O enfraquecimento econômico de Santo André a partir da metade da década de 70 obedece desenho lógico de galpões industriais desocupados que serpenteiam muito além das regiões próximas dos trilhos ferroviários, mas em toda a geografia local. Aprendi com o economista Antonio Joaquim Andrietta a detectar uma das provas cabais de que a evasão industrial se manifesta de forma nua e crua e atinge em cheio Santo André. Reparem no fluxo de veículos e também na lotação dos ônibus intermunicipais. De manhã cedo, Santo André sofre com a retirada em massa da população. No cair da tarde, há inversão e se formam congestionamentos nas principais artérias viárias que fazem fronteira com a vizinhança.
A hemorragia econômica de Santo André preocupava sobremodo o prefeito Celso Daniel porque refletia nos cofres públicos. Um presente de grego que lhe entregaram, porque outros períodos foram férteis em assegurar obras a administradores que não levaram tão a sério a virada do século quanto o prefeito que se foi em janeiro. Dependente cada vez mais de núcleo seletivo de 20 indústrias que respondem por 80% da geração de riqueza produtiva, Santo André tende a transmitir idéia equivocada de estabilidade econômica, já alardeada por gerenciadores públicos — inclusive pelo prefeito que se foi, sempre voltado a evitar que mazelas locais fossem tornadas públicas. Por que Santo André tende a dissimular fragilidades econômicas?
Exatamente porque se sustenta por meio de 20 grandes indústrias, cujas razões para deixar as fronteiras locais são muito mais problemáticas que o enfrentamento do chamado Custo ABC. Como não interessa a esses potentados industriais cair fora e aproveitar-se da guerra fiscal, da guerra locacional, da guerra de qualidade de vida, da guerra logística, enfim, de todas as guerras que se apresentam para quem quer ganhar competitividade, não lhes resta saída senão investirem maciçamente em tecnologia, em processo, em qualificação da mão-de-obra e, dessa forma, tornarem-se competitivos aqui e, com isso, também terem o mercado consumidor próximo como forte aliado.
Isto posto, permanecendo aqui e investindo pesadamente em modernidade, as indústrias de Santo André tornam-se cada vez mais enxutas em mão-de-obra e generosas em tributos, por intermédio do Valor Adicionado. Resultado: Santo André gerará cada vez menos emprego industrial — ou perderá cada vez mais emprego industrial, para ser fiel aos números oficiais –, mas poderá estancar a sangria desatada de perdas tributárias que se refletem no repasse de recursos do ICMS.
A estabilidade que Santo André vem apresentando no Índice de Participação do ICMS nos últimos quatro ou cinco anos não corresponde a semelhante resultado na geração de empregos (e consequentemente de riqueza salarial).
Quem argumentar em contrário — e sempre é possível que se argumente em contrário com números do ICMS às mãos — está querendo dourar a pílula. Um exemplo: nos últimos 48 meses, entre maio de 1998 e maio deste 2002, Santo André perdeu o tipo de emprego mais valioso da economia do Grande ABC (o emprego industrial), num total de 4.873 postos de trabalho com carteira assinada. Uma Bridgestone Firestone e meia. Pesquisas que não considerem o chamado emprego formal do setor industrial não devem ser levadas a sério porque a informalidade nessa atividade significa marginalidade, tal a imperiosidade de as empresas se manterem ajustadas à legislação trabalhista.
É muito provável, mais que provável, bastante verossímil, que, com a expansão do Pólo Petroquímico de Capuava, Santo André apresente nos próximos anos aumento de participação no índice do ICMS. Como se sabe, a capacidade de influir nos resultados orçamentários do Estado e dos municípios diretamente envolvidos torna o setor petroquímico extraordinariamente disputado. Basta ver a pequena Paulínia, de 50 mil habitantes. Por força de uma refinaria e de empresas químicas em seu entorno, Paulínia se classifica em terceiro lugar no Estado em Valor Adicionado, com fortíssima influência no ranking do ICMS e tranquilidade invejável dos administradores públicos em organizar o orçamento farto.
Dessa forma, é possível que, mesmo perdendo outras pequenas e médias indústrias, como vem ocorrendo ao longo dos anos, Santo André registre alguns ganhos em números absolutos de participação na geração de riqueza industrial. Não faltarão, provavelmente, triunfalistas empedernidos que dirão em alto e bom som que o Município retomou a atividade industrial.
Recentemente produzimos um ensaio sobre as diversas faces da desindustrialização. Alertamos à época sobre o risco de pesquisadores pagos para dourar a pílula debruçarem-se sobre determinados números e extraírem dali conclusões sob medida. No caso específico de Santo André, vitimado como nenhum outro município pela evasão industrial, convém ficar ligadíssimo. A indústria petroquímica tem o poder supremo de esconder a dura realidade municipal e mesmo regional porque fomenta impostos em grandes proporções e, com isso, escamoteia os desempregos que desaparecem nas pequenas e médias indústrias de atividades diversas e menos observadas.
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12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES