Esta é a sétima matéria de uma série inicial que chegará a 11. Trata-se da criminalização deste jornalista com o objetivo mais que explícito, porque descarado, de procurar uma façanha: acovardar-me. A iniciativa com base em artigos que publiquei nesta revista digital em 2013 é do milionário Milton Bigucci, em nome do Clube dos Construtores e Incorporadores do Grande ABC, que então presidia.
Bigucci, presidente da MBigucci, autointitulada a maior empresa do setor na região (há controvérsias) já estava envolvido com irregularidades e, pouco tempo depois de impetrar ação criminal contra este jornalista, foi flagrado como integrante do grupo de empresários que se refestelaram na Máfia do ISS da cidade de São Paulo. Um caso que vai completar três anos e ainda não levou nenhum empresário à prisão porque a Operação Lava Jato é uma exceção no País.
Como nas seis edições anteriores desta série – e como será nas próximas – vou repassar aos leitores um dos textos criminalizados pela volumosa equipe de advogados de Milton Bigucci (colocado à disposição do Clube dos Construtores exclusivamente porque se utilizou daquela entidade como pretexto à ação criminal) e outros dois, publicados na chamada grande.
É fácil detectar que os cromossomos da tentativa de calar este jornalista são sempre do mesmo viés autoritário e intolerante contra a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. Milton Bigucci se conduziu como presidente durante 25 anos do Clube dos Construtores como alguém a quem se deveriam dirigir perguntas que não lhe causasse nenhum tipo de incômodo. As fanfarronices informativas sempre foram contestadas neste espaço. Mais que contestadas: foram desmascaradas.
Defeito de fabricação
Jornalista como este profissional não faz parte do relacionamento do empresário, então dirigente classista Milton Bigucci. Como tantos outros que ocupam funções semelhantes, Milton Bigucci professa crônico defeito de fabricação ocupacional e institucional: acredita que é intocável e que, portanto, quem se meter a lhe dar tratamento crítico -- como se fosse o único alvo nos radares do jornalismo independente – deve ser sumariamente penalizado. Para tanto, artimanhas semânticas dão o tom nas peças criminais. Há quem não se aperceba de uma jogada mais que manjada e caia na armadilha, em detrimento de quem não faz nada além de cumprir a missão constitucional que lhe compete.
Como das vezes anteriores, sugiro aos leitores que comparem o texto que produzi (o desta edição é simbólico do modus operandi de Milton Bigucci como empresário) com os dois que transferi para esta edição. O primeiro é de um Editorial do jornal Estadão sobre a gestão do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. O segundo do colunista do jornal O Globo, Elio Gaspari, sobre o ministro da Fazenda, Henrique Meirellles.
Leiam com atenção e construam juízo de valor crítico. Verifiquem se há algum delito em qualquer uma das intervenções. O artigo que leva a minha assinatura foi publicado na edição de 24 de maio de 2013 sob o título “Aleluia, aleluia, Diário revela mazelas da MBigucci até na primeira página”. O Editorial do Estadão, sob o título “O mesmo Haddad até o fim”, foi publicado em 13 de outubro último. Já o texto do colunista Elio Gaspari foi publicado no jornal O Globo de 27 de julho último sob o título “Meirelles e os erros do Brasil”.
Acompanhem e vejam o quanto o exercício profissional de jornalismo na Província do Grande ABC tornou-se exercício de coragem porque existe malfeitor social, comprovadamente envolvido em escândalos, a ameaçar a liberdade de informação. Dar-lhe guarida é rasgar os preceitos constitucionais que asseguram ampla liberdade de expressão, como reiterou ainda esta semana a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia.
Primeiros trechos do artigo deste jornalista -- Sorte que não tenho por costume ler enquanto desço a escada, porque se descesse enquanto lesse, ou se lesse enquanto descesse, teria sofrido um acidente na manhã de hoje. Não acreditei na submanchete de primeira página do Diário do Grande ABC: “Justiça proíbe a MBigucci de cobrar taxas abusivas em contratos imobiliários”. Havia lido o despacho do juiz na tarde de ontem, no site do Consultor Jurídico, e estava decidido a não escrever sobre o assunto, mas como o Diário do Grande ABC resolveu me surpreender, cá estou eu. As irregularidades envolvendo a MBigucci, empresa comandada por Milton Bigucci, presidente eterno do Clube dos Construtores e Incorporadores do Grande ABC, não são novidade de esfarelamento ético no mercado imobiliário, o mais protegido e delinquente nas áreas urbanas metropolitanas. Mas são graves exatamente porque envolvem o presidente de uma instituição tão negligenciada pela mídia, filha dileta do Secovi, o Sindicato da Habitação, do qual Milton Bigucci é membro do Conselho Consultivo. O mesmo Secovi que se meteu numa enrascada de financiamento pirata de vereadores na Capital do Estado, denunciado pelo Ministério Público e condenado pela Justiça. Quem é conselheiro consultivo vitalício de uma entidade que patrocina desvios em financiamentos eleitorais não é exatamente o que se poderia chamar de ingênuo.
Primeiros trechos do Editorial do Estadão -- Numa coisa o prefeito Fernando Haddad mantém inabalável coerência: a improvisação e a falta de planejamento sempre foram e continuam sendo uma constante do seu governo, mesmo neste final melancólico. Uma das provas disso é o vaivém das medidas adotadas com relação ao Uber, outros aplicativos de transporte semelhantes e o serviço de táxi. A última delas muda regras que ele próprio estabeleceu – sem ter tido o cuidado de então avaliar devidamente as suas consequências –, com o objetivo de evitar que, com base nelas, o Uber domine esse mercado. A Prefeitura vai mudar a taxa cobrada de todos os aplicativos, hoje de R$ 0,10 por quilômetro percorrido por seus carros, mas de tal forma que as viagens feitas pelo Uber fiquem mais caras do que as de seus concorrentes – o Cabify, o 99Pop e o Easy Go. Após os carros circularem um total de 7.500 quilômetros, haverá uma sobretaxa de 10%, chegando a R$ 0,11. Foram criadas também outras cinco faixas que podem levar a tarifa até um máximo de R$ 0,30. Tudo isso de uma maneira que, na prática, o aumento afete apenas o Uber.
Primeiros trechos do artigo do colunista Elio Gaspari -- Outro dia o doutor Henrique Meirelles disse que se o projeto de limitação dos gastos públicos não for aprovado, “o Brasil terá feito uma opção errada, grave.” “Brasil”, quem, cara pálida? Se o projeto não for aprovado, os deputados e senadores terão feito uma opção errada, grave. Como o presidente Michel Temer não quer briga com o Congresso, seu ministro da Fazenda diz que o erro será do Brasil. Comporta-se como se fosse um banqueiro nascido no Afeganistão e fizesse parte de um governo presidido por um líbio. Meirelles sabe que o governo terá dificuldades para votar o teto das despesas públicas, mas tudo indica que prevalecerá. Para a reforma da Previdência e para mudanças nas relações trabalhistas, as dificuldades serão enormes. O ministro e o presidente teriam o caminho da exposição e do confronto com os adversários dessas mudanças. Boa parte desses adversários está na bancada de apoio do presidente, que se aposentou aos 55 anos como procurador do Estado de São Paulo, categoria beneficiada por penduricalhos que a maioria dos trabalhadores brasileiros nunca viu.
Mais trechos do artigo deste jornalista -- Juro por todos os juros que fiquei surpreso com o destaque que o Diário do Grande ABC deu à decisão da juíza da 7ª Vara Cível de São Bernardo. A magistrada acolheu pedido do Ministério Público. Diz a matéria que a decisão é contra um grupo de construtoras capitaneadas pela MBigucci Comércio e Empreendimentos Imobiliários. O MP diz que há desequilíbrio na relação contratual, o que tem levado muitos clientes a ingressar com ações judiciais contra a empresa. “O que se tem é um quadro jurídico-contratual desenhado para assegurar, sobretudo, o sucesso da atividade empresarial das rés ainda que em detrimento dos consumidores, geralmente das classes médias e baixa, que investem toda ou grande parte da economia familiar na aquisição de moradia”, declarou a Promotoria de Justiça de São Bernardo, escreveu o Diário do Grande ABC. Embora não precise do endosso do Diário do Grande ABC a nada que exponho nesta revista digital, porque CapitalSocial tem individualidade como veículo de comunicação interligado a uma carreira que já se aproxima de meio século, não sou hipócrita: a notícia do jornal, principalmente com o destaque que foi dado, me faz crer que comecei esta sexta-feira com o pé direito e, dependendo dos desdobramentos nos próximos tempos, posso até começar a acreditar que alguma coisa se alterará no jogo de interesses e conveniências desta Província sempre subordinada a alguns figurões. E Milton Bigucci, presidente da MBigucci, condutor do processo fraudulento que culminou no arremate indecorosamente irregular do terreno em que pretende construir o empreendimento Marco Zero, é um desses figurões.
Mais trechos do Editorial do Estadão -- O que se pretende com essa mudança é tornar os outros aplicativos mais atraentes e impedir que o Uber – que já tem a maior parte dos veículos que atuam nesse sistema – controle o mercado. “O consumidor pode achar que tem vantagem com a cobrança mais barata”, disse Haddad referindo-se certamente ao Uber, “mas essa vantagem é temporária. Se uma empresa tem um porcentual exagerado do mercado, ela pode criar um monopólio.” Entre os problemas que uma posição dominante do Uber criaria, operando com tarifa muito barata, estaria, segundo o prefeito, uma competição desleal com os taxistas. O que Haddad diz agora para justificar a medida anunciada é verdade. Mas por que ele não percebeu isso antes? Pela simples e boa razão de que as medidas tomadas por ele, em relação tanto ao Uber como aos táxis, não foram precedidas por estudos técnicos destinados a medir seus impactos. Por isso, foram logo substituídas por outras ou não tiveram parâmetros que orientassem sua reavaliação a tempo.
Mais trechos do artigo de Elio Gaspari -- Pelo andar da carruagem, se Temer não conseguir fazer as reformas que defende, “o Brasil” terá feito opções erradas e, então, como o próprio Meirelles reitera, virão novos impostos. Como será impossível cobrar esses impostos ao “Brasil”, a conta vai para os brasileiros. Falar mal do Brasil e dos brasileiros é um velho hábito, comum tanto ao andar de cima quanto ao de baixo. As referencias astuciosamente derrogatórias do Brasil apresentam-se com disfarces. Em alguns casos, como no de Meirelles, se algo de errado acontecer, terá sido uma opção do Brasil, e não dos bípedes que estão no Congresso. Há também expressões marotas, como “só no Brasil” ou “brasileiro tem mania de...” Sempre que uma pessoa fala dos maus modos desses brasileiros, fica entendido que nada tem a ver com eles. O “brasileiro” é sempre o outro.
Novos trechos do artigo deste jornalista -- A denúncia do Ministério Público – cujo ramal não é o mesmo que engavetou o processo do Marco Zero – não é novidade porque ao longo dos últimos meses não foram poucos os adquirentes de imóveis que enviaram lamúrias a este jornalista contra a MBigucci. Creio que deve estar a azucrinar os advogados da empresa uma leva de proprietários de imóveis que teriam sido engabelados por corretores sempre ávidos. Dessa ação específica, já julgada em primeira instância, tinha conhecimento desde o ano passado. A bem da verdade, o conglomerado MBigucci não está sozinho nesse baile de transgressões. É claro que a responsabilidade que pesa sobre o presidente da companhia é muito maior, porque ele também é dirigente de uma associação de classe que por mais mambembe e chinfrim que seja (o Clube dos Construtores e Incorporadores é quase uma ficção, a ponto de a oposição estar-se organizando para apear Milton Bigucci do cargo) sempre é uma associação de classe e, como a classe é poderosa no conjunto, dita muitas regras antimorais e antiéticas na sociedade. A chamada de primeira página do Diário do Grande ABC desta sexta-feira não foi um descuido editorial, uma decisão que fugiu do controle dos acionistas. Há algum ruído entre o Diário do Grande ABC e Milton Bigucci que determinou a quebra da imunidade do dirigente de classe e do presidente de um conglomerado de empresas.
Novos trechos do Editorial do Estadão -- Além da bisonha regulamentação do Uber, as medidas tomadas por Haddad em relação aos táxis trazem a marca da improvisação, que ameaça desorganizar esse serviço. Restringiu, sob o argumento de que eles reduziam a velocidade dos ônibus, e depois – sem explicar por que o argumento deixara de valer – liberou a circulação de táxis pelos corredores e faixas exclusivas, como compensação pela regulamentação do Uber. Criou o táxi preto, de melhor padrão, sorteando 5 mil alvarás e exigindo dos que a ele aderiram investimentos que seriam compensados por sua tarifa mais elevada. Menos de um ano depois, igualou as tarifas dos vários tipos de táxi – comum, comum-rádio, especial, preto e luxo – à da categoria mais popular, do táxi comum, alegando que isso facilitaria a concorrência com o Uber. A medida descontentou a todos, a começar pelos que tiveram de investir para satisfazer as exigências das categorias mais elevadas e por isso ficaram em dificuldade para pagar a conta. E tanto não melhorou as condições de concorrência com o Uber, que para isso a Prefeitura aumenta agora a tarifa desse serviço.
Novos trechos do artigo do colunista Elio Gaspari -- Atualmente, uma banda nacional cavalga o que teria sido uma demonstração da falta de critério dos brasileiros: os 54 milhões de votos dados a Dilma Rousseff (com Temer na vice). Durante a ditadura, essa banda demófoba prevaleceu, e as eleições diretas foram canceladas. Em 1969, o presidente Costa e Silva teve uma isquemia cerebral, o vice foi defenestrado, e os generais descobriram que não sabiam montar um sistema racional para escolher seu substituto. Ganha uma viagem de ida ao Quênia quem souber como foi escolhido o general Médici.
Trechos finais do artigo deste jornalista – Tomara que esse ruído seja exatamente aquilo que colou este jornalista em rota de colisão com Milton Bigucci: a decepção completa com alguém que tem por obrigação, dadas as funções sociais que exerce, colaborar intensamente para ditar o ritmo de mudanças de comportamento empresarial numa região dominada por desvios entre o empresariado da construção civil e administradores públicos. Mais que o caso julgado pela Vara Cível de São Bernardo, o que mais choca no noticiário sobre o mercado imobiliário na Província do Grande ABC é a complacência com que a mídia trata aquele dirigente classista. Anos após ano, entre outras inconformidades, ele desfila impunemente números fantasiosos sobre o comportamento do setor. Quem sabe a decisão da Justiça de São Bernardo seja apenas uma preliminar de um jogo que começará para valer nos próximos tempos, sobretudo no setor imobiliário que está muito longe do glamour divulgado por forças de pressão. Há tantos micos espalhados pelo território regional que a decisão de escondê-los de quem consome informações é uma agressão à cidadania.
Trechos finais do Editorial do Estadão -- O Uber se apressou a dizer, a respeito do aumento da tarifa, que “é importante lembrar que limites arbitrários criam sistemas ineficientes, fazendo com que os preços subam para o consumidor”, deixando entender que vai tentar resistir à mudança, contando com a simpatia de seus clientes, o que é uma atitude legítima da parte de qualquer empresa. O resultado de tudo isso é que, com sua improvisação e suas trapalhadas, Haddad desorganizou o serviço de transporte individual de passageiros e desagradou a todos. Ao Uber, que trouxe inegáveis vantagens de conforto e preço e por isso é hoje uma realidade da qual não se pode fugir; aos outros aplicativos, que têm dificuldades de enfrentá-lo; e aos táxis, serviço mais antigo, confiável e que tem ainda importante papel a desempenhar.
Trechos finais do artigo de Elio Gaspari -- Pode-se admitir que a política de Pindorama está contaminada por ladrões e palhaços, mas enquanto as coisas pioram lá fora, aqui as coisas estão melhorando. Em novembro, o eleitor americano, que há quatro anos escolheu entre Obama e Mitt Romney, terá no menu Donald Trump e Hillary Clinton. O hábito de deixar mal o próprio país para disfarçar algum preconceito é amplo e irrestrito. Franceses e italianos adoram falar mal de seus países. O general De Gaulle dizia que não era possível se governar um país que tinha 258 tipos de queijos. Benito Mussolini garantia que governar a Itália era fácil, porém inútil. Há um país fora dessa regra: nenhum americano fala mal dos Estados Unidos. A frase de Meirelles seria impossível em Washington.
Total de 1884 matérias | Página 1
13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)