Está mais que enganado quem acredita, sugere ou intui que vou me limitar a esmiuçar com concisão e de forma duramente crítica, porque indispensável, a atuação do Clube dos Prefeitos no escopo de regionalidade. Quem acredita nisso está a desprezar os mandamentos sagrados que defendo já faz muito tempo e que podem ser resumidos como elementos pétreos do conceito de Capital Social. Sim, de Capital Social sem junção, porque foi daí que retirei a marca registrada desta revista digital, com junção.
Lamentavelmente, expressivo contingente de leitores não tem a ideia do que seja Capital Social. E, menos ainda, de CapitalSocial. Capital Social é a capacidade de interação entre diferentes representantes do Mercado, da Sociedade e do Estado.
A regionalidade que defendo desde que lancei a revista LivreMercado em 1990 -- e que teve continuidade com esta publicação em forma de revista e não mais de newsletter desde janeiro de 2009 -- está rigorosamente de acordo com os encaixes desses três polos interdependentes em comunidades maduras, responsáveis e solidárias. O que não é o caso da Província do Grande ABC. Muito pelo contrário. Aqui, Sociedade, Estado e Mercado não são nem mesmo um saco de gatos. São uma mistureba de gatos espertíssimos, ratos opulentos e baratas tontas.
Para encurtar o que pretendo nos desdobramentos da operação que vai dissecar o Clube dos Prefeitos como instituição pífia, praticamente inútil, quando não nociva ao conjunto da sociedade, antecipo a nota final dos demais clubes sem qualquer preocupação de segurar a audiência. Sim, poderia segurar a audiência caso formulasse uma jogada no sentido de lançar para outro dia a nota que atribuo aos demais agentes da desorganizada sociedade regional. Tanto o Clube dos Empresários como o Clube dos Legisladores e o Clube da Sociedade merecem zero numa escala de zero a 10. A viga a sustentar essa valoração são projetos e ações de cunho regional. Esses clubes seguem a mesma trilha do Clube dos Prefeitos. Merecem mesmo zero vezes zero, mil vezes zero.
Grade definida
Ainda vou dar uma estrutura de fundamentação técnica à generalizada nota zero aos clubes que representam a Sociedade e o Mercado. Quanto ao Estado, em forma de Clube dos Prefeitos, já tenho consolidada a grade de exigências mínimas, a qual exporei na próxima semana.
Certamente não haverá muita distinção entre os 10 pontos elencados que destroem qualquer tentativa de glamourização do Clube dos Prefeitos e os 10 pontos que vão definir todos os calcanhares de Aquiles dos representantes da Sociedade e do Mercado.
Sei que não faltará leitor a indagar sobre o destino clubístico-temático dos sindicatos de trabalhadores. Estariam essas agremiações que dizem representar a classe operária no Clube dos Empresários? Claro que não. No Clube da Sociedade? Claro que sim. Não haveriam de estar no Clube dos Legisladores, reservado aos vereadores e aos deputados estaduais e federais da região.
Também podem os leitores estar em dúvida quanto ao endereço clubístico do setor educacional da região, notadamente os dirigentes de faculdades e universidades. Ora, também está inserido nas potenciais demandas e omissões do Clube da Sociedade.
Sociedade grupal
Não preciso entrar em detalhes para justificar ou explicar o significado de cada agremiação. A sociedade é explicitamente grupal, consorciada em instâncias assemelhadas. A interrupção do circuito de cidadania decorrente desses territórios separatistas é marca registrada da região, que, adicionalmente, sofre muito com o Complexo de Gata Borralheira e as interferências do Bicho de Sete Cabeças.
As organizações associativas olham para os próprios umbigos. Ou seja: cada qual cuida do próprio quintal. O conceito de Clube dos Legisladores, Clube da Sociedade e Clube dos Empresários foi a maneira que encontrei de colocar esses segmentos nos respectivos compartimentos de compatibilidade funcional.
Se mesmo com essa configuração corporativista os pequenos clubes que constituem o Clube dos Legisladores, o Clube da Sociedade e o Clube dos Empresários são uma calamidade publica, imaginem quando entram em campo exigências de cunho integracionista e de administração estratégica.
Ou alguém tem dúvidas de que o Clube dos Construtores se consolidou como inutilidade tanto para a classe como para o regionalismo tanto quanto o Clube das OABs, o Clube das Associações Comerciais e tantas outras entidades amorfas?
Formalidade e virtualidade
O Clube dos Prefeitos do Grande ABC é a única organização regularmente constituída, porque há uma instância criada por Celso Daniel. As demais agremiações às quais me refiro neste texto --- e que serão objetos de escrutínio crítico --- são clubes individuais que virtualmente os transformei em clubes coletivos. Ou seja: as associações comerciais e industriais da região, os Ciesps e eventuais outras organizações empresariais atuam de forma isolada, mas as coloco no mesmo recipiente no Clube dos Empresários.
A virtualidade com que as uno deveria servir de motivação a um movimento de unificação estratégica, sem lhes retirar as atividades indelevelmente corporativas, as quais estão a léguas de distância de serem produtivas. Não vou explicar agora o que significa manter a individualidade e criar o coletivismo. Já o fiz em outras ocasiões. É algo tão óbvio quanto a teimosia dos comandantes dessas organizações.
Não duvido de que muita gente ainda tenha dúvidas sobre o que pretendo com estas linhas. É possível que um naco expressivo de leitores não tenha conseguido vincular o Clube dos Prefeitos formalmente institucionalizado com os demais clubes sobre os quais vou igualmente preparar referenciais de produtividade regional.
Talvez a novidade da abordagem – é a primeira vez que decidi ampliar o conceito de clube, agora de forma setorial – seja a explicação mais lúcida a eventual obstáculo ao entendimento do que pretendo passar. Mas o tempo e tentativas de aplicar didatismo a essa pregação pró-regionalidade podem destruir as barreiras que se antepõem numa região que jamais chegou a gozar de determinado nível de uniformidade de conceitos nas esferas do Estado, do Mercado e da Sociedade. Por isso somos uma grandiosa Província.
Capital Social há 12 anos
Estava diretor de Redação do Diário do Grande ABC naquele 20 de junho de 2004 quando escrevi na coluna “Contexto” um artigo que serve de balizamento --- à falta de outros que minha preguiça não permite que vasculhe nesta revista digital --- sobre o significado de Capital Social – e por extensão as razões que me levam somente agora, vejam só, a conceituar os respectivos clubes em que somos divididos. Repasso aos leitores alguns trechos daquele texto sob o título “Grande ABC escaleno”. Quem, portanto, retirar a análise que faço neste momento do contexto histórico da regionalidade que defendo, é, além de mau-caráter, um profundo industrializador de vagabundagem ética:
Se o mapa territorial dos sete municípios do Grande ABC fosse redesenhado sob critérios sociológicos, a figura geométrica que saltaria das pranchetas de especialistas mais atentos seria bastante diferente dos traços da cartografia convencional que enfeita nossas paredes como simbolismo exclusivo da conformação geográfica. O que temos como contornos da região não lembra especificamente nada do que poderiam se fartar os sempre imaginativos ilustradores de jornais. Mas se o critério fosse a transposição do que chamo de capital social, provavelmente iríamos nos converter em triângulo escaleno. Quem fugiu da escola ou levou pouco a sério as aulas de geometria possivelmente encontrará dificuldade para constituir a genealogia dos triângulos. Os mais conhecidos são o equilátero, de ângulos iguais; os isósceles, de dois ângulos iguais; e, finalmente, o Grande ABC, ou melhor, o escaleno, que tem todos os ângulos e lados desiguais. Somos desiguais? Completamente desiguais. Uma das obras mais instigantes ao erguimento de paredes sólidas de uma comunidade comprometida com as próximas gerações foi dividida em dois volumes pelo economista Anthony Giddens, guru da chamada terceira via que mudou os rumos de políticas públicas na Grã-Bretanha. Giddens trata dos perigos e das oportunidades que se apresentam à comunidade. É impossível não transplantar aqueles preceitos ao Grande ABC tão desigual, tão escaleno. Estamos distantes do capital social defendido pelo britânico porque as três instâncias que preparam o futuro de uma nação, de uma cidade, de uma região, estão em estágios diferentes de percepção e ação. E nenhuma em estado da arte. Dividida em três partes — governo, mercado e comunidade — uma sociedade não pode se submeter ao domínio de qualquer um desses compartimentos. Entretanto, há muito o Grande ABC está escravizado pelo desequilíbrio governista. Entenda-se como governo a soma de prefeituras, do Estado e da instância federal. Os agentes econômicos — empresários e sindicatos — e a comunidade, respectivamente na hierarquia, estão muito abaixo da potencialização de interlocução. (...) Vivemos há muito a fase escalena porque viraram pó ou quase isso as ferramentas que pretensamente colocariam os governos municipais, estadual e federal no eixo de responsabilidade socioeconômica. Como o Fórum da Cidadania não passou de sopro de esperança que virou arrematado golpe e diante de entidades empresariais e sindicais ensimesmadas em objetivos quase que exclusivamente corporativos, os ângulos escalenos de agentes econômicos e comunidade contraíram-se em medida inversamente proporcional à fome pantagruélica de controle da situação dos governos. Esse é o estágio em que nos encontramos como região e, convenhamos, como Nação. (...) A alternativa, num processo pós-escaleno, é um outro tipo de triângulo. O Triângulo das Bermudas. Onde tudo desaparece. Estamos esperando o quê?
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)