionários de gráficas de médio e grande portes que enxugaram ou fecharam” — explica.
Grandes empresas como Shellmar, com mais de 600 empregados na Via Anchieta, em São Bernardo; Interprint, com 900 trabalhadores no Rudge Ramos; e Prol, com 200 empregados em Diadema, são exceção no panorama marcado por micro e pequenos negócios. “Gráfica hoje é que nem boteco: tem uma em cada esquina” — exagera o sindicalista. “O problema é que a sobreposição de competidores torna a concorrência desgastante e insatisfatória”.
A realidade é tão desanimadora que até esforços de recolocação profissional foram suspensos. “Em 1994 criamos um cadastro de desempregados e divulgamos entre as empresas. Mas como de 1999 para cá novas vagas no setor são raridade, desistimos” — desabafa o sindicalista. “Dói muito ver ex-gráficos vendendo cachorro-quente na esquina” — lamenta.
Trabalhadores do setor químico também passaram por duro processo de condensação. O presidente do Sindicato dos Químicos do Grande ABC, Sérgio Novais, expõe que a base de trabalhadores foi reduzida de 45 mil em 1990 para atuais 30 mil. “Perdemos um terço da categoria em 12 anos”.
Praticamente metade dos 15 mil postos de trabalho destruídos era distribuída ao longo da cadeia petroquímica que envolve PQU (Petroquímica União), empresas de segunda geração do Pólo Petroquímico de Capuava e empresas transformadoras de plástico espalhadas por todo o Grande ABC. “Com a liberação das importações de insumos petroquímicos e a privatização da PQU, a cadeia produtiva deu guinada tecnológica e desempregou como nunca” — recorda Sérgio Novais.
No Pólo Petroquímico de Capuava, entre Mauá e Santo André, sobraram apenas 1,8 mil dos quatro mil empregados de 1990. Empresas especializadas em transformar resinas em produtos plásticos, que formam a chamada terceira geração do setor, cortaram cinco mil empregos.
“Uma injetora de plásticos necessitava de vários trabalhadores em 1990: um para abrir e fechar a máquina, outro para rebarbar as peças, outro para inspecionar o serviço e mais um para embalar o produto final. As máquinas automatizadas de hoje geram produtos sem rebarbas e produzem em quantidade muito maior” — exemplifica Sérgio Novais. “O desemprego também foi impulsionado pela transferência de empresas do Grande ABC para outras regiões, como a Fortilit, que já empregou mais de 700 trabalhadores em Santo André” — comenta.
A outra metade dos 15 mil trabalhadores químicos dispensados nos últimos 12 anos está relacionada aos postos de trabalho fechados em empresas cujos produtos não derivam de petróleo, além de indústrias de tintas e farmacêutica. Entre as perdas nas indústrias não-petroquímicas Sérgio Novais cita a transferência da Ferro Enamel de São Bernardo para Santa Catarina e o enxugamento na Rhodia de Santo André. “A base tinha 1,4 mil trabalhadores da Rhodia em meados dos anos 80. Hoje não tem 100″ — expõe.
Na indústria de tintas houve a transferência da Sherwin Willians de São Bernardo para Taboão da Serra, sem contar o corte generalizado de postos de trabalho. No setor farmacêutico, o destaque é o encerramento da produção de medicamentos na planta da Kolynos. “Com a saída da divisão farmacêutica e a adoção de novas tecnologias na área de saúde bucal, a quantidade de empregados foi reduzida de quatro mil para 1,4 mil” — afirma Novais.
Lideranças dos metalúrgicos do Grande ABC acusam os mesmos sintomas que acometeram os segmentos gráfico e químico: adoção maciça de tecnologias descartadoras de mão-de-obra, falências e evasão de empresas. A diferença é que o impacto entre os metalúrgicos foi ainda maior porque o setor sempre teve presença destacada no Grande ABC. Montadoras e autopeças foram diretamente golpeadas pela redução de alíquotas de importação e pela desconcentração geográfica dos investimentos automotivos, definida em verdadeiros leilões de incentivos fiscais.
“A globalização foi conduzida de maneira desastrosa. A insensibilidade do governo levou a um quadro terrível no qual, por falta de oportunidades de trabalho, estamos perdendo a juventude para a bandidagem” — ressalta Valdecir Véinho Fernandes Silva, secretário-geral e presidente interino do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. “Participei de guerrilhas como militante de esquerda durante o regime militar e já passei por situações que nem sei como estou vivo, mas a situação do Grande ABC é de amedrontar” — desabafa Valdecir Véinho, que integra a direção do sindicato há 10 anos.
O sindicalista conta que a base metalúrgica de Santo André foi reduzida de 51 mil trabalhadores em 1978 para 18,5 mil. Em 1989, eram 41 mil trabalhadores. “Com a adoção obrigatória de novas tecnologias, o homem perdeu espaço para as máquinas. A Cofap chegou a ter 13 mil empregados há 10 anos e hoje são apenas 3,8 mil, mas a produção é três vezes maior” — conta Valdecir Véinho.
Entre as empresas que fecharam ou deixaram o Grande ABC estão a Molins, fabricante de máquinas para produção de cigarros, que se transferiu de Mauá para Santa Catarina em meados dos anos 90 dispensando 750 trabalhadores; Companhia Paulista de Laminação, fechada em Mauá em 1995, encerrando 850 postos de trabalho; Pierre Saby, fechada no ano passado com 300 empregados; Brosol, que já teve 3,6 mil trabalhadores em Ribeirão Pires; Nordon, fabricante de equipamentos para cervejarias que fechou com 900 empregados em Santo André; Black & Decker, fabricante de ferramentas que trocou Santo André pelo Triângulo Mineiro eliminando 1,2 mil postos de trabalho; e Fichet, fabricante de estruturas metálicas de Santo André, que empregou 700 trabalhadores antes de falir, entre muitas outras.
“Estamos falando das maiores. As pequenas que sumiram do mapa a gente perde de vista” — comenta Valdecir Véinho. Ele sublinha o estreitamento do mercado de trabalho citando exemplo das transformações ocorridas na empresa da qual é funcionário licenciado. “A Philips chegou a ter cinco unidades no Grande ABC e hoje só são duas. De três mil funcionários sobraram 1,5 mil” — conta.
A situação de exclusão funcional é visível no Centro de Solidariedade ao Trabalhador, espécie de mega-agência de empregos mantida pela Força Sindical em parceria com a Prefeitura de Santo André e Secretaria de Relações de Trabalho do Estado. Nada menos que mil desempregados circulam de segunda à sexta-feira pelo centro em busca de reinserção profissional. O volume da fila dobra o quarteirão da Rua Gertrudes de Lima, onde está instalado. Estão cadastrados mais de 150 mil nomes.
“A globalização trouxe impacto para o qual não estávamos preparados” – faz coro Cidão Inácio da Silva, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano, filiado à Força Sindical. Da base de 23 mil metalúrgicos nos anos 80, sobraram 12 mil. “O enxugamento foi repentino, sem que houvesse tempo para reação. Se a inserção brasileira na globalização fosse planejada e gradual, os trabalhadores poderiam ter sido treinados para outras ocupações a tempo” — considera Cidão.
O sindicalista explica que dos 11,5 mil metalúrgicos varridos do mercado de trabalho em São Caetano, 7,5 mil foram dispensados pela General Motors. Os três mil empregos restantes são contabilizados de empresas que fecharam ou se transferiram de São Caetano. É o caso da autopeça ZF, que se instalou em Sorocaba, e também de metalúrgicas especializadas em outros produtos. A Confab, fabricante de tubulações para gasodutos e oleodutos que já empregou mais de 700 trabalhadores em fins dos anos 80, transferiu-se para o Vale do Paraíba há pouco mais de um ano.
A recente instalação da Comercial Gerdau no imenso galpão deixado pela Confab é exemplo do exercício de manipulação ao qual algumas lideranças públicas e empresariais comprometidas politicamente insistem em se dedicar à despeito da realidade da desindustrialização que golpeou o Grande ABC. Houve quem, caso do empresário Fausto Cestari Filho, dirigente do conglomerado Fiesp/Ciesp, tentasse dar à instalação da Comercial Gerdau ares de volta por cima. Vice-presidente do Conselho de Desenvolvimento Econômico de São Caetano, Fausto Cestari Filho trocou o discurso combativo e integracionista dos tempos em que era membro do Fórum da Cidadania do Grande ABC, inclusive como coordenador-geral, pelo adesismo político-partidário. O dirigente só esqueceu de dizer na pregação triunfalista que, além de comercial e não industrial, a Gerdau criou apenas 90 empregos.
Quem imagina que a compactação da força de trabalho já chegou ao limite precisa ouvir o sindicalista Cidão da Silva: “Temos que estar preparados para o pior. E o pior é que vai haver redução ainda mais aguda na GM, que no futuro próximo não empregará mais do que cinco mil metalúrgicos” — alerta. “Conheci uma montadora norte-americana que produz o dobro da planta de São Caetano com apenas três mil funcionários — a Saturno de Detroit, pertencente ao Grupo GM” — comenta.
“Pior do que a abertura descontrolada foi a ausência de crescimento econômico, especialmente nos últimos oito anos. Se a economia brasileira tivesse crescido a taxas satisfatórias, quem foi dispensado da indústria automotiva poderia ter sido reinserido em novos segmentos ou mesmo em outras indústrias” — considera José Lopez Feijoó, presidente interino do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, sediado em São Bernardo, filiado à CUT e centro do ressurgimento do movimento sindical no País, no final dos anos 70, quando Lula da Silva emergiu nas manchetes.
Feijoó calcula em 100 mil empregos o saldo negativo do setor desde fins dos anos 80. “Da nossa base de 200 mil trabalhadores, sobraram 100 mil” — esclarece, referindo-se às áreas de São Bernardo e Diadema. “A Volkswagen tinha 42 mil empregados em meados dos anos 80 e hoje tem 16 mil. A Ford tinha 12 mil empregados em dezembro de 1973, quando comecei a trabalhar na empresa, e hoje tem quatro mil” — contabiliza Feijoó.
Diferentemente do enxugamento de empregos industriais, a base dos comerciários expandiu-se. Minervino Ferreira, presidente do Sindicato dos Empregados do Comércio do Grande ABC, afirma que a categoria tinha 50 mil trabalhadores em 1986 — quando ele assumiu o cargo — e hoje contabiliza 90 mil. Eram cinco mil estabelecimentos comerciais e hoje são mais de 12 mil. Entretanto, não há motivos para comemorar: “Em meados da década de 80 a base era praticamente a metade da atual porque a manufatura industrial era o ponto-chave da região. Aí veio a transformação e os milhares de desempregados investiram economias pessoais na abertura de pequenos comércios. Por isso houve crescimento tão grande de empresas e de trabalhadores” — explica o sindicalista.
Ex-trabalhadores industriais que trocaram o macacão ou o terno e a gravata pela vida de comerciantes estariam no melhor dos mundos não fossem dois fenômenos que atingiram em cheio o varejo regional: a desindustrialização e a intensificação da chegada das grandes redes supermercadistas.
Com o desemprego industrial, a massa salarial foi drasticamente reduzida. “Assim como a Volks, que já teve 45 mil funcionários e hoje emprega 16 mil, muitas outras indústrias reduziram a força de trabalho para um terço, o que diminuiu e muito a renda em circulação. Tudo no Grande ABC depende da indústria e, principalmente, das montadoras. Esse é nosso calcanhar-de-Aquiles” — explica o líder comerciário.
Além de disputar recursos cada vez menores entre quantidade muito maior de concorrentes, comerciantes de pequeno porte sentiram o assédio de grandes redes supermercadistas que, em movimento oposto ao das indústrias que deixaram o Grande ABC, instalaram-se em massa numa região cujo potencial de consumo é o quarto do País. Carrefour, Wal-Mart, Sé Supermercados, Big, Extra, Coop e Sonda são algumas das redes que aportaram ou reforçaram presença nos últimos anos. “É praticamente impossível competir dada a grande diferença de capacidade na negociação com os grandes fornecedores. Além disso, as grandes redes já estão invadindo redutos tradicionais dos comerciantes nos bairros com lojas de vizinhança” — alerta Minervino Ferreira.
A diferença entre o passado de farto emprego industrial e o presente de maior concorrência e menos empregos na indústria emite sinais que Minervino decodifica com a experiência de 16 anos à frente do sindicato. “Antigamente, nesta época do ano, todo mundo reformava as lojas e caprichava nos enfeites de olho nas vendas do Natal. Hoje não temos mais isso” — comenta. “A Mesbla fechou o grande magazine que tinha no Centro de Santo André há pelo menos quatro anos e até hoje o imóvel está vago” — lembra.
O ritmo intenso de abertura e fechamento de pequenos estabelecimentos comerciais também é sintomático das dificuldades do setor. “Pontos comerciais são repassados eternamente porque os problemas não estão no proprietário do momento, e sim na situação estrutural da região” — lamenta Minervino.
O sindicalista lembra que os shopping centers, que contribuíram para drenar o movimento do comércio de rua, também acusam efeitos do empobrecimento regional. “Alguns sucumbiram à competição, como o Best Shopping, e outros estão visivelmente mal das pernas. Até mesmo em shoppings maiores e mais bem estruturados a situação não é das melhores. Para escamotear altos índices de espaços ociosos, as administrações costumam oferecer lojas vagas como vitrines adicionais aos lojistas remanescentes” — observa Minervino.
Dividido em 15 regiões administrativas, o Estado de São Paulo viveu situações diferentes e contrastantes ao longo do governo de Fernando Henrique Cardoso. Nada, entretanto, se assemelha ao desempenho da economia do Grande ABC: a perda de 34% do Valor Adicionado é um desastre específico da região.
O estudo sobre o comportamento da economia paulista entre janeiro de 1995 e dezembro de 2001 é inédito. Valor Adicionado é espécie de PIB (Produto Interno Bruto), porque mede a transformação de riqueza de determinado território. A influência do Valor Adicionado na distribuição do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) é elucidativa de sua importância: do total de recursos que o governo do Estado transfere para os 645 municípios paulistas, 76% decorrem do volume de Valor Adicionado, contra apenas 13% do fator população, 5% de receita tributária própria e 2% de componente fixo, entre outros. Em suma: o VA prevalece largamente no irrigamento do ICMS, a principal receita orçamentária dos municípios e do Estado.
Os sete primeiros anos do governo Fernando Henrique Cardoso, sempre comparando os resultados de 2001 com os alcançados em 1994, apresentam a seguinte situação por Região Administrativa de São Paulo:
É notória a queda de participação absoluta e relativa do Grande ABC no bolo da Grande São Paulo e do Estado. Na Grande São Paulo, a participação relativa do Valor Adicionado do Grande ABC caiu de 26,7% registrados em 1994 para 18,5% em 2001. O tombo no Estado foi semelhante: de 13,89% em 1994 para 8,98% sete anos depois. Em valores monetários, a perda do Grande ABC atingiu R$ 12,4 bilhões entre 1994 e 2001. Quantia semelhante ao que representou a geração de riqueza em São José dos Campos no ano passado.
Se for considerado o crescimento demográfico, o Grande ABC apresentou no mesmo período rebaixamento de 42% por morador. Quase quatro vezes a perda per capita registrada pelo conjunto do Estado de São Paulo, que atingiu 12%.
Esses números gerais sobre a economia paulista não significam que ganhos e perdas das Regiões Administrativas sejam necessariamente nas dimensões expressas pela contabilidade. É mais provável que não, porque esses valores são tributários e geralmente não expressam a realidade prática quando se sabe que os conceitos de produção, emprego, produtividade e fiscalização sofreram fundas mudanças nos últimos tempos. É muito provável que as perdas efetivas do Grande ABC sejam maiores do que as detectadas e que os ganhos de várias regiões sejam menores.
Do ponto de vista tributário, a Secretaria da Fazenda do Estado tem se esmerado no aperfeiçoamento da máquina arrecadatória, sobremodo com a utilização de recursos tecnológicos, treinamento e reciclagem de profissionais e a chamada substituição tributária, que concentra toda a arrecadação de impostos em empresas-cabeça de vários setores, reduzindo drasticamente a sonegação.
Produção, emprego e produtividade são equações complementares que tornam as empresas cada vez mais competitivas com menos mão-de-obra. A produção (e consequentemente o Valor Adicionado) é acrescida por meio de investimentos em modernização tecnológica de máquinas, equipamentos e processos. Com isso, gera-se maior massa produtiva, ou seja, maior produtividade.
Essa é a uma realidade particularmente comum na Região Metropolitana de São Paulo, área industrializada há mais tempo e que por isso mesmo ainda passa por sofridos processos de competitividade. Algo que as empresas do Interior, principalmente dos pólos de Campinas, São José dos Campos e Sorocaba, não sofreram tanto, porque chegaram aos seus respectivos territórios mais preparadas para o jogo da internacionalização da economia.
A tempestade macroeconômica que atingiu o Grande ABC também pode ser medida por outro estudo, num período diferente do que esmiuçou o comportamento do Valor Adicionado: uma comparação ponta a ponta entre o repasse do ICMS para os sete municípios da região entre 1997 e 2001 aponta perda de R$ 541 milhões.
Em 1997, com os valores corrigidos pelo IGP-M, os municípios da região receberam a título de transferência da cota-parte do ICMS total de R$ 1,284 bilhão. No ano passado, com velocidade conservadora de 59,37% de corrosão inflacionária no período, contando-se de janeiro de 1997 a dezembro de 2001, a soma das transferências do ICMS chegou a R$ 743,1 milhões. Uma diferença de 42,1%. Entra nesse passivo não só a correção da moeda nacional como também, ou principalmente, a descentralização da indústria automotiva brasileira, com novos protagonistas no Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e a sempre ascendente Fiat em Belo Horizonte. Sozinha, São Bernardo, a Capital Automotiva do País, perdeu R$ 134,6 milhões, ou 30% de receitas com a cota do ICMS.
A participação relativa do Valor Adicionado dos sete municípios da região em 1994 alcançava 13,89% do Estado. Em dezembro de 2001 foi rebaixada a 8,98% — queda de 4,91 pontos percentuais ou de 35,3%. Como o VA dos paulistas em 2001 totalizou R$ 279,1 bilhões, se mantivesse a participação de 1994 o Grande ABC teria somado R$ 38,7 bilhões.
A crise instalada no Grande ABC não tem parentesco com qualquer outra região do Estado. Mesmo na Grande São Paulo. A produção de riquezas da região, conceito-síntese de VA, caiu de participação relativa de 26,7% para 18,5% na composição de forças dos 39 municípios da Região Metropolitana de São Paulo.
A luz vermelha está acesa para a indústria têxtil dos Estados Unidos, que não quer seguir o rumo da indústria de calçados, praticamente extinta. O regime de cotas que protege o setor deverá terminar em janeiro de 2005, e desde já se coloca a questão: o que acontecerá? A tarifa média dos Estados Unidos sobre importações de têxteis e vestuário é de 17%, mas a tarifa mais alta é muito maior. O governo Bush manifesta apoio ao comércio mais livre nas Américas. Diz que os países ricos deveriam reduzir tarifas mais que os países pobres. Mas tudo passa pelo gradualismo. Entre o obsoletismo e a modernidade tecnológica que garanta a competitividade internacional é preciso obediência a um cronograma que leve em conta os impactos sociais. O Grande ABC foi exposto à transferência da geladeira do protecionismo ao microondas da competição num piscar de olhos.
O surgimento do Fórum da Cidadania fez revitalizar o moribundo Consórcio de Prefeitos, emergiu a Câmara Regional do Grande ABC e também a Agência de Desenvolvimento Econômico. Entretanto, nenhum desses organismos conseguiu enxergar o óbvio: o Grande ABC estava fora da rota de interesse do governo federal. Entidades sobrepostas, Câmara, Consórcio e Agência exercitam a mesma dificuldade do Fórum da Cidadania dos bons tempos: são incapazes de avaliar os estragos da abertura econômica e o custo da dependência do setor automotivo.
A fragilidade institucional do Grande ABC está simbolizada no desprezo do presidente em receber prefeitos da região. O prefeito Luiz Tortorello, de São Caetano, também presidente do Consórcio, não conseguiu abrir qualquer brecha na agenda de FHC.
Ao defender a insensata tese de que o Grande ABC não sofreu esvaziamento industrial, João Batista Pamplona transformou o cargo de coordenador de pesquisas da Agência em espécie de anedotário de Casseta & Planeta. Mesmo assim, os desvarios numéricos foram solenemente sustentados pela omissão dos associados da Agência. Pamplona era espécie de garoto-propaganda de um Grande ABC de economia inviolável e isso, de alguma forma, estava relacionado com os núcleos de dissimuladores que, a todo custo, procuravam escamotear o empobrecimento da região.
A tática de Pamplona para ludibriar a boa-fé era simples: selecionava os melhores períodos da economia regional, manipulava os números e os comparava com os períodos mais difíceis. Em pleno refluxo de 2001, utilizava-se de dados manipulados de 1995 e 1996 para defender teses cor-de-rosa.
Se é tradição as entidades empresariais do Grande ABC omitirem-se sobre questões econômicas locais, o que esperar de problemáticas que recomendam ações estaduais e federais? Por isso, foi surpreendente e inexplicável o rompimento do Grupo dos 11 (associações comerciais e Ciesps) com a Agência de Desenvolvimento Econômico. A baixa produtividade da Agência, motivo do afastamento, foi apenas pretexto porque grande parte dos dissidentes nem as mensalidades pagava e raramente contava com representantes nos eventos. A Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André) é exceção no quadro de generalizado desinteresse, mesmo sem interferir fortemente no processo.
Sem representatividade empresarial, o que esperar do Grande ABC no jogo pela valorização do território junto ao governo do Estado e da União? O desastre dos anos FHC é prova irrefutável da silenciosa debacle.
Um exemplo, que também poderia ter tido a participação de classes empresariais, é a privatização da CTBC, então sob domínio da também estatal Telesp. Quando a Telefônica passou ao controle acionário, a CTBC perdeu de vez os diretores regionais. O Grande ABC virou apenas sucursal da matriz paulistana. Contasse o Grande ABC com um mínimo de capital social, a privatização da CTBC poderia ter preservado interesses regionais com a presença de um representante da comunidade no quadro diretivo para pelo menos exercer a função de espécie de ombudsman da sociedade regional.
Sem qualquer mobilização de sindicalistas e empresários, o Grande ABC simplesmente não tem ouvido ou voz no desempenho da companhia responsável pela gestão de um serviço público de extremo interesse coletivo. Como não tinha antes, também, quando a empresa era estatal controlada por prepostos político-partidários do Estado, não da comunidade.
Esses dados assustaram formadores de opinião e tomadores de decisão do Grande ABC e são emblemáticos dos efeitos que a combinação de abertura econômica desastrada com guerra fiscal provocou em larga escala no mundo corporativo regional.
A revelação das consultorias especializadas é incomum. Geralmente as informações são confidenciais e restritas aos investidores privados. O Grande ABC industrial que está à venda continua envolto em mistério porque há mais consultorias especializadas no mercado.
Esperar que as prefeituras municiem eventuais interessados em instalar-se na região é exagerar na expectativa de informações imobiliárias. Salvo uma ou outra situação evidente, como o Pólo de Sertãozinho, em Mauá, o que se tem mesmo é muitos pontos de interrogação.
Somente com a chegada do prefeito Celso Daniel à Prefeitura de Santo André, em 1997, no segundo mandato do petista, as prefeituras da região despertaram para a necessidade de criar respectivas Secretarias de Desenvolvimento Econômico. Já naquele ano até municípios pouco expressivos do Interior especializaram-se em atrair investimentos, geralmente utilizando as armas pouco nobres da guerra fiscal.
A tardia conversão das prefeituras locais ao desvelo pelo capitalismo já indicava preocupação com a queda de impostos, principalmente o ICMS. Mesmo assim, e até em Diadema e em Mauá, onde há maior dinamismo das secretarias, a estrutura de recursos humanos, materiais e financeiros está muito aquém das necessidades.
Esse lado róseo do Grande ABC corporativo, entretanto, deixa sequelas que não conseguem ser eliminadas. A queda do contingente de trabalhadores é estonteante. Só nos anos 1990 foram 143 mil empregos industriais com carteira assinada que desapareceram das estatísticas oficiais. Desse total, 83 mil deram baixa no Ministério do Trabalho e Emprego entre 1995 e 2000, na gestão de Fernando Henrique Cardoso.
A contra-face do Grande ABC industrial cada vez mais adaptado a referenciais internacionais de Primeiro Mundo é a montanha de excluídos funcionais e sociais que políticas públicas locais procuram minimizar com programas de reciclagem. Como barata tonta, o Grande ABC ainda não sabe o que fazer para adaptar-se ao fim do ciclo do emprego de um setor automotivo que o torna refém do crescimento econômico sustentável.
A composição do ICMS é predominantemente moldada pelo comportamento do Valor Adicionado, cujo peso ponderado é de 76%, ou seja, de cada R$ 100 distribuídos pelo governo do Estado a cada um dos 645 municípios paulistas, 76% decorrem do volume municipal de produção de riqueza, conceito do VA. Se o Valor Adicionado cai, o índice do ICMS vai atrás.
A perda anual média do Grande ABC nos anos FHC (3,05%) é bem superior à perda anual média de 1980 a 1989 (2,36%), quando o sindicalismo viveu seu apogeu na região. Já a Capital perdeu em média 1,43% por ano no período FHC e 1,93% nos anos 80. Conclusão: a pressão sindical é água morna perto da fervura da gestão federal de 1995 a 2001.
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12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES