Imprensa

O que ninguém vê em defesa
dos conceitos de regionalismo

DANIEL LIMA - 12/12/2016

Sou um recluso voluntário seletivo e com alto nível de produtividade. A experiência que vou repassar nesse breve artigo é uma maneira subjacente de me comunicar com os leitores além do dia a dia visível das edições sobre a regionalidade desta Província. Meu dia a dia profissional vai muito além dos 400 textos que produzo a cada ano e de infindáveis incursões por jornais e revistas impressos e digitais e muitos sites, inclusive de especialistas e de organismos públicos e privados.

Costumo dizer que o regionalismo é o suprassumo do globalismo, não a porta aberta ao provincianismo.  Provincianismo é a negação do globalismo. É uma caricatura mal-ajambrada de regionalismo. Daí minha opção preferencial de chamar esse território de Província do Grande ABC. 

Acho que muitos leitores merecem um pouco mais do que a oficialidade dos meus textos. Mas, no fundo, quem merece mesmo sou eu, mesmo que seja como ação cautelar. Possivelmente não faltem idiotas ou ignorantes que me vejam apenas como evangelizador da regionalidade com limites territoriais e intelectuais. Trocando em miúdos: um provinciano travestido de regionalista.  

Consumidor de obras 

O jornalista que todos acompanham nestas páginas digitais é apenas um pedaço materializado e cevado pelo jornalista que entende que a atividade, mesmo desprestigiada e aviltada, com milhares de profissionais à deriva no País, é extremamente importante e exigente. O compromisso com a sociedade escraviza quem leva a sério a comunicação social. E isso custa muito caro.   

Dei-me conta no final de semana que estou a completar nos últimos seis meses nada menos que a leitura compassada e mastigada de nove livros. E tenho mais três na fila, prontos para o arranque inicial, para a fita de largada. 

Como ler tantos livros – entre muitas leituras do dia a dia para acompanhar atentamente o andar da carruagem do mundo? – talvez seja a principal pergunta dos leitores? Simples, muito simples. Primeiro é preciso ter paixão. Segundo, dar elasticidade ao tempo necessário. Qualquer minuto é importante. Uma sala de espera de um médico, de uma repartição pública qualquer, no trânsito, onde for, é sempre oportunidade à leitura. Terceiro, diversificar, pulando de uma leitura a outra para renovar o prazer do texto anterior e, assim, completar a jornada. Quanto mais distintos os temários, melhor. O monotemático é enfadonho.

Troca-troca constante 

A metodologia para ler tanto e não me cansar demais, muito pelo contrário, passa portanto pelo troca-troca temporário das obras selecionadas.  Li num um único dia, porque necessário a considerações que faço nesta revista digital, o livro de Silvio Navarro sobre o caso Celso Daniel. Não é o tipo de velocidade que normalmente adoto. Leitura vinculada demais ao prazo de conclusão é desgastante, por mais prazerosa que seja – embora não tenha sido essa a conclusão sobre a obra de Silvio Navarro, por motivos mais que explicitados nesta revista digital. 

Estou lendo nos últimos dias “Anatomia de um desastre”, dos jornalistas do jornal Valor Econômico, Claudia Safatle, João Borges e Ribamar Oliveira. Eles tratam com maestria os 13 anos do governo petista. Toda atenção é pouca quando o resgate da história é imperativo. 

“Anatomia” se reveza com “O economista Clandestino Ataca Novamente – Como arrumar ou Arruinar uma economia”, de Tim Harford, colunista sênior do Financial Times. Uma baita obra que quebra qualquer eventual aversão ao estudo de Economia. Harford simplifica tudo com metáforas. Espetacular. E lembrar que abandonei um curso exatamente porque não suporto professor burocrático e seus métodos ultrapassados. 

Vazios desestimulantes 

Perdeu um pouco a corrida pela minha atenção de leitor voraz o livro da economista Mônica Baugarten de Bolle. “Como matar a borboleta-azul – Uma crônica da era Dilma”. Não é tudo aquilo que as resenhas desenharam, embora esteja muito distante de um produto qualquer. Livro de especialista que não se assessora de jornalistas pode encaminhar os leitores com o meu perfil a alguns buracos de sensibilização. Uma dezena de páginas sem arte de catequese pode colocar uma obra no acostamento. 

“Antologia da Maldade, um dicionário de citação, associações ilícitas e ligações perigosas”, escrito por Gustavo Franco e Fábio Giambiagi, é instigante. Excede criatividade e minuciosidades dos autores. Como é uma exumação de conceitos de autores múltiplos, não há possibilidade de escorregar em terreno de mesmices. 

Querem uma ideia do que encontrar no livro? Para “asilo” existem várias interpretações. A de Millôr Fernandes é impagável: “Quando uma ideologia fica bem velhinha, vem morar no Brasil”. Agora, imaginem a delícia de contar com um cardápio especial de algumas centenas, se não alguns milhares de definições, sempre de autores que registraram ou registram passagem de inteligência ou de burrice crônica. Burrice crônica? 

Vejam o que disse Dilma Rousseff, então presidente da República, enquadrado no verbete “Alienígenas”. Reparem: “Primeiro, eu queria te dizer que tenho muito respeito pelo ET de Varginha. E eu sei que, aqui, quem não viu conhece alguém que viu, ou tem alguém na família que viu, mas, de qualquer jeito, eu começo dizendo que esse respeito pelo ET de Varginha está garantido”. Dilma Rousseff é frequentadora de muitas páginas do dicionário. 

O outro lado 

Sei que querem também um exemplo de luminosidade. Que tal o ex-ministro dos tempos de Regime Militar, Roberto Campos? Vejam o que ele disse sobre “Autoengano” – “A minha capacidade de previsão e percepção é muito superior à capacidade de persuasão”. Roberto Campos foi uma das melhores cabeças que esse Pais já produziu. Suas análises se tornaram premonitórias. Mas a esquerda procurou o tempo todo levá-lo às cordas da desclassificação. 

Se preferirem, ainda se referindo a “Autoengano”, vejam o que disse o filósofo alemão Friedrich Nietzsche: “A mentira mais frequente é aquela que se conta para si mesmo”. 

Também é imperdível, embora um pouco cansativo pela repetição de casos assemelhados, o livro de Gay Talese “O Voyeur”, que relata as confissões de um proprietário de motel à beira de estrada no Colorado, Estados Unidos. Ao longo de 15 anos, Gerald Foos preencheu centenas de páginas de um diário, no qual anotou o comportamento sexual dos hóspedes. 

Gay Talese é o inventor do jornalismo literário que revolucionou a forma de transformar informação em obra de arte. Uma antológica reportagem sobre o cantor Frank Sinatra resume a importância de Talese para o jornalismo mundial. Ele preparou o mais detalhado, invasivo e encantador perfil do artista sem ouvir o próprio Frank Sinatra, que lhe recusou entrevista. Isso me faz lembrar um idiota (imaginem quem é, imaginem! (que, em depoimento à Justiça, disse que eu não teria condições de avaliar a entidade que ele dirigia porque jamais participei de qualquer reunião no local).

Entrevistas memoráveis 

Também está praticamente liquidado o livro “Grandes Entrevistas do Milênio – O olhar de grandes pensadores sobre o mundo atual e suas perspectivas” -- baseado no programa “Milênio”, da Globo News. A lista de entrevistados preenche três centenas de páginas. É um convite à imersão num mundo de competências invejáveis e de contextos políticos, econômicos e culturais que ajudam a compreender a globalização que alguns extremistas de direita pretendem dinamitar. 

Também já liquidei a leitura de “Cartas de um antagonista”, do jornalista Mario Sabino, com atuação em diversos veículos impressos, caso de Veja, da qual foi comandante de redação, e que agora, com Diogo Mainardi, faz do site “Antagonista” referência de novo modelo de jornalismo, que une as facilidades do mundo digital e fontes preciosíssimas na geração de insumos exclusivos. Nenhum jornal ou revista, tevê ou emissora de rádio, ou mesmo sites, se aproxima de “O Antagonista” como usina de notícias exclusivas e interpretações arrasadoras. 

Para completar a lista de livros que consumi integralmente ou não nos últimos meses, eis que a pilha em minha escrivaninha ganha mais um profissional de peso. “Veríssimas” – Frases, Reflexões e Sacadas sobre quase tudo”, de Luiz Fernando Veríssimo. A obra é semelhante a “Antologia da Maldade”, com a diferença de que Veríssimo ancora todos os verbetes, dando-lhes textura interpretativa tão concisa quanto singular. Por exemplo? Veríssimo define “Tarado” como “um moralista que ainda não ficou preso no elevador com a Carla Perez”. Querem saber como Veríssimo define “Personalidade”? “Segundo a ciência, a personalidade humana fica pronta aos cinco anos de idade. O patife já está feito, mesmo que ainda não tenha a oportunidade de dirigir um banco”.

Tempo acelerado 

Com os apontamentos que revelei sobre os livros que devorei nos últimos tempos – ou estou a devorar – hão de entender os leitores que não sou um caso patológico de síndrome de leitura compulsiva. Trata-se apenas de sede de conhecimento, de volúpia por tornar o tempo disponível muito mais valorizado, embora, nesse caso, o que vivo é uma contradição. A leitura profunda conduz à estranha sensação de que aquelas páginas cuidadosamente alimentadoras da alma encurtaram o tempo de tal forma que se passa a questionar essa história de que a métrica de um dia são 24 horas. 

Ainda bem que o fim do ano está chegando. Terei 15 dias de anormalidade, ou seja, duas semanas sem escrever e editar uma matéria sequer para esta revista digital. Com isso, poderei dar conta do que resta dos nove livros citados e iniciar ou completar a leitura de outros que começam a pedir passagem, porque essa roda-viva não para jamais. 

Tanto que duas obras já estão na ponta da agulha. O relançamento de “A segunda mais antiga profissão do mundo”, do jornalista Paulo Francis, um dos nomes mais festejados como referência de inconformismo e rebeldia; e “Liderança”, escrito por Michael Moritz, que relata a brilhante carreira de técnico de futebol de Alex Ferguson, que conquistou 48 troféus em 38 anos à frente do Manchester United. 

Recomendação de valor 

Estava me esquecendo de que já providenciei a compra de outro livro sobre futebol, pronto a desembarcar nesta semana. “Pirâmide Invertida”, recomendado por Tostão, o maior craque do jornalismo esportivo brasileiro, trata da evolução de sistemas táticos no esporte mais popular do mundo. Tenho obsessão pelo desvendar dos motivos que levam uma equipe a vencer, a empatar ou a perder, sempre lembrando que há outra equipe em campo com os mesmos desígnios. Parece redundância, mas não é. O que mais se pratica no jornalismo esportivo brasileiro é a cegueira do jogo de um time só. O adversário jamais tem valor. Exceto num sete a um inquestionável, não é verdade? 

Uma recomendação de leitura do mestre Tostão não se despreza de forma alguma. Tostão é prova provada de que toda regra tem exceção – ou seja, que a quase totalidade dos jogadores de futebol exaure qualidades dentro das quatro linhas de campo. Tostão foi um gênio dos gramados e é um gênio entre os colunistas esportivos. 



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