É uma pena que o profissional que mais mexe e remexe no passado da Província do Grande ABC não tenha espaço para discorrer sobre o presente e o futuro da Província do Grande ABC. Mas a reportagem que o Diário do Grande ABC publicou na última sexta-feira em comemoração aos 40 anos da conquista do Prêmio Esso de Jornalismo serviu de bálsamo ao deixar o recado de que, assim como o blogueiro Donizeti Raddi, velho amigo dos tempos de jornalismo esportivo, também Ademir Medici sabe o que escreve sobre esses tempos sombrios.
Pude ler declarações de desabafo de Ademir Medici, inclusive em apoio à lamentação de Édison Motta publicada originalmente em 2008 na revista LivreMercado, quando ambos foram homenageados durante a festa do Prêmio Desempenho. Abri naquele evento uma janela aos 50 anos do jornal mais tradicional da região. A homenagem se deu pouco mais de três anos após ter deixado a direção editorial daquela publicação sem que o Planejamento Estratégico Editorial que propaguei entre diretores e jornalistas tenha tido mais que 11 meses de execução.
Ademir e Édison receberam uma premiação especial diante de mais de dois mil convidados. Sem contar que, um mês depois, participaram do lançamento da segunda versão do livro “Nosso Século XXI” entre 35 articulistas. Os textos que produziram fazem parte da história regional.
Motivos de sobra
As duas iniciativas reuniam algumas razões que jamais expus mas que não vejo mais motivos para não álas.
Primeiro, porque um Prêmio Esso é a glória de todo profissional.
Segundo, porque Ademir Medici e Édison Motta permaneciam praticamente esquecidos como ganhadores daquela premiação. Gerações de novos leitores ignoravam o passado do jornalismo regional, o que é uma péssima constatação para quem já rumina o Complexo de Gata Borralheira.
Terceiro, porque tenho admiração pelos bons profissionais de jornalismo. Sei o quanto custa a lapidação diária de uma profissão desvalorizada, quando não aviltada, quando não judicializada estupidamente.
Quarto, porque, diferentemente de tantos profissionais de comunicação que têm ciúmes dos profissionais de comunicação de talento, sou um admirador confesso de tudo que se relacione com a produção de qualidade -- mesmo que eventualmente não tenha apreço pessoal pelos profissionais que consumo. Não era e não é o caso de Édison Motta ou de Ademir Medici.
Frase simbólica
Ao adotar ao final da reportagem uma frase de Édison Motta em artigo exclusivo para Capital Social (veja link abaixo), Ademir Medici assinou um atestado de contemporaneidade importante, porque não falta quem o considere apenas (apenas é força de expressão, claro) um cavoucador qualificadíssimo e inigualável do passado regional, condição que supostamente o reteria em uma redoma de proteção contra a realidade destes dias.
Que frase Ademir Medici rebocou do artigo de Édison Motta a propósito da situação da Província do Grande ABC em 2008? Leiam: “O que mais assombra é que o tema parece não incomodar a maioria das pessoas. Cada qual toca a vida em seu casulo, indiferente à metamorfose coletiva que, certamente, não vai gerar borboletas”.
Certamente o leitor ainda não entendeu o contexto daquela sentença do jornalista Édson Motta. Pois então vamos recuperá-la, aproveitando a própria reportagem do Diário do Grande ABC:
Em material publicado em maio de 2008 pela Revista Livre Mercado, em comemoração aos 50 anos do Diário, Motta destacou o significado da premiação. “O Esso Regional veio como espécie de consagração de um momento intenso e mágico onde, pela primeira vez, o chamado progresso, o eldorado industrial brasileiro, foi questionado. Mostramos, na série de reportagens, o outro lado da moeda. A poluição, as favelas, a destruição do meio ambiente e a rotatividade da mão de obra que já se fazia acompanhar do desemprego”. (...) O mito do desenvolvimento econômico e a metamorfose da industrialização deixaram como herança a violência, a criminalidade, o caos da Saúde e do trânsito. “A região segue a rota do caranguejo: caminha sem sentido, para os lados e para trás, enquanto, no restante do País, são reprisados os mesmos erros aqui cometidos há mais de três décadas”.
Uma dura realidade
A abertura da matéria assinada pela jornalista Natália Fernandjes é uma declaração contundente de Ademir Medici: “Achavam que a gente estava exagerando quando observávamos o sofrimento da população e alertávamos sobre as questões do subemprego e da sub-habitação, fruto da falta de planejamento da industrialização. Hoje vemos que a situação do Grande ABC só piorou e que outras regiões seguiram nosso péssimo exemplo”.
Ademir Medici e Édson Motta escreveram há 40 anos sobre “A Metamorfose da Industrialização”. Édison Motta foi embora desta vida em 2015.
Só faço um reparo ao tom adotado na reportagem do Diário do Grande ABC. Estarei enganado ou se constrói a ideia de que o capitalismo é o grande vilão da história de desenvolvimento econômico da região? Destaca a matéria que a frase de abertura da reportagem ganhadora do Prêmio Esso de 1976 foi rebocada do economista Celso Furtado, morto em 2004: “Temos a prova definitiva de que o desenvolvimento econômico – a ideia de que os povos pobres podem algum dia desfrutar das formas da vida dos atuais povos ricos – é simplesmente irrealizável”.
Estado usurpador
Não é o caso específico da Província do Grande ABC. Vive-se melhor nesta Província de um capitalismo rastaquera do que em qualquer canto do País que não conheceu a possibilidade de exercitar mobilidade social. Os males do capitalismo, seja qual for o capitalismo, sempre serão café pequeno ante a gênese destruidora do Estado teimosamente incompetente.
A Província do Grande ABC não se transformou em trambolho social por causa dos empreendedores privados. A porção de inteligência, organização, sensibilidade e responsabilidade das autoridades públicas, ou seja, dos agentes do Estado, ficou e continua muito aquém do necessário. Administradores públicos mostraram-se ao longo dos tempos individualistas, partidários, demagogos e saqueadores dos cofres públicos.
O momento por que passa o País com a Operação Lava Jato é um ponto fora da curva. Houvesse mais operações semelhantes nos municípios, os níveis de responsabilidade social seriam outros. Os capitalistas não são santos, muito longe disso, como estou cansado de denunciar. Mas eles, em forma de bandidos sociais, só ganham espaço quando o Estado é uma fonte generosa de corrupção.
Vou mais longe: a maioria dos empreendedores torce imensamente para que os bandidos sociais engravatados que representam o Estado em suas várias instâncias municipais, estaduais e federal sejam objetos de faxina geral na esteira da Lava Jato. Nada é mais repugnante que continuar a assistir nesta Província do Grande ABC o desenho mais que lógico, ousado, de movimentações públicas que visam repetir os escândalos geralmente mal apurados de um passado recente.
Quanto ao passado mais remoto, sem Lei de Responsabilidade Fiscal, mesmo uma LRF surrupiada, e, também, sem a transparência e a massificação de informações que novas tecnologias permitem, o melhor mesmo é nem imaginar a montanha de bandalheiras que ficou impune. Ou alguém acredita que corrupção no setor público, em combinação com agentes privados, é coisa recente?
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