Imprensa

Pensam que é fácil criar um
mote jornalístico? Esqueçam

DANIEL LIMA - 17/11/2016

Primeiro, nos tempos da mensal LivreMercado, criei “leitura o mês inteiro”. Depois, já como CapitalSocial, optei por “Leitura para ser impressa”. Desde algum tempo abri as cortinas da criatividade para “Regionalidade para ser impressa”. Já estou pensando em novo mote como apêndice explicativo desta revista digital. Quem pensa que a tarefa é fácil está muito enganado.

Não deixo de estar satisfeito com o atual mote, mas há sempre a possibilidade de dar um novo passo, conforme os avanços anteriores. Uma caminhada de mil metros começa com o primeiro passo, não é mesmo? Olhando retrospectivamente e vivendo o dia a dia da publicação é possível encarar a próxima etapa sem embaraços, mas isso não significa que se pode descuidar.

Estou pensando cá comigo em retirar a sugestão de que os textos consumidos pelos leitores sejam impressos, embora, confesse, resista em seguida à própria ideia. A leitura fora do papel é sempre uma leitura menos qualificada em acuidade. Ainda não inventaram um material que substitua as características físicas do papel na tela de computadores e pequenos aparelhos. Está provado cientificamente que leitura no papel é uma coisa, fora do papel é outra. Muitos marqueteiros projetaram saltos quânticos para os livros eletrônicos e deram os burros nágua. Talvez as novas levas de leitores, hoje jovens, alterem esse jogo jogado por gente de mais idade. Mas nem todos, provavelmente. Não vejo, por exemplo, estudantes de Direito presos às telinhas. Eles se debruçam mesmo sobre calhamaços editados com todo requinte.

Sem artimanhas

Não uso de artimanhas conhecidas para elevar o número de cliques. Basta distribuir o texto em várias notinhas correlacionadas mas demarcadoras de audiência múltipla. Poderia alterar o conceito de CapitalSocial em nome da monetização, mas não tenho coragem. Embora respeite jornalismo de notinhas principalmente investigativas e reflexivas, não abro mão de algo mais pensado, metabolizado, analisado, incrementado e, finalmente, resistente ao desagaste natural do tempo. Tudo isso tem a ver com a leitura no papel. Quando escrevo não imagino consumo integral em qualquer tipo de tela. Pelo menos como regra, não exceção.

Não tenho a menor ideia de quantos me leem seguindo a sugestão de imprimir ou vão mesmo pela estrada digital. Se soubesse das proporções de um caso e de outro não mudaria o jeito de produzir. Tenho pena de autores de telenovelas que, para dar respostas a eventuais baixas ou ameaças de baixas na audiência, são forçados  a alterar parte da narrativa de modo a atenderem às indicações das pesquisas qualitativas que interferem diretamente nas relações dos personagens.

Ainda recentemente a novela das nove e meia da Globo deu um jeito de transformar dois irmãos do mesmo pai e de mães diferentes em enamorados explícitos e sem riscos e complicações consanguíneas porque se encontrou um jeito de arrumar um novo pai para a suposta filha. Tudo isso antecipado nos sites de notícias que cobrem as telenovelas tanto quanto a imprensa esportiva acompanha os principais clubes brasileiros ou os cronistas políticos cobrem o Congresso Nacional nestes tempos de impeachment.

Ajuda aos leitores

Não tenho ideia do que aconteceria caso solicitasse aos leitores desta revista digital que se manifestassem com propostas de dividirem comigo o fardo ou o prazer de construir um novo slogan jornalístico. Há certas questões que não podem ser compartilhadas sob pena de se cometer uma grande barbeiragem. É possível, claro, que apareça luminosidade surpreendente e definidora, mas o melhor é não arriscar. É indispensável a afinidade com os conceitos que regem esta publicação para produzir uma frase que vá muito além do marketing.

Temo, quando imagino a possibilidade de compartilhar a tarefa, que aconteça algo estúpido como o que marcou uma campanha publicitária do Diário do Grande ABC, em meados dos anos 1990. Uma agência de publicidade sem vivência politica, econômica e social foi contratada para uma campanha de aperfeiçoamento da imagem e dos propósitos de mercado do Diário do Grande ABC.

A frase de efeito aprovada e levada a cabo foi uma combinação de estultice e jumentice. Afinal, numa região conflagrada pelo divisionismo entre direita e esquerda, entre trabalhadores e patrões, entre ricos e proletários, entre sindicalistas e empresários, não é que saiu do forno da insensatez o brado errante “Diário, o braço direito do Grande ABC”?

Encontro homologatório

Lembro-me que, então parceiro do jornal com a revista LivreMercado, participei da reunião final de apresentação da agência de publicidade. O encontro destinara-se à homologação da campanha, não a eventuais considerações e debates sobre o trabalho executado. Pensei comigo – e tantos outros devem ter pensado – que havia uma pedra de barbeiragem no meio do caminho da comunicação. “Diário, o braço forte do Grande ABC” teria sido muito melhor. Não acompanhei o processo de criação da peça publicitária que durante anos permeou o jornal, mas desconfio de que o ambiente não era dos melhores. Possivelmente a hierarquia foi respeitada demais. Um disparate daquele não poderia sobreviver impune na linha de montagem. Deu-se uma unanimidade burra.

O jornal paga até hoje o preço de uma opção que está longe de ser idiossincrática, porque historicamente verdadeira. O “nós contra eles” que o PT implantou em nível nacional contou com a Província do Grande ABC como incubadora. Até, que interesses políticos e econômicos colocaram as elites do “eles” e do “nós” no mesmo saco de interesses eleitorais. Basta reparar, por exemplo, o que se deu em Santo André, com a composição da Administração Carlos Grana a contemplar gregos e troianos.

Mas essa aproximação é seletiva demais para rasgar a cultura separatista que estabelece a diferença entre "braço direito" e "braço forte". Tanto que até uma dissertação de mestrado de um jornalista com atuação na região – Celso Horta -- ganhou o acervo do antigo Imes, Instituto Municipal de Ensino de São Caetano, hoje USCS. Socialista, o jornalista espancou a linha editorial do Diário do Grande ABC supostamente de direita.

“Regionalidade para ser impressa” é mensagem complementar à marca CapitalSocial. Acredito que passa a mensagem de que matamos dois coelhos de objetividade com uma cajadada conceitual. O enquadramento de que se trata endereço digital voltado aos sete municípios da região é a síntese de uma opção de ação profissional que vem de longe.

Geografia delimitadora

Embora a regionalidade não me imponha restrições à fome de conhecimento sobre tudo o que se passa de relevante no mundo, a delimitação geográfica é uma imposição de conteúdo do qual não abro mão. Afinal, não faltam especialistas a sustentar com teses, números e provas que as sociedades cada vez mais globalizadas estão cada vez mais agrupadas em territórios físicos limitados e que por isso mesmo buscam amealhar informações substantivas sobre aonde vivem.

Ou seja: a prática de jornalismo está cada vez mais comprometida com o regionalismo. Sobretudo numa área na penumbra da Capital de uma metrópole de 20 milhões de habitantes – o que corresponde à população do Rio Grande do Sul, por exemplo – o regionalismo é um imperativo jornalístico que não pode estar desgarrado da qualificação de informação atenta às transformações sociais, econômicas e políticas do mundo.

Sei lá se vou levar adiante alguma alteração no "regionalidade para ser impressa". Como ainda não me surgiu nenhum lampejo que me alimente a certeza de que não estou em vias de cometer uma besteira típica de braço direito, acho melhor mesmo sossegar o facho. Melhor esperar, melhor esperar. 



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