Quer uma palavrinha de consolo? Espere. Se imaginava outro verbete, caiu do cavalo. Não sou tão deseducado assim. Principalmente quando se trata do futuro do Grande ABC que, quem sabe, um dia se transforme em República do ABC. A indagação respondida com fair play refere-se ao que acontecerá com a região dentro de uma ou duas décadas, quando a turbulência da globalização e dos despautérios do governo federal se cristalizar e se assentar. Seremos uma sociedade produtiva altamente competente, dessas de causar inveja. Haveremos de ter indicadores de transformação industrial que nos colocarão como referência internacional. Seremos os bambambãs porque juntaremos cultura e qualificação de mão-de-obra com competência empreendedora.
Certamente o leitor acostumado com o tom cáustico deste jornalista, principalmente quando o assunto é economia do Grande ABC, não está acreditando no que lê. Sabem por quê?
Porque não esperou eu molhar o bico.
Vamos ter sim uma indústria de ponta em matéria de racionalidade, produtividade, qualidade, processos, distribuição, logística e tudo o mais que os maiores especialistas internacionais recomendam para o mundo sem fronteiras. O problema é que o preço será elevadíssimo. Exércitos e exércitos de excluídos funcionais, empresariais e sociais vão sucumbir à força avassaladora das transformações.
Chegaremos próximos do conceito mais bem apurado de clusterização, de produção compartilhada, suplementarizada, como sugerem engenheiros de produção, alquimistas da competitividade. Mas isso tem o preço duro e inequívoco da seletividade.
Nosso desafio, o desafio de todos que de alguma forma participam de parte do conjunto do ensaio geral dessa guerra por eficiência iniciada há mais de uma década, é saber exatamente o que fazer com a grande massa de excluídos.
Crescemos sem planejamento industrial nem cuidados demográficos até que a abertura econômica nos enfiou goela abaixo a obrigatoriedade de uma dieta dolorosa, que ainda não estamos sabendo enfrentar.
O Grande ABC de 20 anos próximos talvez seja uma República do ABC, com senso coletivo da gravidade dos problemas que terá de enfrentar para impedir que quem está longe daqui confunda a excelência do parque industrial que advirá desse cataclisma com a imensidão de problemas sociais decorrentes desse vendaval.
Quero viver pelo menos mais 20 anos para saber o que seremos capazes de fazer para tornar o futuro menos complicado que o presente, sabendo-se de antemão que na linha do horizonte do tempo se estende não uma imensa interrogação, como alguns sugerem, mas uma inevitável dor de cabeça. Nosso desafio é encontrar antídoto capaz de, cientes de que o choque é inevitável, pelo menos tornar o impacto menos destrutivo.
Não interessa um Grande ABC minoritariamente depurado na indústria automotiva e química se as demais atividades viverem na penumbra e a maior parcela da sociedade alimentar-se de brisa.
Entenderam por que o compromisso com o futuro é o grande desafio?
Já que as elites que nos antecederam em cargos de comando não foram capazes de pensar a virada do século, que ao menos um grupo de pensadores e executores imaginem a chegada do expresso 2020. O irritante é que tanto uns quanto outros estão dispersos, e muitos deles nem devem ser levados a sério porque trocam de discurso como Gisele Bündchen de biquíni. Basta um cargo que confira certa notoriedade e jogo de cintura para que sejam metabolizados pelas elites.
Hão de dizer alguns leitores, se não muitos, que estou a produzir arremedo de tecido analítico com possível intenção de candidatar-me a Deus. Ora, ora, nada disso. Acontece que dar uma alinhavada no futuro, com base em sólidas informações e conhecimentos sobre o passado e o presente da região, é o mínimo que um avaliador econômico com função social implícita do jornalismo deve produzir.
Profissionais de outras áreas igualmente atentos e de olho em alguns pares de anos devem estar exercitando manobras semelhantes, embora não a exteriorizem por falta de oportunidade ou mesmo por estratégia.
Exceto uma grandessíssima novidade institucional e quem sabe até constitucional, que reverta a tradição suburbana da região, alterará o ritmo do movimento francamente declinante de nossa economia e crescentemente problemático na esfera social.
Fora essa possibilidade remota, mas não descartável, o bom senso e a honestidade profissional recomendam cautela e caldo de galinha. Consumimos quatro décadas para alcançar o topo da economia nacional. Levaremos pelo menos duas décadas, uma das quais já impactada, para encontrar patamar sobre o qual novas investidas ou antigas omissões determinarão aonde chegaremos.
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12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES