Estou de volta sazonalmente com minha porção de ombudsman não autorizado dos veículos de comunicação da região. E trato da manchetíssima (manchete das manchetes de primeira página) do Diário do Grande ABC de segunda-feira. Disse o jornal em manchetíssima: “Só dois prefeitos eleitos no ABC tiveram mais votos que rejeição”. A informação está redondamente enganada ao citar Paulinho Serra, em Santo André, e Carlos Maranhã, em Rio Grande da Serra, como salvos do veredito dos eleitores.
Antes é preciso explicar que o critério adotado por mim é o mais recomendado. Mandei entrar no campo metodológico o que chamo de votos sucateados (eleitores que não compareceram às urnas, votaram em branco ou anularam o voto) e também os eleitores que não votaram nos vencedores dos quatro segundos turnos e dos três primeiros turnos realizados na região.
O Diário do Grande ABC atribuiu exclusivamente ao conjunto de eleitores que não votaram em nenhum dos vencedores a marca de “rejeitados”, casos do imenso manancial de eleitores que se abstiveram da votação, os quais se juntaram com votos brancos e votos nulos. Há outros aspectos desconsiderados, mas isso não vem ao caso como batalhão em defesa da impropriedade cometida pelo jornal.
A contabilidade da publicação se esqueceu – e aí é que mora o perigo -- de quantificar os votos dos adversários dos vencedores. Estes sim são votos claramente de rejeição explícita e formal. Quem votou em Alex Manente rejeitou Orlando Morando. Quem votou em Carlos Grana rejeitou Paulinho Serra. Votos nulos não são integralmente votos rejeitados, até prova em contrário, embora também não se descarte o inverso, ou seja, que uma porção seja mesmo de rejeição. Votos em branco, este sim é voto de rejeição a tudo que está aí.
Paulinho mais próximo
Não se pode atribuir a Paulinho Serra e a Carlos Maranhão uma diferenciação em relação aos demais. Afinal, com a soma de votos sucateados (abstenção, votos em branco e votos nulos) combinada com os votos dos adversários de primeiro ou de segundo turno, nenhum dos sete novos prefeitos conquistou 50% dos eleitores inscritos.
Quem mais chegou próximo a isso foi Paulinho Serra. O tucano que concorreu com a candidatura morta-viva do petista Carlos Grana chegou a 48,55% dos votos inscritos. Do total de 569.666 eleitores de Santo André, Paulinho Serra somou 276.575 no segundo turno. Reafirmo: o Diário do Grande ABC calculou apenas os votos em branco, nulos e abstenções para chegar ao índice de 37,92% desfavorável a Paulinho Serra. Os votos destinados ao petista não foram considerados.
Paulinho Serra não pode deixar de saber que menos da metade do eleitorado de Santo André o escolheu, embora esse menos da metade seja muito mais que todos os vencedores nos demais municípios. Os demais eleitores que lhe negaram votos em forma de não comparecimento às urnas, preferência pelo adversário do segundo turno e também ao sufragarem votos brancos e nulos formam uma massa de quase 52%.
Fragmentação maior
Outros três vencedores de segundos turnos na Província do Grande ABC obtiveram vitórias bem menos estelares. Orlando Morando ficou com 34,92% dos votos totais de São Bernardo (213.661 ante 611.786). Um pouco menos que os 37,21% de Atila Jacomussi em Mauá diante do petista Donisete Braga (112.788 ante 303.058 inscritos). Em Diadema, a votação que reelegeu o prefeito Lauro Michels foi relativamente semelhante a de Orlando Morando em São Bernardo: 34,32% dos eleitores cadastrados (113.585 de 330.918).
Dos candidatos que mataram a disputa no primeiro turno, até porque não havia outra saída já que os municípios aos quais estão ligados não contam com pelo menos 200 mil eleitores, apenas Gabriel Maranhão obteve votação próxima a dos vencedores do segundo turno. Maranhão obteve 31,76% dos votos cadastrados em Rio Grande da Serra (11.080 ante o total de 34.886). Numa São Caetano concorridíssima, José Auricchio Júnior obteve apenas 24,96% dos votos totais (32.067 de 128.454). Como em Ribeirão Pires a disputa foi ainda mais acirrada, o prefeito eleito Kiko Teixeira não chegou sequer a 20% do total, com 19,66% dos votos (11.080 de 34.886).
Mais votos, mais cobrança
As especificidades das eleições municipais deste ano não autorizam ninguém a afirmar peremptoriamente que os vencedores das eleições deste ano na região devem ser categorizados de acordo com os percentuais dos resultados. Quanto mais altos e portanto distantes dos concorrentes mais o prefeito eleito estaria nos braços dos eleitores. Não é nada disso. O peso das individualidades municipais deve ser tratado com cuidado extremo porque, caso contrário, poderá se atribuir legitimidade pública maior sem necessariamente corresponder ao enunciado.
Não sei se a intenção do Diário do Grande ABC ao publicar a manchetíssima de segunda-feira teria algum vínculo com o interesse de dar conotação de vencedores de primeira e de segunda classe às disputas de outubro. Se houve essa premissa o caminho não poderia ter sido mais equivocado.
Primeiro porque a metodologia capenga comprometeu a realidade dos resultados nas urnas. Segundo porque não é quantidade – ou melhor dizendo, diferença de votos – a varinha de condão que faria de Paulinho Serra mais prefeito que José Auricchio Júnior ou Orlando Morando, além dos demais.
Menos de 40% dos votos
No conjunto da obra dos dois turnos das eleições de outubro e sempre considerando o somatório de votos sucateados e de votos rejeitados, os prefeitos eleitos na região somaram 777.459 votos ante o total de 2.068.802 disponíveis. A média de votos dos vencedores não ultrapassou a 37,50%.
Ou seja: quase 63% dos eleitores da Província do Grande ABC não votaram nos candidatos que vão assumir em primeiro de janeiro. Acho que quem tem menos a perder nos próximos quatro anos são os prefeitos que contabilizaram menos votos relativos. Eles contam com margem de absorção de novos eleitores mais elástica às reeleições, exceto os já reeleitos Maranhão e Michels. Paulinho Serra, campeão regional de votos em números absolutos e relativos, terá peso sobressalente a carregar. Ele virou escravo de uma numerologia muita festejada num primeiro instante.
Como se observa, esse é o reverso da medalha do sucesso eleitoral nas urnas. Há muita diferença entre votos nas urnas e a administração de um Paço Municipal. No primeiro caso o entusiasmo das disputas oferece um campo de manobra muito mais suave ao eleitor. No segundo, o eleitor travestido de tomador de serviços públicos demanda cobranças elásticas sem qualquer sincronia com as limitações orçamentárias.
Particularmente no caso de Paulinho Serra, o esforço terá de ser muito maior para sustentar nível de confiança de um eleitorado que jogou sobre suas costas uma expectativa de mudanças muito acima da capacidade de resposta do Município, seja qual for o prefeito de plantão.
Santo André precisa de um milagre para ingressar na rota do desenvolvimento econômico perdido há três décadas. Tanto perdeu que não seria uma ideia infeliz um movimento para mudar alguns trechos da letra do hino municipal que remete a viveiro industrial.
Ou então tomar vergonha na cara e montar uma equipe tecnicamente de elite para estudar a fundo o que fazer para transportar para o futuro o que escasseia no presente e que gerou tanto orgulho no passado de glórias. Tanto orgulho que a arrogância de se considerar resistente a tudo não permite que se enxergue o óbvio em forma de desmantelamento social.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)