Um estudo da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo mostra o quanto a mídia é desatenta no tratamento de questões-chave da Região Metropolitana de São Paulo, o quanto a Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC então dirigida estatisticamente por João Batista Pamplona se perdeu em remelexos triunfalistas e o quanto o governo federal tem sido desastrado no tratamento tributário de municípios densamente ocupados.
Devorei em duas ou três leituras atentas o estudo da secretaria comandada pelo economista Marcio Pochmann, uma das principais cabeças petistas da Capital, professor da Unicamp. Cheguei à conclusão serena de que a reformatação institucional ou constitucional da Grande São Paulo é tão inadiável quanto importante, dando, pois, completo aval a recentes propostas do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, fonte de inspiração de recente reportagem sobre a criação do Estado da Grande São Paulo.
O caos paulistano, proporcionalmente semelhante ao que encontramos no Grande ABC, está quantificado em um dos mais perversos indicadores econômicos rastreados pelo documento da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade: a taxa média de desemprego total de São Paulo cresceu de 9,6% em abril de 1989 para 19,9% em abril de 2002, segundo a Pesquisa de Emprego e Desemprego do Dieese/Seade, enquanto a quantidade de chefes de domicílios na condição de pobreza cresceu de 482,4 mil, em 1991, para 589 mil em 2000.
Comparem esses números com a perversidade da carga tributária, que no mesmo período sofreu elevação de 35,3%, já que saltou de 25,2% para 34% do PIB nacional. Se for considerada apenas a carga tributária bruta no Município de São Paulo — afirma o estudo paulistano — o peso aumentou de 26,8% para 52,2%, ou seja, uma elevação de 94,8%. “Nesse sentido, verifica-se que, a cada R$ 2 gerados hoje em São Paulo, R$ 1 é arrecadado na forma de tributo” — afirma Pochmann.
Para que não se entenda incorretamente o aumento da carga tributária paulistana, convém lembrar que o indicador é constituído pelo somatório de toda a receita tributária federal, estadual e municipal gerada no próprio Município de São Paulo. Embora não haja estudo análogo sobre os sete municípios do Grande ABC, a diferença entre essas duas porções geográficas que resumo como Cinderela (Capital) e Gata Borralheira (Grande ABC) só se estabelece nos detalhes, porque a essência é a mesma, já que os dois territórios, como tantos outros densamente ocupados, foram tomados de assalto pelo governo federal. Enquanto isso, mais próximos dos contribuintes, os gestores públicos municipais se vêem em maus lençóis com os custos políticos do reajuste de tributos e taxas locais tradicionalmente subestimadas por antecessores populistas dos tempos de inflação farta e administração pública sem compromisso com responsabilidade fiscal.
Marcio Pochmann explica no documento que o aumento da carga tributária bruta no Brasil foi resultado, principalmente, da maior arrecadação de tributos federais nos municípios mais ricos do País, como no caso da Capital paulista. “Assim, chega-se à conclusão de que o Município de São Paulo respondeu por 26,7% do aumento da carga tributária nacional, ou seja, de cada R$ 4 de tributos arrecadados a mais entre 1991 e 2001, R$ 1 saiu do Município de São Paulo” — afirma Pochmann.
Como o conjunto da economia do Grande ABC é 4,5 vezes menor que São Paulo, numa incursão rápida que faço com base em alguns indicadores confiáveis constata-se, então, que a região respondeu por 6% do aumento da carga tributária bruta entre 1989 e 2001. Um acinte, considerando-se o universo de mais de 5,5 mil municípios brasileiros.
Como bem explica o estudo, a elevada carga tributária do munícipe paulistano decorre da opção do governo federal de aumentar os tributos e taxas não compartilhados na maioria das vezes com Estados e municípios, como os casos da CPMF, Cofins e CSLL. Traduzindo: o governo federal deu um nó na Constituição, criou tributos e taxas que não precisa repassar aos cofres municipais e estaduais e engordou suas burras para o enfrentamento de um Estado cambaleante, três vezes salvo providencialmente pelo FMI.
Marcio Pochmann vai mais fundo no retalhamento da ação do governo federal ao lembrar que no período de 1989 a 2001 a receita de natureza federal gerada no Município de São Paulo cresceu 152,4%, enquanto a receita de natureza estadual também gerada na Capital aumentou 84,3%. Já a receita de natureza municipal gerada em São Paulo cresceu apenas 12,1%.
Esses dados confirmam a dificuldade que consumidores e contribuintes têm para enxergar que o vilão tributário do País não está no prefeito de plantão. Por mais que sejam necessárias intervenções democráticas de contribuintes contra eventuais abusos na atualização e na definição dos valores do IPTU, por exemplo, o grosso do custo tributário está nas esferas estadual e federal. Tomem os números de São Paulo como referenciais fiéis da realidade tributária do Grande ABC e da maioria dos grandes municípios brasileiros.
O tamanho do buraco entre o que é arrecadado e o que efetivamente é aplicado no centro nervoso da Região Metropolitana de São Paulo é emblemático do desinteresse do governo central em enxergar parte do espaço daquele que deveria ser o Estado da Grande São Paulo: em 2001, a taxa de retorno do Município de São Paulo foi de 9,5%, ante os 19,9% de 1991, com queda de 52,3%. Mais uma tradução: tivesse a carga tributária bruta levado em conta o conjunto dos entes federativos e sobremodo os núcleos em que a qualidade de vida se esboroa, São Paulo teria orçamento duplicado para o enfrentamento dos inúmeros problemas.
E um dos maiores problemas é a massa de desempregados, já que o emprego formal, com carteira assinada, foi reduzido em 9,9% no período, enquanto no Brasil como um todo houve aumento de 17,2%. São Paulo representava 15,5% de todos os empregos formais no País em 1991, contra 11,9% em 2001. Pelos cálculos de Marcio Pochmann, o Município de São Paulo deixou de criar 600 mil empregos no mesmo período. O custo social desse descalabro todo mundo conhece em forma de criminalidade e exclusão social.
A Assembléia Legislativa e os paulistas do Congresso Nacional precisam ser doutrinados a observar a Grande São Paulo sob a ótica que a realidade impõe e, a partir daí, compreenderem que ou levam a sério esse território especial de 39 municípios e população equivalente aos mais de 700 municípios do Estado de Minas Gerais ou continuaremos a chorar tragédias, deseconomias, evasão industrial, exclusão social e outros subprodutos da imprevidência.
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12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES