Diadema e Mauá estão em extremos geográficos no Grande ABC, mas têm muito mais semelhanças do que diferenças. Entretanto, por mais parecidas que sejam em muitos aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais, apresentam forte contraste na geração de riqueza industrial que, como se sabe, oferece maior possibilidade de enraizamento da renda.
A Diadema falta o que Mauá dispõe com fartura: grandes empresas geradoras de Valor Adicionado, motor de ignição da melhoria no ranking de distribuição do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), tributo integralmente compartilhado por pequenas e médias empresas principalmente do setor metalúrgico, de plásticos e também de cosméticos. A Mauá falta o que Diadema oferece à exaustão: a capilaridade de pequenas e médias empresas capazes de multiplicar empregos formais.
Dados estatísticos que coletei com a perseverança dos teimosos e dos desbravadores tornam Mauá e Diadema almas socieconômicas quase gêmeas. O problema todo é que, de repente, detectam-se alguns contrastes que deveriam levar tanto um governo municipal quanto outro a se observarem mais atentamente.
Está certo que é difícil para Diadema replicar os investimentos petroquímicos que Mauá recebeu em parceria com Santo André quando da implantação do Pólo de Capuava, durante o regime militar e sua política de substituição de importações. Está certo também que é complicado para Mauá contar com a pulverização do parque produtivo, por mais espaço de que ainda disponha no Pólo de Sertãozinho. Mas tanto os gerenciadores públicos de Mauá quanto os de Diadema precisam considerar, sim, um desafio a ser superado: a minimização dos pontos frágeis, dos calcanhares de Aquiles.
Embora tenham população semelhante (Mauá com 363.392 habitantes segundo o último censo do IBGE, enquanto Diadema com 357.064 moradores), o que mais salta aos olhos é a funda vantagem do Município do prefeito José de Filippi Júnior no ranking do mercado de trabalho formal: enquanto Mauá soma 33.906 trabalhadores com carteira assinada (dados de dezembro do ano passado), Diadema tem mais que o dobro, exatamente 73.101.
É dianteira acentuada em favor de Diadema. Mas ainda não diz tudo sobre a teórica maior solidez do mercado de trabalho em Diadema.
Dados do Ministério do Trabalho e Emprego de dezembro de 2000 apontam que, enquanto Mauá contava com 15.776 empregos formais no setor industrial, Diadema alcançava 45.759. Note-se que o emprego formal industrial é muito mais agregador de riqueza e que, nesse importante quesito, a superioridade de Diadema sobre Mauá é de mais de 300%.
Mas nem tudo é céu de brigadeiro na economia industrial de Diadema, comparativamente a de Mauá. Numa retrospectiva histórica, que é o melhor caminho estatístico contra eventuais sazonalidades que só pesquisadores malversadores praticam, descobre-se que Mauá vem apresentando equilíbrio numérico enquanto Diadema mergulha.
Explicando: em 1985 Mauá contava com 16.287 empregos industriais formais, contra 61.531 de Diadema. O que ocorreu nesse período? Enquanto Mauá manteve praticamente inalterado o universo empregatício de carteira assinada, apesar de todas as transformações e cortes de pessoal na área petroquímica, Diadema viu esfarelar-se em um quarto seu pelotão de elite no mercado de trabalho por força de deserções e enxugamentos decorrentes de investimentos em modernização de processos e em tecnologia.
Visto sob o ângulo estritamente industrial que, insistimos, é a âncora que mantém o equilíbrio de uma sociedade carente de terciário de valor agregado, o quadro socioeconômico de Diadema poderia ser traduzido como um caldeirão de água fervente, enquanto Mauá se vira como pode para não entrar em parafuso. A melhoria de arrecadação tributária em Mauá, prevista para os próximos anos por conta de investimentos volumosos no Pólo Petroquímico de Capuava, não oferece a suplementação de trabalhadores no nível desejado, por força das características da atividade. Em Diadema, o esforço para aumento da arrecadação do ICMS a partir do relacionamento mais próximo da Secretaria de Desenvolvimento Econômico com o empresariado terá contrapartida provavelmente menos dramática no campo trabalhista.
Não há estudos a respeito da origem domiciliar dos titulares dos empregos formais da indústria em Mauá e em Diadema. O que significa isso, para entendimento da reprodução da riqueza salarial nos respectivos territórios? Ora, se mesmo com larga vantagem no contingente de trabalhadores industriais formais Diadema tem os postos ocupados por profissionais residentes em larga escala em outros municípios, o resultado prático de geração de riqueza será comprometido. A proximidade com a Capital favorecida pela Rodovia dos Imigrantes, e também com a vizinha São Bernardo, provavelmente tem maior influência sobre o número de paulistanos e bernardenses que ganham a vida em Diadema do que na mais distante (da Capital) Mauá, que, entretanto, tem como complicador a velha dependência histórica de Santo André, bem explicitada no livro Complexo de Gata Borralheira.
O que fica aparentemente exposto nesse confronto — produzido entre outros motivos para desmistificar algumas teses que colocam os municípios do Grande ABC num mesmo saco sem fundos de similaridades econômicas — é que a gestão do desenvolvimento econômico de Mauá é menos complicada, embora não menos desafiadora, que a de Diadema. E que também é provável que chegará o dia em que Mauá apresentará larga supremacia por investimentos de pequenas e médias empresas. Pela simples razão de que enquanto Diadema não tem área para empreendimentos fortemente geradores de Valor Adicionado, como é o parque químico-petroquímico, Mauá está sendo favorecida exatamente por reunir esse agrupamento de produtores de matérias-primas indutoras de cadeias de pequenas e médias indústrias do segmento plástico.
Exatamente pelo perfil que ostenta, de massa crítica do Pólo Petroquímico de Capuava, Mauá consegue equilibrar o jogo de participação relativa na economia regional e estadual com Diadema. A quantidade evidentemente superior de unidades fabris em Diadema é contrabalanceada pela seletividade de geração de Valor Adicionado em Mauá. Há muito mais empregos industriais formais de um lado, mas muito mais racionalidade produtiva de outro.
Tão diferentes sob esses ângulos, Diadema e Mauá jogam jogo semelhante em tantos outros indicadores. Acompanhem alguns:
A participação de Mauá no ranking do ICMS neste ano é de 1,19% no Estado de São Paulo, contra 1,13% de Diadema. Em 1976 (portanto, há 26 anos) Diadema contava com índice mais expressivo em relação a Mauá (0,93% contra 0,73%). A ultrapassagem se deve ao refluir histórico das pequenas e médias indústrias de Diadema, enquanto Mauá foi beneficiada (e será ainda mais nos próximos cinco anos de volumosos investimentos petroquímicos) pela racionalidade do Pólo de Capuava que, embora não acompanhasse a evolução dos pólos do Rio Grande do Sul e do Nordeste, ainda é importante no contexto estadual.
No Valor Adicionado, que é o indicador sobre o qual a distribuição do ICMS se estrutura preponderantemente, Mauá e Diadema têm participação semelhante no jogo interno da economia regional, com 14,20% e 14,54%. O que isso significa? Que o peso relativo da economia de Mauá e de Diadema é praticamente o mesmo.
No repasse dos valores do ICMS, diretamente relacionado com o Valor Adicionado, só poderia ocorrer similaridade: enquanto Mauá recebeu no ano passado total de R$ 88,2 milhões do governo do Estado, Diadema contabilizou R$ 78 milhões. A diferença explicita a força arrecadatória do Pólo de Capuava.
No repasse dos valores do ICMS desta temporada, até novembro último Mauá registra R$ 83,2 milhões, contra R$ 79,3 milhões de Diadema. A participação relativa de cada Município na região, em consequência, é semelhante: 14,43% contra 13,75%.
Os valores arrecadados pelas prefeituras dos dois municípios com IPVA também mostram empate técnico: R$ 7,1 milhões para Mauá e R$ 6,5 milhões para Diadema. Não deixa de ser intrigante notar que, embora com o triplo de emprego industrial com carteira assinada, Diadema empate com Mauá nesse indicador de riqueza. Será porque parte da população de Diadema, envergonhada com a fama de criminalidade, insiste em emplacar veículos em outras praças para não depreciar o bem, como escrevemos no livro Complexo de Gata Borralheira? Ou será que o peso relativo dos empregos de qualidade gerados em Diadema e ocupados por consumidores de outros municípios é maior que o de Mauá? Ou será que a economia informal de Mauá tem mais tonicidade que a de Diadema?
Na produção do ISS (Imposto Sobre Serviços) Diadema se mostra mais efetiva que Mauá, somando R$ 10,8 milhões no ano passado contra R$ 7,8 milhões da concorrente. Como se explica que o IPVA de Mauá é maior e o ISS de Diadema se contrapõe com vantagem? Seriam as alíquotas tão pronunciadamente diferentes? Seria a fiscalização mais asfixiante de Diadema?
Há empate técnico no ITBI, outro imposto municipal, relacionado à transmissão de bens imóveis. Mauá somou R$ 1,63 milhão no ano passado, contra R$ 1,65 milhão em Diadema.
Já no IPTU do ano passado a vantagem é bem maior para Diadema, com R$ 25,7 milhões, contra R$ 18,7 milhões. Seriam maiores as alíquotas da há mais tempo socialista Diadema? Mauá não conseguiria ainda ter escapado da armadilha populista dos prefeitos conservadores que a dirigiram até 1996? Provavelmente as duas causas.
Nos homicídios, dados oficiais do ano 2000, e todos sabem disso, apontam que Diadema está na dianteira estadual com 108,38 registros para cada 100 mil habitantes, contra 64,94 de Mauá. As estatísticas mais recentes atenuam a banalidade da violência em Diadema, mas nada que ameace a supremacia frente a Mauá. Qual é a razão principal? Mauá sofreu agressão demográfica em ritmo inferior ao de Diadema.
Nos empregos formais de até três salários mínimos, Mauá conta com 34,4% do total gerado, contra 34,3% de Diadema. Conclusão: na base de trabalhadores, os dois municípios são irmãos gêmeos.
Nos empregos formais de mais de 20 salários mínimos, Mauá tem 3,87% do efetivo de trabalhadores, contra 3,22% de Diadema. Também aqui há univitelinos econômicos.
No ano passado, a receita arrecadada de Mauá, isto é, a soma de tributos municipais, estaduais e federais, alcançou R$ 184,7 milhões, contra R$ 209,4 milhões de Diadema. Essa contagem final, essa prova dos nove, também não configura substancial vantagem de Diadema. Na verdade, a diferença é mínima, o que as tornam, efetivamente, muito semelhantes no cômputo final, embora de fundos contrastes no universo produtivo.
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12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES